Mal escrito e malfeito

Projeto que cria Conselho de Jornalismo é Stalinista e mal escrito

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17 de agosto de 2004, 18h34

Nem a legislação que cria a profissão de Relações Públicas e seus Conselhos Federal e Regionais, que infelizmente foi baixada em plena ditadura militar — a lei que regulamenta a profissão é assinada pelo marechal Costa e Silva e o decreto que cria os Conselhos cita em seu caput o AI-5 !!! — é tão controladora e se intromete tanto na atividade dos profissionais como o projeto de lei que cria os Conselhos de Jornalismo.

“Disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão” é o objetivo principal dos Conselhos de RP, segundo o decreto-lei 860/69. Ou seja, assegurar que só profissionais registrados nos Conselhos ocupem cargos característicos de Relações Públicas.

E só. Enquanto isso o projeto de lei de criação dos Conselhos de Jornalismo diz que sua finalidade é “orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem assim pugnar pelo direito à livre informação plural e pelo aperfeiçoamento do jornalismo”.

Ou seja: os Conselhos terão a faculdade de se meter na maneira como a profissão é exercida, além de determinar os princípios de ética da classe (não especificados, portanto a gosto de quem dirigir os Conselhos) e disciplinar a classe (seja lá o que queira dizer esse disciplinamento). Lutarão também pelo direito (de quem?) a uma coisa (não definida) chamada livre informação plural (se a informação for livre, não será provavelmente plural? Ou é o Conselho que vai dizer qual informação é livre e plural e qual não o é?).

Além desse jeitão centralista, controlador e stalinista, o projeto é tecnicamente malfeito e pessimamente escrito (talvez propositadamente, sabe-se lá…), pois mistura as funções que são características de um Conselho profissional com atividades sindicais e com preocupações de caráter associativo — além de coisas vagas e voluntaristas, como “zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista”, sem dizer como vai fazer isso.

Contém ainda “pérolas” do naipe do inciso VI do art. 3º, que afirma competir aos Conselhos Regionais “fixar tabelas de honorários válidas nas respectivas jurisdições”. Outra: o inciso II do art. 6º diz que constitui infração “exercer a profissão quando impedido de fazê-lo” (sem dizer de que forma está impedido: por exemplo, isso se aplica se o jornalista estiver amarrado a um poste?). E mais: o inciso III do mesmo artigo define como infração “solicitar ou receber de cliente qualquer favor em troca de concessões ilícitas”. Em primeiro lugar, jornalista tem cliente? Em segundo: e se o jornalista fizer concessões ilícitas sem receber favor do “cliente” em troca? Isso pode?

Mas acho que a melhor de todas está no artigo 7º, que estabelece que uma das penas aplicáveis aos jornalistas por infrações disciplinares é — acreditem — a “censura”. Claro que isso deve ser no sentido de “dar um pito”, “chamar a atenção” do infrator. Mas usar a palavra censura numa lei para jornalistas é simplesmente inacreditável.

Enfim, devido a todos esses “furos” — sem esquecer a grita generalizada contra essa idéia — tenho muita dúvida de que esse projeto, pelo menos na forma atual, venha a gozar de grande longevidade.

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