Ponte frágil

Omissão obriga União a indenizar motorista que sofreu acidente

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1 de agosto de 2004, 11h00

O Poder Público é responsável pelos acidentes ocasionados em estradas mal cuidadas. E deve indenizar os prejuízos decorrentes de sua omissão. Foi o que entendeu a Justiça de Santa Catarina, que mandou a União pagar R$ 20 mil de indenização por danos morais a Tatiana Leonor José Fernandes. Ela sofreu um acidente de trânsito por causa da queda de uma ponte na BR 101, no sul de Santa Catarina. A ponte ficava sobre o Rio Urussanga, entre os municípios de Sangão e Içara, no km 368 da rodovia.

A decisão foi tomada na quarta-feira (28/7) pelo juiz Alexsander Fernandes Mendes, da Vara Federal de Tubarão. O magistrado entendeu que o acidente foi provocado por falhas na manutenção da ponte, que já vinha apresentando sinais de desgaste desde 1988. Ainda cabe recurso.

O juiz afirmou: “Não tenho dúvidas, por tudo isso, de que o acidente que ocasionou os danos relacionados na petição inicial teve como causa omissão culpável da Administração Pública, sendo lídimo o direito da autora em ser ressarcida pelo prejuízo. Dissociadas da realidade dos autos, portanto, as alegações de culpa exclusiva da vítima e ausência de prova da culpa do Poder Público tecidas pela União em sua peça de defesa”.

Caso concreto

Consta do processo que o acidente aconteceu em 17 de fevereiro de 1999. Tatiana trafegava pela rodovia com destino a Criciúma, dirigindo seu Corsa Wind, A estrutura da ponte cedeu, fazendo aparecer à sua frente uma barreira de concreto, na qual bateu.

Além da indenização, a sentença obriga a União a cobrir as despesas que Tatiana teve por causa do acidente, no valor de R$ 513,73. O governo terá de cobrir também futuras despesas que a motorista possa ter, desde que relacionadas ao fato, como gastos como medicamentos, sessões de psicoterapia e eventual cirurgia estética reparadora.

Segundo a Justiça Federal de Santa Catarina, o mesmo acidente provocou a morte do caminhoneiro Sebastião Victorio Antunes, pela qual o juiz Alexsander Mendes condenou a União, em novembro de 2002, a pagar indenização e pensão à família do motorista. Em junho deste ano, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a condenação.

Leia a sentença:

Processo : 2001.72.07.001357-2

Classe: 1000

Autor: Tatiana Leonor José Fernandes

Réus: União Federal e Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER

Sentença

Vistos etc.

Tatiana Leonor José Fernandes ajuizou ação ordinária contra a União Federal objetivando o ressarcimento dos danos materiais – no valor de R$ 5.486,54, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros legais – e morais – no montante de R$ 100.000,00, ou, alternativamente, outro a ser arbitrado – decorrentes de acidente automobilístico causado pela queda da ponte sobre o Rio Urussanga, situada no Km 368 da BR-101.

Informou que dirigia seu veículo Corsa Wind, placa BFW 9147, com destino a Criciúma/SC, quando a estrutura da ponte sobre o Rio Urussanga cedeu, fazendo surgir à sua frente uma barreira de concreto na qual colidiu violentamente.

Sustentou que, nos termos do artigo 37, §6º da CF, o Estado possui responsabilidade objetiva pela reparação dos danos oriundos desse acidente, porquanto a causa do evento foi sua omissão na avaliação periódica e na manutenção da estrutura da ponte.

Valorou a causa em R$ 107.646,54, juntou procuração e documentos (fls. 24/85).

Deferida a gratuidade da justiça (fl. 89).

Citada, a União Federal apresentou contestação, argüindo, em preliminar, sua ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, defendeu a existência de culpa da vítima e ausência de prova da culpa do Poder Público pelo evento, o que exclui o direito à indenização, eis que a responsabilidade do Estado por atos omissivos, segundo a jurisprudência, é subjetiva.

Em relação aos danos materiais, salientou que:

– a autora não mencionou na petição inicial que recebeu R$ 1.522,03 referente a reembolso do DPVAT;

– as despesas médicas foram custeadas por Plano de Saúde, e não pela autora;

– no que tange à cirurgia estética a autora juntou mero orçamento, insuficiente para comprovar sua efetiva realização;

– não há menção de que as sessões psicoterápicas tenham relação com o acidente ocorrido;

– não há conexão entre os comprovantes de gastos com combustíveis e o acidente narrado;

– não há referência de que os medicamentos apontados nas notas juntadas tenham ligação com o acidente;

– o veículo em que foram feitas os reparos cujas notas a autora juntou – placa CCX 5067 – não é o danificado no sinistro – placa BFW 9147;

– no tocante ao tratamento com o medicamento Parlodel, não há qualquer comprovação de que é necessário em vista do acidente, nem que deverá ser diariamente tomado durante os dois anos de duração do tratamento apontado no atestado da fl. 76;


– é indevida a inclusão de juros moratórios e correção monetária sobre despesas que a autora estima para o futuro;

Qualificando as alegações da inicial como “artimanhas”, pediu que a autora fosse considerada litigante de má-fé e condenada às cominações do art. 17 do CPC.

