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Depressão não é caracterizada como acidente de trabalho

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24 de agosto de 2004, 18h50

A depressão não pode ser considerada doença equiparada a acidente de trabalho. Isso porque ela não possui causa existencial cientificamente precisa, em função da variável influência que sofre em relação aos diversos fatores ligados a natureza humana.

Também não é possível comprovar que a patologia seja, diretamente, resultado das atividades desempenhadas pelo trabalhador. Com esse fundamento, o Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul rejeitou, por unanimidade, recurso que pedia o reconhecimento de estabilidade em razão de depressão.

Segundo o processo, a trabalhadora foi admitida como auxiliar de enfermagem, em junho de 1999, pela Santa Casa de Campo Grande, onde trabalhou até dezembro de 2002. No hospital, exercia atividades na ala de psiquiatria, sendo responsável pelos cuidados e tratamentos dos pacientes do setor.

Logo após ser dispensada pela entidade, a trabalhadora ingressou com reclamação trabalhista contra seu ex-empregador. Na ação, alegou que, em meados de 2002, passou a apresentar um quadro de depressão, em virtude do extenso e cansativo período que passava cuidando dos doentes mentais, chegando a trabalhar até 12 horas por dia, sem recebimento de horas extras.

Ela alegou, ainda, que, em razão do seu estado depressivo, teve de ficar afastada do trabalho por mais de 15 dias, recebendo durante esse período o benefício de auxílio doença do INSS. Por esse motivo, entendeu que a causa de seu afastamento deveria ser equiparada a acidente de trabalho, o que lhe daria direito à estabilidade no emprego por um ano.

Ainda em decorrência da doença, G.R.A. requereu que a Santa Casa fosse condenada ao pagamento de indenização por dano moral, argumentando que o trabalho ao qual foi submetida era realizado em condições físicas e psicológicas “anormais”, inadequadas para a sua saúde.

Ao julgar os pedidos da reclamante, o juiz da 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande, Ademar de Souza Freitas, não reconheceu a estabilidade acidentária pretendida pela trabalhadora. Na sentença, fundamentou que a depressão não é uma patologia reconhecida pelo INSS como doença profissional.

Para que seja equiparada a acidente do trabalho, a lei exige a constatação de que a doença resultou das condições especiais em que o trabalho foi executado e com ele se relacione diretamente.

Freitas indeferiu também o pedido de indenização por dano moral, por não entender ilegal a atitude do empregador com relação a patologia da trabalhadora. Porém, deferiu o pedido de horas extras, com os reflexos em suas verbas trabalhistas.

A trabalhadora recorreu da sentença da primeira instância junto ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul. No recurso, voltou a enfatizar que, sendo sua atividade insalubre (que causa exposição a agentes nocivos à saúde), a convivência e a atenção que era obrigada a ter com os doentes, além da jornada exaustiva que era submetida, levaram ao agravamento de sua doença, a qual foi adquirida pelas condições de trabalho.

O relator do processo, juiz Nicanor de Araújo Lima, no voto que conduziu o entendimento do Pleno do TRT, observou que, para ter direito à estabilidade por doença equiparada a acidente de trabalho, a patologia deve estar diretamente relacionada às condições especiais desenvolvidas na atividade.

Para ele, os fatos descritos pela reclamante como causas que deram origem à sua enfermidade, não podem ser considerados para esse fim, visto que estão de acordo com os padrões normais de trabalho praticados em outros hospitais. Portanto, dentro da rotina geral de trabalho praticada em sua profissão.

Quanto ao pedido de indenização por dano moral, ele esclareceu que, se a atividade da empregadora não se enquadra como de risco, a sua responsabilidade somente irá existir se acontecer algum ato ilegal. Destacou que não ficou demonstrado que a empregadora agiu com culpa, pois o ambiente de trabalho da autora, em contato direto com pacientes psiquiátricos, é decorrência natural do exercício de sua profissão.

