Dia do advogado

Advogados reclamam de proliferação de cursos jurídicos no Brasil

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11 de agosto de 2004, 11h24

“Embora a advocacia esteja enfrentando inúmeros problemas decorrentes da proliferação de escolas de Direito, da deficiente formação profissional, da ausência de atuação mais eficiente das entidades de classe, da concorrência internacional e da crise do sistema judiciário, não se pode negar que um enorme contingente de advogados tem demonstrado ultimamente grande disposição para liderar um processo tão necessário de mudança e modernização das instituições ligadas ao Direito, a caminho da maior eficiência dessas instituições e da universalização da Justiça”.

A análise é do advogado Antonio Corrêa Meyer, do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. A pedido da revista Consultor Jurídico, alguns advogados analisaram o papel da advocacia no Brasil e seu futuro. O Brasil comemora, nesta quarta-feira (11/8), o 177º aniversário da instalação dos cursos jurídicos no Brasil.

No dia 11 de agosto de 1827, Dom Pedro I promulgou a lei que criou os dois primeiros cursos superiores no país. As primeiras Faculdades de Direito do Brasil foram instaladas no Largo de São Francisco (São Paulo) e no Mosteiro de São Bento (Olinda) — mais tarde transformada em Faculdade de Direito do Recife e hoje ligada a Universidade Federal de Pernambuco.

Com a promulgação da lei, o imperador permitiu que os filhos de brasileiros e portugueses que quisessem completar o terceiro grau não precisassem deixar o Império para estudar em Coimbra (Portugal), como acontecia geralmente na época.

Segundo o presidente da OAB paulista, Luiz Flávio Borges D’Urso, “a advocacia vem sofrendo o impacto negativo com o rebaixamento do nível do ensino jurídico no Brasil, decorrente da criação de número excessivo de cursos, com o desgaste de uma Justiça lenta e morosa e da globalização, com alteração do perfil dos clientes, do ritmo de trabalho e das demandas por serviços mais especializados”.

O professor da Fundação Getúlio Vargas (RJ), Nehemias Gueiros, especializado em Direito Autoral, Show Business e CyberLaw, afirma que, atualmente, é preciso “que seja aplicado um controle maior sobre as chamadas ‘faculdades de fim de semana’, que proliferam por todo o país, despreparando os futuros advogados para o exercício da profissão e lançando um véu nebuloso sobre a beleza e o romantismo da profissão”.

O advogado Alberto Murray Neto, do escritório Paulo Roberto Murray Advogados, diz que sua preocupação atual também é com o número indiscriminado de faculdades de Direito, “formando profissionais que, muitas vezes, não têm base acadêmica suficientemente sólida para enfrentar o duro mercado de trabalho. E mesmo que a tenham, ainda assim o mercado pode não absorver toda a mão-de obra disponível”.

Papel do advogado

“O que se vê hoje, com certo desânimo, é a entrega da defesa desses interesses a advogados estrangeiros que mal conhecem o nosso país e pouco comprometimento têm com os interesses nacionais. Atuar junto a OMC, por exemplo, não é privativo de advogados anglo-saxões. Nós também somos membros dessa organização mundial, conhecemos suas regras, sua jurisprudência e sabemos falar a língua oficial deles”, reclama Meyer.

Ele diz que “o advogado cada vez mais assume um papel de liderança ente os profissionais que compõem o chamado Sistema Judiciário Brasileiro, interferindo de forma ativa e pró-ativa seja no processo legislativo, discutindo e propondo sugestões para a reforma do Judiciário e das leis processuais; seja na própria atuação do Judiciário, ao participar das gestões e negociações relativas à greve dos servidores do Judiciário, propondo soluções e ações que conduzam à solução desse angustiante problema”.

De acordo com ele, “com o apoio das entidades que representam os advogados, especialmente a OAB, os advogados lograram obter importante conquista perante o Legislativo Federal, seguida também por Assembléias Legislativas estaduais, ao formarem a ‘bancada dos advogados’ nesses órgãos legislativos”. A bancada é “destinada a defender as grandes causas da advocacia com os olhos voltados, não para o interesse individual do profissional, mas sim para o interesse maior do Estado de Direito e da Democracia”.

Meyer lembra que essa liderança da advocacia nacional está também presente na atuação do Poder Executivo, “seja na discussão e elaboração de projetos de lei, seja na atuação dos nossos negociadores e representantes diplomáticos no cenário do comércio internacional”. O advogado afirma que “nota-se hoje, com mais freqüência, a presença de advogados brasileiros especializados em comércio internacional, atuando nas grandes questões internacionais junto à Organização Mundial do Comércio, e representando os interesses de setores da economia brasileiro no contencioso internacional”.


Para D’Urso, “para sobreviver nesse mercado mais competitivo tornou-se necessário conhecer novas ferramentas, como a informática, ser criativo, atuar em vários ramos do Direito e manter um aperfeiçoamento intelectual contínuo”.

