Tempos difíceis

Imprensa responde por mais de 5 mil ações trabalhistas em São Paulo

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27 de agosto de 2004, 12h22

As empresas jornalísticas de São Paulo respondem a 5.408 reclamações trabalhistas movidas por seus ex-empregados. Desde 2001, foram demitidos pelo menos três mil jornalistas no estado, segundo o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Fred Ghedini. Muitas dessas demissões, afirma ele, foram convertidas em outro tipo de contratação. O jornalista trabalha como empregado, mas recebe como pessoa jurídica.

O desemprego e a avalanche de reclamações trabalhistas resultam da crise pela qual passam as empresas. A vertiginosa queda no volume de anúncios publicitários quebrou a espinha dorsal das empresas. No caso mais recente, o Jornal do Brasil, a Gazeta Mercantil e o InvestNews deflagraram uma onda de demissões, que deve atingir 80 funcionários das redações espalhadas pelo país. A Folha de S. Paulo também passou a tesoura na folha de pagamento no mês passado. Foram 200 demissões. A crise desemboca direto na Justiça do Trabalho. Anteriormente, o mesmo ocorreu em O Estado de S.Paulo, na revista Época, nas Organizações Globo e em quase todas as empresas do setor.

O fenômeno afeta a capacidade noticiosa da imprensa, tende a reduzir a quantidade e a qualidade das notícias e atenta contra o inciso XIV do artigo 5º da Constituição Federal, onde “é assegurado a todos o acesso à informação”.

Avalanche de ações

A revista Consultor Jurídico fez um levantamento no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo de processos movidos por ex-empregados de empresas de comunicação. A Gazeta Mercantil lidera o ranking de ações trabalhistas com 1.853 reclamações.

O segundo lugar fica para a Rede TV, que herdou diversos pepinos da TV Manchete. A emissora tem 876 ações e discute na Justiça se é ou não sucessora da dor de cabeça. O jornal O Estado de S. Paulo está em 3º lugar com 850 processos.

A Editora Abril aparece na 4ª colocação com 454. E o SBT está em 5º lugar com 216 reclamações. (Veja o ranking das 15 empresas de comunicação mais acionadas)

O levantamento do TRT paulista é referente a processos da capital, da Grande São Paulo e da Baixada Santista — maior parte em primeira instância e alguns em segunda instância ou até mesmo no TST. A pesquisa exclui da base de dados os processos arquivados, devolvidos, transferidos, cancelados e incompletos. Os números levantados pela revista ConJur podem apresentar diferença quando confrontados com dados das empresas, já que na estatística também são computadas as cartas precatórias referentes a ações de outros estados. No ranking não é considerado o número de empregados das empresas.

Em baixa

O jornalista Alberto Dines lembra que a imprensa perde qualidade com a crise. “As empresas de comunicação começam a contratar terceirizados que trabalham por tarefa contrariando o espírito jornalístico”, diz. Segundo ele, o jornalista precisa ser “full time” e essa terceirização acaba com o jornalismo como atividade integral.

Para Dines, a baixa qualidade do jornalismo acaba mascarando o padrão de exigência de alguns leitores, que não percebem mais os erros — porque se acostumam com eles — e passam a não exigir o bom jornalismo. Outros leitores encontram outro caminho quando percebem a queda de qualidade: trocam de jornal.

Inferno astral

O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo cuida de cerca de 600 processos trabalhistas e atende, em média, 350 jornalistas por mês. No último relatório feito há um ano, o Sindicato tinha colecionado 102 decisões favoráveis e oito derrotas em primeira e segunda instâncias.

A advogada do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Silvia Neli dos Anjos Pinto disse que 90% dos casos que chegam à entidade são sobre vínculo empregatício. “O empregado é contratado como pessoa jurídica e trabalha como subordinado. Na hora em que é demitido, a empresa jornalística o trata como pessoa jurídica para evitar pagar direitos trabalhistas”, disse.