“Se não houve a prática de ato ilícito que fundamente a responsabilidade da empregadora e, ainda, porque não caracterizado o acidente de trabalho por equiparação, mantém-se incólumes os termos da decisão a quo (de 1ª instância), eis que ausentes os elementos indispensáveis à obrigação de indenizar”.

Leia o acórdão:

ACÓRDÃO

Relator: Juiz NICANOR DE ARAÚJO LIMA

Revisor: Juiz JOÃO MARCELO BALSANELLI

Recorrentes: GISLAINE RAMOS ALVES

ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE CAMPO GRANDE

Advogados: Jamile Gadia Ribeiro Trelha e outros (da 1ª Recorrente)

Adão Lopes Moreira e outro (da 2ª Recorrente)

Recorridas: as mesmas

Origem: 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande/MS

DEPRESSÃO – EQUIPARAÇÃO À ACIDENTE DO TRABALHO – NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS CONSTANTES DO § 2º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.213/91 – AUSÊNCIA DE ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. A equiparação ao acidente de trabalho, de patologia não reconhecida como doença profissional, pelo Ministério da Previdência Social, pressupõe, conforme previsão expressa no § 2º do art. 20 da Lei nº 8.213/91, causa decorrente, e relação direta, com condições especiais de labor. Assim, no presente caso, a trabalhadora acometida de depressão não detém direito à estabilidade acidentária: primeiro, porque não demonstrou especialidade das condições de trabalho que a excepcione da rotina geral da sua profissão; segundo, porque impossível se determinar a existência de relação direta – nexo causal – entre o trabalho e a enfermidade, peculiarmente caracterizada por sofrer variável e indeterminada influência de todos os diversos fatores ligados à natureza humana – genéticos, psicológicos, educacionais, etc. –. Recurso ordinário parcialmente conhecido e nele não provido, por unanimidade.


Trata-se de recursos ordinários da autora (f. 192-200) e da ré (f. 201-205), em face da r. sentença da 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande/MS, da lavra do MM. Juiz do Trabalho, Ademar de Souza Freitas, que julgou procedentes em parte os pedidos formulados na ação trabalhista.

Ataca a autora a decisão a quo, pretendendo a declaração de sua nulidade, por cerceamento do direito de defesa, e, não sendo acolhida a argüição, a sua reforma no que pertine ao não reconhecimento da sua estabilidade e ao indeferimento de indenização por danos morais e materiais.

De outro lado, insurge-se a ré contra à condenação de pagamento de horas extras e reflexos.

Contra-razões apresentadas pela ré às f. 210-217.

Decorrido, in albis, o prazo para o autor apresentar sua contrariedade recursal.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos da Resolução Administrativa nº 54/2003.

É, em síntese, o relatório.

VOTO

1 – ADMISSIBILIDADE

Interpostos que foram, no prazo legal, e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso da ré e parcialmente do recurso da autora, não o fazendo, quanto a este último, no que pertine ao pedido de indenização por danos materiais, ante a ausência do pressuposto recursal extrínseco da regularidade formal, porque não apresentados os fundamentos da insatisfação, indispensáveis ao exercício do contraditório, conforme o princípio da dialeticidade.

Conheço, ainda, das contra-razões da ré.

2 – MÉRITO

2.1 – RECURSO DA AUTORA

2.1.1 – DO CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA

Pretende a recorrente a declaração de nulidade processual, posto que o indeferimento do pedido de realização da perícia médica (f. 169), teria lhe cerceado o direito de defesa e ocasionado o indeferimento dos seus pedidos.

Não lhe assiste razão.

Com efeito, o pedido de realização de perícia para a demonstração de doença diversa da noticiada na peça inicial se apresentou de forma inovadora à lide e, portanto, não mereceu deferimento.

Ademais, não se vislumbra qualquer prejuízo que possa decorrer do indeferimento da prova pericial, eis que o acometimento da depressão, bem como as suas supostas causas, conforme arroladas pela autora, são fatos cuja demonstração independem da prova pericial requerida.

Nego, pois, provimento ao recurso.

