Contagem regressiva

Placar da votação de contribuição de inativos será apertado no STF

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16 de agosto de 2004, 20h48

O Supremo Tribunal Federal retoma, nesta quarta-feira (18/8), o julgamento sobre a legalidade da cobrança previdenciária dos pensionistas e servidores inativos. Caso a cobrança do desconto de 11% nas aposentadorias não passe pelo crivo dos ministros, o sistema previdenciário deve entrar em colapso segundo o governo.

No placar atual, o governo perde a partida. São dois votos contra a contribuição — dos ministros Carlos Ayres Britto e Ellen Gracie — e um a favor da cobrança, de Joaquim Barbosa.

Quem acompanha de perto os bastidores das discussões em torno dos votos dos ministros do STF acredita que o governo não deve virar o jogo e perderá. Mas há também aqueles que apostam todas as fichas numa vitória do Palácio do Planalto.

Uma afirmação é repetida à exaustão: a favor ou contra a taxação dos inativos, o placar será bem apertado, com diferença de, no máximo, dois votos. Dois ministros ouvidos pela revista Consultor Jurídico dizem que a posição do ministro Cezar Peluso, que apresenta seu voto vista na quarta-feira, deve ser fundamental para definir a questão.

A posição do ministro Eros Grau, recém-indicado ao cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é uma das mais esperadas. Quem o conhece garante que sempre atacou a contribuição dos inativos. Mas especula-se que o voto dele pode ser diferente agora.

Bastidores da reforma

Um dos votos quase certos contra a contribuição é o do ministro Marco Aurélio. Presidente do STF quando a reforma foi anunciada, ainda em janeiro de 2003, ele veio a público alertar sobre os riscos da proposta. Na ocasião, Marco Aurélio afirmou que tais propostas não se sustentariam se mexessem com o direito adquirido.

O governo tentou desqualificá-lo como voto vencido, apostou suas fichas no final do mandato do ministro e afirmou que ele seria uma voz isolada dentro do Supremo Tribunal Federal.

Ao mesmo tempo, o ministro Nelson Jobim — apoiado pela Ajufe e Anamatra — negociava com o Ministério da Previdência uma saída para a preservação de um regime especial para a magistratura, preservando-a como “carreira de estado”.

Marco Aurélio deixou a presidência do Supremo em junho de 2003. O ministro Maurício Corrêa assumiu — com Jobim como vice — e assumiu as negociações. Dias depois, Nelson Jobim teria procurado Maurício Corrêa para dizer que a partir daquele momento sairia da negociação.

O Planalto reagiu ferozmente. Em julho, o jornalista Ancelmo Gois noticiou que o então presidente do STF acumulava entre aposentadorias e salário R$ 29 mil. No mesmo período, circulou em Brasília a informação de que o governo levantava salários e aposentadorias de juízes Brasil afora.

Maurício Corrêa convocou no STF a primeira reunião com os presidentes de todos os tribunais brasileiros, que compareceram em massa. Na abertura do evento, Jobim tornou público seu descontentamento com a postura dos juízes de enfrentamento ao Executivo.

Durante o mês de julho de 2003, o então presidente do STF negociou com o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, com José Dirceu e com o próprio Lula, com quem se reuniu na véspera de uma viagem à Espanha.

Testemunhas de reunião disseram que Lula, acabrunhado, concordou que a proposta de reforma sofreria mudanças para afrouxá-la, mas que elas seriam estendidas a todos os servidores públicos, não somente aos juízes.

Com Lula viajando, o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, chamou Maurício Corrêa à sua casa onde estavam reunidos todos os líderes tentando desenrolar o nó da reforma da Previdência. Ao chegar, todos cercaram Corrêa indagando sobre as negociações com o governo.

Ele tirou do bolso um papelzinho, redigido de próprio punho pelo ministro Berzoini, onde se lia o esboço das regras da nova Previdência do setor público — eram mantidas a integralidade, a paridade e o subteto para os juízes estaduais equiparado aos dos juízes dos Tribunais Regionais Federais. Este acordo, em linhas gerais, era o mesmo que Jobim vinha negociando com o governo antes da posse de Maurício Corrêa na presidência do STF.

Da Espanha, Lula desautorizou qualquer acordo e o presidente do Supremo foi para a geladeira do Executivo. Começou uma briga que se arrastou até o início de 2004, quando Lula foi ao STF para a abertura do ano Judiciário.

Em relação à reforma, Maurício Corrêa passou os meses subseqüentes negociando diretamente com o Congresso e conseguiu a retomada do acordo desenhado na casa do deputado João Paulo.

Resolvidas as questões principais da reforma (integralidade e paridade), restavam as definições do subteto nos estados, em dois pontos: o valor e os cortes decorrentes.

Sobre o valor, ficou definido que o teto nos estados seria o mesmo dos juízes federais dos tribunais (TRFs, TRTs e TREs), ou seja, 90,25% do vencimento de um ministro do STF.

Quanto ao corte de quem ganha mais que o teto — o chamado “abate teto” — o acerto ficou em aberto, dependendo de uma complicada decisão jurídica que envolveria direito adquirido. Mas Maurício Corrêa arranjou uma saída jurídico-administrativa para apresentar a questão rapidamente à análise da Corte Suprema.

Ele próprio mandou cortar os proventos e salários de servidores e aposentados do STF que ganhavam mais que o teto definido pelos ministros do Supremo, R$ 19.115, 19 — vencimento do presidente da Corte. Assim, as medidas judiciais deveriam ser dirigidas ao Supremo, contra ato do presidente do STF.

Quatro ministros aposentados impetraram Mandado de Segurança. O relator Sepúlveda Pertence negou a liminar e o mérito da questão continua pendente. Deve aguardar o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade que questionam a reforma da Previdência.

Hora da taxação

Como se percebe, a contribuição dos inativos nunca esteve no cerne das negociações da magistratura com o Executivo. Sabia-se que dessa contribuição o governo não abriria mão.

Além disso, o passado mostrava que eram grandes as chances de ambas medidas serem derrubadas pelo STF. Assim, Maurício Corrêa e as associações de magistrados jogaram pesado na integralidade de salários, paridade e subteto.

No segundo trimestre de 2004, começa a gotejar o que se transformaria numa enxurrada de liminares nos estados suspendendo a contribuição de inativos.

O ministro Nelson Jobim assumiu a presidência do STF e, durante as férias forenses de julho, cassou 30 liminares que suspendiam a cobrança nos estados. Alguns ministros do STF e muitos desembargadores, à boca pequena, criticaram a atitude de Jobim. Entenderam que uma decisão como esta deveria ser tomada pelo pleno do Supremo.

Diz-se que a pressão sobre os ministros é pesada. Qualquer ocasião social é aproveitada para tentar convencer suas excelências. O que se colocará à prova nesta quarta-feira será a capacidade de articulação de Nelson Jobim.

Com os atuais 2X1 desfavoráveis ao governo e um gol quase certo do ministro Marco Aurélio contra a contribuição — o que faria a votação ficar 3X1 contra a taxação — as luzes estão colocadas nos ministros Cezar Peluso, cujo voto considerado importante vai ao plenário, e Eros Grau, que defendia tese contrária ao governo.

Qualquer dos resultados, uma coisa se dá por certa. O resultado será apertado e deve mostrar quanto pode o governo articular com a Corte mais poderosa do país.

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