Por fim, no pertinente aos danos morais, suscitou sua inocorrência, bem assim o excesso do valor pleiteado a esse título.

Réplica (fls. 121/141). Sobre os fatos, alegados na contestação, relacionados aos danos materiais, obtemperou que o plano de previdência que possuía só cobria 50% das despesas médicas, que são todas decorrentes do sinistro. Em relação à cirurgia estética, confirmou que, embora ainda não a tenha realizado, é imprescindível para minimizar as deformidades estéticas que o acidente lhe causou. Por fim, quanto ao veículo, disse que as despesas foram destinadas a garantir condições mínimas de funcionamento ao novo automóvel que adquiriu em virtude da perda total do anterior no evento narrado.

Determinou-se a autora que promovesse a integração do DNER, ao lado da União Federal, no pólo passivo da demanda (fl. 149).

O DNER apresentou contestação, onde postulou, em preliminar, a denunciação à lide da empresa SETEP. De resto, limitou-se a reafirmar os fatos e fundamentos invocados pela União Federal em sua resposta (fls. 156/169).

Rejeitada a denunciação da lide (fls. 184/185).

O delegado de polícia de Sangão/SC encaminhou cópia do inquérito policial instaurado para a apuração dos fatos alegados na inicial (fls. 189/307).

A União requereu a utilização de prova emprestada (fls. 337/341), o que foi indeferido, sendo designada audiência para a colheita de prova oral (fls. 342/343). Juntou cópia do processo administrativo de apuração das responsabilidades funcionais pelo desabamento da ponte (fls. 346/668).

Em audiência, foi manifestado pelas rés o desinteresse na oitiva da autora (fl. 673). A testemunha arrolada pela União foi inquirida mediante carta precatória (fls. 678/679).

Apresentadas as alegações finais pelas partes, vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

Passo a decidir.

PRELIMINARES

A legitimidade ad causam da União Federal e do DNER para figurarem, como litisconsortes necessários, no pólo passivo da demanda foram realçadas pela decisão da folha 149.

O pedido de denunciação da lide à empresa SETEP – Topografia e Construções Ltda, por sua vez, restou rejeitado na decisão de fls. 185/186.

Insubsistentes, portanto, as preliminares aventadas pela UNIÃO FEDERAL e pelo DNER.

MÉRITO

Do dever de indenizar

A autora pretende ser indenizada pelos danos oriundos de acidente automobilístico que, segundo aduz, foi causado pela omissão da União na avaliação periódica e na manutenção da estrutura da ponte sobre o Rio Urussanga, que, no momento em que trafegava por cima de seu leito, veio a ruir.

A doutrina e a jurisprudência mais recente vem entendendo que a responsabilidade extracontratual do Estado – que emerge do preceito esculpido no artigo 37, § 6º da Constituição Federal – nos casos em que os danos não são causados por atos comissivos do agentes estatais, mas, sim, por deficiência nos serviços, cuja prestação o legislador atribuiu precipuamente à Administração Pública, é de ordem subjetiva.

Trata-se da aplicação da doutrina civilista francesa faute du service.

O dever de indenizar, nesses casos, é qualificado como subjetivo porque o ente estatal só será responsabilizado quando estiver legalmente obrigado a impedir o comportamento danoso ou evitar o resultado, ou seja, quando o prejuízo ao administrado decorrer de negligência ou imprudência imputável causalmente ao Estado.

Celso Antônio nos brinda com lapidar lição:

“Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo. Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por ilícito é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.”


A responsabilização do Estado com base na teoria da falta de serviço vem sendo largamente aplicada pelos nossos Tribunais, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal. A propósito:

Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses. IV. – Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service. (RE 179.147-1, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 27-2-98, p. 18)

RESPONSABILIDADE CIVIL – ESTADO – MORTE DE POLICIAL MILITAR – ATO OMISSIVO VERSUS ATO COMISSIVO. Se de um lado, em se tratando de ato omissivo do Estado, deve o prejudicado demonstrar a culpa ou o dolo, de outro, versando a controvérsia sobre ato comissivo – liberação, via laudo médico, do servidor militar, para feitura de curso e prestação de serviços – incide a responsabilidade objetiva. (RE 140.270, rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 18-10-96, p. 39589)

O ex-ministro Temístocles Cavalcanti, em voto proferido no RE 61.387, nos traz casuística semelhante a ora enfrentada:

“É assim que são mencionados casos de responsabilidade, ou por não se ter evitado um perigo por meio de obras necessárias, como a construção de um parapeito na estrada; de não se ter impedido a circulação em um trecho perigoso de não se ter retirado obstáculo em um rio canalizado etc. ou por omissão material, por falta de sinalização, de abandono de trecho de estrada, abertura de trincheira em uma estrada etc.”