De acordo com o presidente da OAB paulista, “hoje, também, os advogados passaram a conviver com o descumprimento constitucional do múnus da advocacia, das prerrogativas profissionais e com leis que restringem suas atividades profissionais, como nos Juizados de Pequenas Causas. Em cada uma dessas frentes, a OAB SP vem atuando para reverter o quadro, com propostas de projetos de lei, como a que criminaliza a violação das prerrogativas profissionais dos advogados”.

Segundo Gueiros, “o advogado brasileiro evoluiu bastante nas três últimas décadas, a despeito da visualização ainda negativa de parte da população sobre a profissão”. Segundo ele, “é natural que o exercício de uma profissão tão diretamente ligada às instituições formais e ao governo de um país esteja também muito mais sujeita ao escrutínio popular”.

Gueiros ressalta que “a transição de um governo militar ditatorial para uma democracia plena e um estado de Direito trouxe embutidas vicissitudes que não fazem parte do dia-a-dia de outras modalidades de profissões liberais”. O professor lembra que antes o advogado estava amordaçado e cerceado em seu direito de amplo acesso a informações e processos. “Hoje, em contraposição, encontra-se numa situação de tudo poder fazer para até distorcer a verdade e manipular informações em beneficio de seus clientes ou interesses. Isto é natural da classe advocatícia, mormente em um país assolado pela desigualdade de renda, pela violência e pela urgente necessidade de acumulação de fortuna como é o Brasil contemporâneo. Os desmandos de ontem de certa forma autorizam os desmandos de hoje”, afirma.

Ele destaca o papel das instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público e as cortes de Justiça “para coibirem os excessos e mostrarem para a população que nem tudo está perdido”. Para Gueiros, é preciso avançar ainda na punição de “advogados envolvidos com o tráfico e em grandes escândalos e negociatas do mercado”. E lembra que esses tipos de atitude não são privilégio do Brasil. “Mas a diferença reside exatamente na capacidade punitiva do estado, na rigorosa apuração dos fatos e na realística aplicação de penas sem diferenciação de raça, credo ou situação econômica. Nesse particular ainda precisamos caminhar um pouco mais para ajustar as coisas”, ressalva.

De acordo com Gueiros, “de um modo geral os advogados brasileiros estão mais conscientes, mais atuantes e, principalmente, mais competitivos”. Os bacharéis que se formam todos os anos buscam, na maioria das vezes, segurança de um emprego público no Judiciário, no Ministério Público ou na Polícia.

Segundo ele, “apesar de todas as tendências e da desconfiança latente que o povo tem da profissão, destaca-se o trabalho transparente e sério que vem fazendo a OAB, tanto através de seu Conselho Federal como das seccionais estaduais, cada vez mais ampliando o contato do advogado com a base popular”.

Para Murray, as relações sociais tornaram-se mais complexas e o papel do profissional mudou. “Os profissionais do Direito foram obrigados a acompanhar a evolução social. E para tanto surgiram novos ramos de especialização no Direito que antes não existiam. Hoje, as bancas de advocacia que se propõem a dar aos seus clientes um atendimento amplo no ramo empresarial. Para tanto, devem possuir profissionais com alto grau de conhecimento em áreas como energia, meio ambiente, legislação esportiva e telefonia, por exemplo”. Murray lembra que “esse tipo de demanda por parte dos clientes não havia no passado”.

Para Luiz Felipe Santoro, do Demarest & Almeida Advogados, o advogado desempenha um papel fundamental na sociedade, “uma vez que a sociedade brasileira está cada vez mais consciente de seus direitos e brigando por eles”.

Luiz Kignel, do Pompeu, Longo, Kignel e Cipullo Advogados, afirma que as relações, não apenas entre as grandes corporações empresariais, mas também no cotidiano, se diversificaram. “Nos dias de hoje podemos fazer negócios sem sair de casa. Com um simples ‘click’ na internet você compra, vende, aluga e empresta. As relações comerciais extrapolam a região em que vivemos e passam a ser globalizadas. Portanto, o comprometimento é muito maior. Assim, o advogado tem se tornado uma personagem mais constante no cotidiano do cidadão”.

Para a advogada Naira de Assis Barbosa, do escritório Regis de Oliveira, Corigliano e Beneti Advogados, a presença do advogado é um pressuposto essencial ao acesso à Justiça. O profissional, segundo ela, “deve exercer a atividade de maneira a priorizar o interesse de seu cliente, porém sempre preservando os ditames da lei, da ética e da Justiça”.


Entretanto, “no momento atual em que vivemos, no qual se verifica uma grande distorção de valores e uma enorme injustiça social, cabe ao advogado lembrar mais uma vez que a sua responsabilidade não se resume ao mero papel da defesa de um interesse privado. Sua tarefa vai além disso. Deve, por meio de um interesse singular, almejar a um benefício a toda coletividade, seja através da busca por uma decisão justa, ou, até mesmo pelo seu poder de persuasão, influenciar na formação de opiniões que assegurem a plena justiça social”.

