Garantia constitucional

Perda de imóvel em alienação fiduciária não contraria Constituição

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16 de agosto de 2004, 15h36

Apesar de inovador, o instituto da Alienação Fiduciária de Bem Imóvel criado pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1.997, gera uma grande polêmica no seu principal ponto, o procedimento extrajudicial de venda do imóvel em caso de inadimplemento. Muito se discute sobre a constitucionalidade desse procedimento.

Para equacionar essa questão, devemos primeiramente entender como funciona o sistema extrajudicial para a cobrança dos valores em atraso:

1. Se o fiduciante estiver em mora estará caracterizado o inadimplemento, quando, então, ele deverá ser intimado a purgar a mora, no prazo de quinze dias. Esta intimação deverá ser pessoal ou por correspondência com aviso de recebimento. Caso o fiduciante se encontre em lugar incerto e não sabido, o Oficial certificará o fato, cabendo, então, ao Oficial competente do Registro de Imóveis promover a intimação por edital;

2. Caso o fiduciante purgue a mora, dar-se-á, automaticamente, a prorrogação do contrato. Entretanto, se não for quitada no prazo de 15 (quinze) dias, o Oficial do Registro de Imóveis certificará o fato, promovendo o registro, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome da fiduciária, à vista do pagamento, pela fiduciária, do imposto de transmissão “inter-vivos” e, se for o caso, do laudêmio;

3. Com a propriedade consolidada, o fiduciário deverá obrigatoriamente promover público leilão para alienação do imóvel (artigo 27, da Lei nº 9.514/97). Em primeira hasta, só será arrematado o bem se o lance for igual ou maior que o valor do imóvel que consta no registro do contrato que instituiu a garantia. Se isto não ocorrer, a segunda hasta será realizada nos quinze dias seguintes e o bem pode ser arrematado por qualquer preço, devendo ser restituída ao devedor a importância que ultrapassar a dívida.

4. Por força do leilão público realizado é assegurado ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive ao adquirente do imóvel, o ajuizamento de ação de reintegração de posse, que será concedida liminarmente, para desocupação voluntária, em sessenta dias, do eventual ocupante.

Analisando o texto legal, verifica-se o conflito com a interpretação dos direitos e garantias fundamentais, uma vez que o artigo 5º da Constituição Federal, entre outras coisas, veda a perda da propriedade sem o devido processo legal. É absolutamente válido o procedimento exposto, pois, seguindo o rito da lei, cumpre-se o devido processo legal. Devemos entender que em caso de inadimplemento, não há perda da propriedade. Como define a lei e os princípios basilares da alienação fiduciária, a propriedade não é do devedor, e sim do credor, eis que o não cumprimento implica na ineficácia da obrigatória cláusula contratual enumerada, no inciso V, do artigo 24, in verbis:

“V – a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária”.

Ademais, para se obter a reintegração na posse do imóvel deve-se obedecer todos os requisitos enumerados no artigo 30, da referida lei. O ponto principal para a validade do procedimento de venda extrajudicial é o cumprimento do artigo 26, e dos parágrafos 1º e 2 º, do artigo 27, da Lei nº 9.514/97. Dando-se o prazo de sessenta dias para desocupação voluntária, o devedor, tem prazo mais do que suficiente, para contestar ou recorrer de eventual incorreção do ato efetuado por parte do credor-fiduciário.

O que estamos vendo com freqüência é o fiduciante discutir outras matérias diversas da central, qual seja, a perda do direito à posse do imóvel pela mora. Qualquer discussão sobre temas diversos, quais sejam, revisão de valores, índices de correção de valores, devolução de valores pagos, taxa de juros, Tabela Price, etc., devem ser alegadas em outras ações, eis que a ação de reintegração de posse trata apenas de posse.

Apesar de questionada, não há qualquer inconstitucionalidade no procedimento extrajudicial de venda do imóvel. Mesmo porque a moeda obrigatoriamente deve ser pública, permitindo o acesso de qualquer interessado na aquisição do imóvel. A par disso, a ampla defesa está resguardada, eis que o devedor pode se defender por meios de ações próprias.

Outro ponto relevante é saber se a Lei nº 9.514/97 afronta o Código de Defesa do Consumidor (CDC), porquanto o texto do artigo 6º, VII, do CDC estaria, em tese, conflitando com a garantia do consumidor ter pleno acesso aos órgãos judiciários e administrativos para poder impedir danos que ele possa sofrer, uma vez que a alienação se dá fora do âmbito judicial, poderia se falar em ilegalidade do procedimento extrajudicial.

Ora, se não forem preenchidos com rigor os trâmites do artigo 26, da Lei nº 9.514/97, não se consolidará a propriedade em nome da fiduciária, neutralizando-se a reintegração de posse. A ação de reintegração de posse tem como escopo limitar a matéria de defesa uma vez que — repita-se — o fulcro da discussão é a posse, por ter o devedor deixado de purgar a mora.

Essa matéria discutida foi dirimida pelas Colendas 6a, 7a e 9a Câmara do Egrégio Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado, ao julgarem os agravos números 760351-00/4, 808.389-0/2 e 804503-00/0, que, por votação unânime, determinaram a reintegração liminar na posse do imóvel, nos termos do artigo 30, da Lei nº 9.514/97, in verbis:

“Preenchidos os requisitos dos artigos 26 e 27 da mencionada lei (9.514/97), de rigor era a concessão da medida prevista no art. 30, que dispõe ser assegurada ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive o adquirente do imóvel por força do público leilão de que tratam os parágrafos 1º e 2º do artigo 27, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida liminarmente, para desocupação em sessenta dias desde que comprovada, na forma do disposto no art. 26, a consolidação da propriedade em seu nome, situação esta demonstrada nos autos”.

Assim sendo, entendemos que o procedimento extrajudicial está inserido no nosso sistema legal. Tanto do ponto de vista constitucional como do Código de Defesa do Consumidor, é viável a sua utilização, pois nenhum direito ou garantia constitucional ou legal é ferido, desde que sejam rigorosamente seguidas as exigências da Lei nº. 9.514/97.

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