Para esta teoria, caberá sempre à vítima provar que da “falta do serviço” decorre diretamente seu dano (STF, RE 369.820, Rel. Min. Carlos Velloso, noticiado no Informativo de Jurisprudência nº 329).

A colisão do veículo da autora contra a ponte que liga os municípios de Sangão e Içara, em Santa Catarina, devido ao seu rompimento de sua estrutura de concreto no momento da travessia, é inconteste nos autos.

De qualquer forma, os recortes de jornais, fotos, boletim de ocorrência, certificado de registro e licenciamento de veículo acostados à inicial demonstram cabalmente que o automóvel GM/CORSA WIND – placas BFW9147/SP – de propriedade da autora restou extremamente avariado em virtude de sua colisão com a ponte sobre o Rio Urussanga.

A atitude culposa da União Federal e do DNER em relação à queda da ponte em questão, pressuposto para que tenha trânsito o dever de indenizar na espécie, já restou por mim analisada quando do julgamento da AÇÃO ORDINÁRIA Nº 99.4005675-3/SC que tramitou perante este juízo – na qual os dependentes do motorista de caminhão Sebastião Victorio Antunes requereram a reparação dos danos causados pelo seu óbito ocorrido no fatídico evento narrado na exordial.

Naquela decisão, deixei assentado que:

“Após a concretização do evento danoso, o DNER realizou vistoria no local, concluindo pelas causas prováveis do acidente:

“A causa provável do acidente é sem dúvida a perda de protensão ao longo do tempo. Esta perda de protensão excessiva se deve principalmente ao fenômeno de relaxação do aço de protensão aliado ao fato de que a tecnologia da época e a técnica do sistema de pretensão adotado para a obra não permitia um controle e eficaz das tensões nos cabos.

Com a ocorrência da perda de protensão ao longo do tempo haveria a transferência das solicitações para o aço comum, com o aparecimento de fissuras tanto de flexão quanto de cisalhamento, sem que o aço de protensão trabalhasse como aço comum pois este não tem aderência.

A transferência das solicitações para o aço comum, sem que este fosse suficiente para resistir a estas solicitações produziu uma deformação excessiva por flexão e conseqüentemente uma ruptura brusca pro cisalhamento.” (fl. 88).

Em vistoria realizada em 12-5-88 foi verificada deteriorações na estrutura da ponte:

“Pilar central com armadura oxidada e conseqüente desagregação do concreto.

Vigas principais em concreto protendido, apresenta fissura e desagregação do concreto em pontos localizados, laje inferior das vigas tipo caixão com armadura oxidada.” (fl. 84)

Conclui a vistoria pela necessidade de reparos em alguns guarda-corpos.

Em nova vistoria realizada em 20-7-94 concluiu-se:

“Fissuras inclinadas nas proximidades dos apoios em ambas as vigas principais, bem como no seu balanço. Alguns pontos localizados das vigas principais, existem ferragens aparente e início de desagregação em virtude da oxidação desta ferrugem.

Pista= a obra apresenta 2 por cento de inclinação transversal.” (fl. 85)

Na última vistoria, realizada antes do acidente, novamente se constatou a existência de falhas na estrutura da construção:

“Ferrugem exposta e falhas de concretagem, também nas travessas superiores em pontos localizados.

Fissuras inclinadas, tendo nos vãos como nos balanços, próximos dos pilares.

Falhas de concretagem e ferrugem expostas em pontos localizados.”

Desta vez, mesmo evidenciada a deterioração, não foi determinado qualquer reparo.

O laudo do próprio DNER, como visto, é confissão do ato culposo perpetrado pela autarquia, porquanto não há necessidade de ser expert em engenharia civil para se concluir que a ponte apresentava problemas oferecendo, pois, perigo para os que nela trafegavam.

Outrossim, extrai-se dos depoimentos prestados por Policiais Rodoviários que, horas antes do acidente, a ponte já apresenta um desnível na cabeceira.