Futuro da advocacia

Existe uma mudança de rumo na advocacia. O advogado do ‘passado’ era mais litigante e recorria mais aos tribunais para qualquer pendência. Este não deve ser o mote da advocacia em um futuro próximo. A afirmação é feita por Kignel. Segundo ele, “os clientes têm pressa, neste mundo globalizado nem sempre se pode esperar anos por uma decisão do Poder Judiciário, mesmo que se tenha certeza da vitória”.

De acordo com Kignel, “o advogado deve estar bem mais preparado para participar de mediações, composição de conflitos, o que justifica o crescimento da arbitragem”.

Para D’Urso, “a mediação, a conciliação e a arbitragem abrem novos campos de trabalho para a advocacia. Trazem um novo conceito à prática do Direito, com ênfase no diálogo e no entendimento entre as partes, todavia há que se tornar obrigatória a presença do advogado.Pela conciliação também será possível contornar a morosidade da Justiça, matéria que não foi contemplada pela reforma do Judiciário que, embora trate de temas relevantes e oportunos, não emprestará celeridade à justiça”.

Meyer diz que o futuro da advocacia dependerá do grau de sucesso obtido na tarefa de modernização das instituições ligadas ao Direito. “Começando pelo ensino, será de fundamental importância que as autoridades públicas encarregadas da autorização e fiscalização das escolas de Direito se empenhem no trabalho de separar o joio do trigo, punindo exemplarmente aqueles que exploram essas atividades com o único intuito de lucro, e sem qualquer preocupação com o ensino e a formação profissional dos bacharéis”. Para ele, a OAB continuará a ter papel relevante nessa tarefa, “com a fiscalização e denúncia das falsas escolas de Direito e com o rigoroso Exame de Ordem”.

Da reforma do Judiciário, também depende o futuro dos advogados, segundo ele. Meyer também ressalta a importância da reforma constitucional e da reforma administrativa, com a modernização e informatização dos serviços judiciais. Para o advogado, “o acesso ao Judiciário e a eficiência na decisão das lides permitirá a maior participação do advogado na solução dos conflitos”.

Meyer lembra que é preciso, ainda, do apoio dos empresários e de setores do governo ligados às negociações internacionais, para que os interesses nacionais sejam também confiados aos advogados brasileiros.

Ele conclui que o futuro da advocacia depende também do próprio advogado. “Ele deve antes de tudo cuidar da sua formação e aperfeiçoamento profissionais. Deve zelar por sua conduta ética, consciente de que, assim agindo, estará valorizando a sua profissão”.

Gueiros lembra que o Brasil já é o terceiro país com mais advogados no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. “Esse dado poderia ser preocupante, mas encaro-o através de uma ótica positiva. Temos território e população suficientes para absorver a oferta de advogados”, diz. Ele ressalva que os advogados precisam, no entanto, estar dispostos de sair dos grandes centros urbanos para fazer carreira em cidades menores.

Para Murray, o futuro da advocacia no Brasil depende de uma série de medidas concretas que devem ser tomadas rapidamente. São elas: a reforma do Poder Judiciário e a reforma do ensino jurídico. “É inadmissível alguém que busca por justiça em nosso país aguarde cerca de oito anos para ter uma sentença transitada em julgado”, ressalta. Ele também afirma que é preciso “impedir a proliferação indiscriminada de faculdades caça-níqueis, espalhadas por aí, que não dão a ninguém condições de exercer a advocacia”.

Naira concorda que o futuro da advocacia esbarrará na crise do ensino jurídico. “O sucateamento dos cursos de Direito poderá influenciar no tipo de profissional que será formado, já que muitas faculdades, com o interesse exclusivamente econômico, não estão preocupadas com a formação humana do advogado, formação esta indispensável ao exercício da função social deste profissional. Como conseqüência, teremos profissionais não apenas despreparados tecnicamente, mas também totalmente desvinculados com o papel do advogado perante toda a coletividade, o que acaba por desvirtuar a função que lhe foi atribuída pela Constituição Federal”, ressalta.

Para a advogada, outra questão que certamente influenciará na atividade da advocacia é a morosidade da Justiça. “A função do advogado está diretamente relacionada com a efetividade do Poder Judiciário. Sem a devida tutela jurisdicional, a atividade do advogado perde o seu papel e o alcance da Justiça torna-se mais árduo”. Segundo ela, “se não houver uma reforma que garanta maior efetividade na prestação jurisdicional, a tendência será a busca pela composição, devendo o advogado priorizar seu perfil de conciliador”.

De acordo com Santoro, o futuro da advocacia depende de uma maior especialização dos profissionais nos respectivos ramos em que atuam. “Não podemos nos esquecer também que o mercado brasileiro provavelmente receberá a instalação de unidades das grandes bancas internacionais, num processo que já se iniciou e no qual a OAB terá um papel fundamental na estipulação de regras para coordená-lo”.

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