2.1.2 – DO DIREITO À ESTABILIDADE

Insurge-se a autora contra a decisão de primeiro grau, na parte em que esta não lhe reconheceu o direito à estabilidade acidentária.

Alega, em síntese, que:

a jurisprudência tem entendido, que após à concessão do auxílio doença, mesmo que o afastamento não tenha sido em virtude de acidente de trabalho, e a doença não seja considerada doença do trabalho, tem direito à estabilidade no emprego o empregado que adquirir doença em decorrência da prestação do serviço.

Não lhe assiste razão.

Conforme implicitamente reconhecido pela recorrente, a premissa básica a que se deve ater na análise do presente caso é a de que, não sendo a depressão uma patologia reconhecida pelo INSS como doença profissional, para que se cogite em acidente do trabalho por equiparação, e, por conseqüência, em estabilidade acidentária, se faz imprescindível a irrefutável constatação de que a doença “resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente” (art. 20, § 2º, da Lei nº 8.213/91).

Pois bem, até mesmo dos estudos referidos na decisão a quo, pode se inferir que a depressão é uma patologia peculiarmente caracterizada por não possuir causa existencial cientificamente precisa, em função da variável influência que sofre em relação à todos os diversos fatores ligados à natureza humana – genéticos, psicológicos, educacionais, etc. –.

Sendo assim, não há como se comprovar que a doença tenha sido produzida ou desencadeada por especiais condições em que o trabalho foi realizado, o que, por corolário, torna inviável a tentativa de demonstração do nexo causal – ou, da relação direta – entre a doença que acometeu a autora e o exercício das suas funções laborais.

Ademais, dos fatos arrolados pela autora, como desencadeadores da sua enfermidade, não se vislumbra qualquer especialidade de condições que legitime a utilização do critério residual para a caracterização da doença profissional (art. 20, § 2º, da Lei nº 8.213/91), eis que todos estão de acordo com os padrões normais de trabalho praticados em outros hospitais, e, portanto, dentro da rotina geral de trabalho peculiar à sua profissão.

Desta forma, não estando a depressão relacionada como doença profissional, há que ser negado o direito à estabilidade acidentária do autor, ante a impossibilidade de determinação do nexo causal entre a doença e o trabalho e, ainda, por não se vislumbrar à ocorrência de condições especiais de labor.


Nego, pois, provimento ao recurso.

2.1.3 – DO DANO MORAL

Insurge-se a autora contra a decisão de primeiro grau, na parte em que esta indeferiu seu pedido de indenização por dano moral.

Alega a autora, em síntese, que a atitude da empregadora, permitindo que o trabalho fosse realizado em condições físicas e psicológicas “anormais”, inadequadas para a sua saúde, inclusive não lhe providenciando tratamento adequado, lhe ocasionou em dano moral (depressão) passível de indenização.

Não lhe assiste razão.

Com efeito, embora se discuta a respeito da ocorrência de dano durante a vigência de contrato de trabalho, mesmo nessa seara, a eventual obrigação de indenizar decorrerá da responsabilidade extracontratual da empregadora, estando, portanto, regida pelas normas de Direito Civil, em especial, pelos arts. 927 e 186 do Novo Código Civil.

Em outras palavras, se a atividade da empregadora não se enquadra como de risco (parágrafo único, do art. 927 do CPC), a sua responsabilidade somente se referirá aos danos decorrentes da violação do seu dever geral de conduta, ou seja, a sua obrigação decorre necessariamente da prática de um ato ilícito (caput do art. 927 do CPC).

Todavia, a análise dos fatos arrolados pela recorrente, não demonstra qualquer ilicitude no comportamento da empregadora.

Observe-se, que o ambiente em que a autora estava inserida, em contato direto com pacientes psiquiátricos, é facilmente compreendido como decorrência natural do exercício da sua profissão, de forma que a manutenção desse quadro fático não significa a prática de ato ilícito da empregadora.

Da mesma forma, o trabalho em regime de sobrejornada a que esteve submetida, além de não fugir aos limites do tolerável, não pode, por si só, ser suficiente para atrair à empregadora dever maior do que o da respectiva contraprestação.