A advogada tem notado uma tendência pior nos últimos cinco anos nas reclamações trabalhistas. Antes, a maior briga de jornalistas era por horas extras. Hoje, a falta de vínculo empregatício é o principal problema, de acordo com ela, apesar de o pagamento de horas extras continuar na lista de reclamações.

O diretor executivo da Associação Nacional de Jornais, Fernando Martins, se manifestou sobre o assunto. “Suponho que o vínculo empregatício não deva ser um grande problema para os donos de empresa, que nunca trouxeram esse debate para a ANJ”, disse.

Confira a classificação das empresas, o número de ações e o que dizem os advogados

1º lugar — Gazeta Mercantil — 1.853

“A Gazeta Mercantil passa por um processo de reestruturação desde o final do ano passado. A empresa vem compondo seu passivo gradativamente, ou seja, fazendo acordos na medida do possível para poder honrar seus pagamentos. Ela precisa de um prazo maior para pagar os débitos trabalhistas porque também tem uma série de obrigações cotidianas. O tombo da Gazeta Mercantil é maior porque é o maior jornal. Assim, o fluxo de caixa gera um buraco maior. A Gazeta Mercantil tem o maior volume de processos trabalhistas porque é o mais antigo. Há vezes em que, mesmo com o pagamento dos direitos, o empregado recorre à Justiça. A maior parte dos processos da Gazeta Mercantil é de gráficos que querem horas extras e verbas rescisórias complementares”. (Jeremias Alves Pereira Filho, advogado da Gazeta Mercantil.)

2º lugar — Rede TV — 876

“A Rede TV tem hoje 105 processos com acordos em andamento e 231 já pagos. Existem 540 ações trabalhistas contra a TV Ômega. Desse total, há 248 processos da TV Manchete e 292 da Rede TV. A questão sucessória da TV Manchete está sendo discutida na Justiça. Em Barueri, a 1ª Vara entende que a TV Ômega não é sucessora da TV Manchete. Já para a 2ª Vara, a TV Ômega é sucessora. Há decisões de segunda instância nos dois sentidos. A Rede TV tem hoje radialistas, jornalistas e empregados que trabalham em função administrativa. Radialistas e jornalistas têm jornada de trabalho flexível. É difícil o controle de jornada pela empresa. Essa jornada flexível leva jornalistas e radialistas para a Justiça para reivindicarem horas extras. Há banco de horas informalmente, mas a Justiça não o reconhece. E não existe entendimento da empresa e sindicatos para se chegar a um consenso sobre o assunto. Também há advogados que exageram e fazem os trabalhadores pedirem mais do que têm direito para aumentar seus próprios honorários em caso de vitória. Em alguns casos, chegam a pedir 30% de honorários”. (Betina Calenda, advogada do departamento jurídico da Rede TV)

3º lugar — O Estado de S.Paulo – 850

“O grande acréscimo de processos trabalhistas ocorreu porque tivemos de encerrar várias terceirizações, esse ano, principalmente na área de distribuição. São processos movidos por empregados de distribuidoras. Desses processos, somente 5% são de jornalistas que pedem horas extras. A empresa tem contratos em que pactua 5 ou 7 horas diárias. O número de ações na Justiça do Trabalho aumentou porque, antigamente, as pessoas tinham receio de entrar com processo na Justiça. Hoje, o empregado já sai com essa predisposição. E isso é incentivado pela própria Justiça do Trabalho, que não tem sucumbência. O empregado aceita correr qualquer risco e o que vier é lucro. Há reclamações absurdas, às vezes.” (José Luiz dos Santos, advogado do departamento jurídico trabalhista do jornal O Estado de S. Paulo)

4º lugar — Editora Abril — 454

O escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva, responsável pela área trabalhista da Editora Abril, preferiu não se manifestar sobre o assunto.