Ademais, também não há como se auferir ilicitude na conduta da ré, ao pretexto de não ter propiciado tratamento médico adequado à autora, porque se a própria recorrente declarou que, por diversas oportunidades, afastou-se do trabalho mediante apresentação de atestado médico, não é sequer razoável que, sem a demonstração cabal de culpa, se atribua à empregadora, a responsabilidade – além das obrigações legalmente impostas, inclusive, as de natureza previdenciária – pelo insucesso no resultado do tratamento médico conduzido pela própria recorrente.

A tudo isso, conforme já esclarecido no item 2.1.2., acrescente-se o fato de não ser possível a determinação precisa de nexo causal entre o trabalho e a enfermidade – leia-se, dano -, que acometeu a autora, e, ainda, a inexistência de especialidade de condições de labor, que excepcionasse a autora da rotina geral da sua profissão.

Desta forma, se não houve a prática de ato ilícito que fundamente a responsabilidade da empregadora e, ainda, porque não caracterizado o acidente de trabalho por equiparação, mantém-se incólumes os termos da decisão a quo, eis que ausentes os elementos indispensáveis à obrigação de indenizar.

Nego provimento.

2.2 – RECURSO DA RÉ

2.2.1 – DAS HORAS EXTRAS

Insurge-se a ré contra a decisão a quo, no que toca à condenação que lhe foi imposta a título de horas extras.

Alega, em resumo, que o critério levado em conta na planilha em que se baseou a sentença está equivocado; primeiro, porque não observou que a jornada anotada nos cartões de ponto se iniciava no dia 18 (dezoito) de cada mês e se encerrava no dia 17 (dezessete) do mês seguinte, o que altera os dias de trabalho e de folga, produzindo diferença a maior na totalidade das horas extras; segundo, porque não se ateve ao limite do pedido inicial, considerando-se o registro de trabalho em horário anterior e posterior aos constantes da inicial.

Assiste-lhe parcial razão.

De fato, se percebe que na planilha de f. 171-172 não se observou o

correto critério de identificação dos dias cujo trabalho sobrejornada foi levado em conta para efeito de sua remuneração, havendo, inclusive, inversão dos dias da semana. Todavia, considerando-se que a planilha apresentada pela autora foi utilizada pelo Julgador a quo apenas a título exemplificativo, e, ainda, levando-se em conta que a inversão dos dias de auferimento das horas extras pode resultar em diferença tanto a maior, quanto a menor, no saldo dessas horas, dou parcial provimento ao recurso, neste aspecto, apenas para determinar que o cálculo das horas extras deverá observar que a jornada anotada nos cartões de ponto se iniciava no dia 18 (dezoito) de cada mês e se encerrava no dia 17 (dezessete) do mês seguinte, e que o pagamento se dava na forma declarada às f. 83.

Por outro lado, a fim de se evitar, por via indireta, que a decisão a quo se caracterize como ultra petita, é de se esclarecer que as horas extras deverão ser apuradas de acordo com os registros constante dos cartões de ponto colacionados aos autos – cuja veracidade foi admitida pela autora -, porém, observando-se a limitação imposta pela peça inicial em relação aos horários de entrada e saída.

Dou, pois, parcial provimento ao recurso.

POSTO ISSO

ACORDAM os Juízes do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, à unanimidade, aprovar o relatório, conhecer parcialmente do recurso da autora, integralmente do recurso da ré e, no mérito, negar provimento ao primeiro e dar provimento parcial ao segundo, nos termos do voto do Juiz Nicanor de Araújo Lima (relator). Não participou do julgamento o Juiz André Luís Moraes de Oliveira, em virtude da convocação do Juiz João Marcelo Balsanelli. Por motivo justificado, esteve ausente o Juiz João de Deus Gomes de Souza (Presidente).

Campo Grande, 12 de agosto de 2004.

NICANOR DE ARAÚJO LIMA

Juiz Relator

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