5º lugar — SBT — 216

“Não são 216 ações e sim 137 que tramitam na Justiça desde 1996 até este ano. São referentes a horas extras e acúmulos de funções. Com certeza, o SBT não ocupa o quinto lugar no ranking”. (Ulda Toledo, assessora de imprensa do SBT)

6º lugar — Rádio e TV Record – 215

“Não temos 215 reclamações trabalhistas e sim 155 ações ativas. As reclamações trabalhistas mais comuns de funcionários da TV são sobre diferenças de horas extras. A Record sempre pagou todos os direitos e verbas trabalhistas de seus empregados. A maioria das reclamações movidas pleiteia diferenças de horas extras (no entendimento dos reclamantes), ou seja, verbas controversas que dependem de prova pelos reclamantes”. (Simone Cosme, diretora Jurídica e de RH da TV Record)

7º lugar — Editora Globo — 203

A advogada da Editora Globo, na área trabalhista, Amanda Marim de Oliveira, não quis se manifestar sobre o assunto. Alegou que as informações são sigilosas.

8º lugar — Rádio e TV Bandeirantes — 178

O escritório Camargo de Moraes Assessoria e Consultoria S/C — que representa a TV Bandeirantes na área trabalhista — não se manifestou até o fechamento desta edição.

9º lugar — Folha de S.Paulo – 145

“Pelo número de funcionários, é normal que a Folha responda 145 processos. A maioria das ações é de funcionários das empresas que prestam serviços para a Folha e o jornal entra no pólo passivo. Os outros são de funcionários que pedem horas extras, como operadores de telemarketing, por exemplo, ou jornalistas que querem vínculo empregatício e equiparação salarial”.(Reginaldo Carlos de Araújo, gerente geral de relações trabalhistas e sindicais do departamento jurídico da Folha de S. Paulo).

9º lugar — TV Gazeta – Fundação Casper Líbero – 145

O departamento jurídico da TV Gazeta não quis se manifestar sobre o assunto.

11º lugar — TV Cultura – 132

“O departamento jurídico da Fundação Padre Anchieta apurou 100 ações, entre o período de 8 a 10 anos. Pelo número de funcionários, aproximadamente mil, a demanda de ações é completamente normal. Dessas ações, 70% dos casos pedem reintegração. Mesmo assim, a Fundação Padre Anchieta, em primeira instância, foi vencedora em todas elas”. (Osmar Franco, advogado do departamento jurídico da Fundação Padre Anchieta).

12º lugar — TV Globo – 98

O escritório Robortella Advogados — que representa a área trabalhista da TV Globo — não se manifestou até o fechamento desta edição.

13º lugar — Editora Três – 32

O departamento jurídico da Editora Três preferiu não se manifestar sobre o assunto.

14º lugar — MTV – 6

“Essa classificação é uma vitória. Isso significa que a MTV é uma empresa absolutamente correta. São 200 funcionários efetivos. Três desses processos são de funcionários terceirizados e a MTV acaba entrando como pólo passivo. Os outros são da área de engenharia — câmera e pessoas responsáveis pela parte elétrica — ou ainda funcionários contratados para projetos especiais como acústico, programas de verão que, na maioria das vezes, pedem vínculo empregatício. Mesmo assim, em 2003 e 2004, a MTV não sofreu nenhuma condenação”. (Lara Andrade, advogada do departamento jurídico da MTV Brasil).

15º lugar — Valor Econômico – 5

“O Valor Econômico sempre tentou ter 100% de seu quadro de funcionários regidos pela CLT. O departamento jurídico do Valor, junto com o departamento de recursos humanos, sempre tomou cuidado com todas as áreas, inclusive as terceirizadas e por isso busca a contratação mais correta. Para isso, trabalha diretamente com toda as áreas do Valor Econômico explicando as regras e os possíveis riscos de uma contratação. Isso acaba limitando o número de ações trabalhistas. Das cinco ações que o Valor responde no TRT-SP, um ou dois casos são de funcionários que pedem a revisão de um benefício que alegam não ter recebido. As demais são ações do quadro de terceirizados e o Valor acaba entrando como segunda ré da ação. Durante os quatro anos de Valor Econômico, nenhum jornalista processou a empresa”. (Daphne M. Sancovsky, diretora de assuntos jurídicos e de recursos humanos do Valor Econômico).

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