O Policial Rodoviário Lauro Silveira Filho esclareceu: “recebeu um comunicado pelo rádio através da Patrulha que encontrava-se no trecho, próximo ao município de Sangão, cujo patrulheiro os informava que havia recebido uma denúncia de que a ponte sobre o Rio Urussanga estava com um desnível na cabeceira; que a patrulha foi até o local e constatou o desnível sendo que comunicou imediatamente o posto onde encontrava-se o declarante, que imediatamente o declarante e o delegado procuraram entrar em contato com o DNER a fim de noticiar o problema; que em virtude do feriado, sendo que naquele dia o expediente do escritório só começava às 14:00 hs, mas que devido as circunstâncias se empenharam de todas as formas para conseguir em contato com o engenheiro do DNER, sendo que o mesmo estava de férias e encontrava-se no Morro dos Conventos e sem telefone, que aproximadamente 11:00 hs foi que conseguiram entrar em contato com o irmão do engenheiro, o qual ficou encarregado de comunicá-lo; que por volta das 11:15 hs o engenheiro ligou para o posto sendo que deixou claro que viria em seguida, após o almoço; que o declarante juntamente com o Delegado após receber a informação da patrulha também foram até o local e constataram trincas na ponte, sendo então que providenciaram para que os postos de Araranguá e Tubarão suspendessem todo o trânsito de veículo pesado que se direcionasse até a ponte; que nesta passagem até o local da ponte o declarante e seu companheiro foram até em baixo da ponte e constataram a rachadura.” (fl. 73, grifei).

Não destoa o depoimento prestado pelo Patrulheiro Rodoviário Claudemir Borges: “percebeu que havia um desnível e já entraram em contato com o posto; e ainda solicitaram para que entrassem em contato com o engenheiro do DNER, quando então o chefe do declarante ainda relatou que o DNER, estava fechado em virtude do feriado e que somente voltariam as atividades às 14:00; que passado alguns 15 a 20 minutos recebeu um telefonema, pelo 1527 de um usuário o qual alertava sobre o estado da ponte, que relatava que havia ido a Tubarão e tendo retornado a Criciúma, quando do retorno o mesmo observou que havia saliência na ponte, a qual não existia quando da sua ida a Tubarão. (fl. 74)

Ricardo Correia Meller constatou: “por volta das 10:00 ao passar pela ponte percebeu desnível na cabeceira da ponte, que percebeu que os veículos que ali passavam não apresentavam dificuldade no transpor a cabeceira da ponte, mesmo assim percebendo que aquilo não era normal entrou em contato com o policial Levi (…). Foi até embaixo da ponte e observou uma trinca numa das vigas, então entrou em contato novamente com o posto e solicitou urgência na inspeção, pois não sabia se aquilo era grave ou não.” (fl. 75)

Ora, é inconcebível que uma entidade governamental – responsável pelo manutenimento de rodovias por onde trafegam milhares de pessoas – não possua um serviço para atendimento de emergências, tal qual a relatada nos autos.

Com efeito, segundo os depoimentos colacionados, por volta das 10:00 horas da manhã, o desnível da ponte já era perceptível. Assim, e tendo em conta que o acidente que ceifou a vida do pai e marido dos autores perpetrou-se por volta de 12:45, houve tempo mais do que suficiente para que – se houvesse um serviço com o mínimo de eficiência – a fatalidade fosse evitada.

Por seu turno, o engenheiro responsável pelo trecho da rodovia em que se localizava a ponte afirmou que as inspeções eram anuais (fl. 78).

Instado a se manifestar sobre as prováveis causas da queda informou: “que segundo nos relata a causa principal que provocou a queda da ponte foi, uma queda de, digo perda de protensão com a ruptura brusca, ocasionado por causas variáveis podendo inclusive ter sido um excesso de carga não detectado; que esta ponte é classe 36, e qual estava apta a receber todo veículo de cargas, desde que estes limites fossem bem distribuídos nos respectivos veículos.” (fl. 78-v).

O engenheiro, ao mesmo tempo em que aduz que o motivo provável da queda tenha sido o excesso de peso, esclarece que a ponte era da classe 36 e, portanto, estava sujeita a qualquer limite de carga.

Em depoimento prestado em Juízo aduz: “que em tese a classe 45 é mais segura, porém a classe 36 é suficiente para suportar o peso das cargas; que a partir da modificação das regras da ABNT não há determinação para que as pontes anteriores sejam enquadradas nos novos parâmetros.” (fl. 529)

Parece-me evidente que no caso em tela não poderia ter sido o excesso de peso o ocasionador da ruptura da ponte. Isto porque o Mercedes Benz conduzido pela vítima do desastre trafegava vazio no momento da queda, bem como os outros quatro veículos que estavam sob a ponte eram automóveis de pequeno porte (dois Corsas Wind, um Monza e um Pólo).

Ora, restou evidenciado que o acidente que vitimou Sebastião Victorio Antunes foi ocasionado por danos na estrutura da ponte sobre a qual passa o rio Urussanga.

A estrutura já apresentava sinais de desgaste desde 1988. Como se não bastasse, momentos antes do acidente a construção mostrou sinais evidentes de anormalidade, sendo tal estado aferido até mesmo pelos transeuntes que passavam pelo local.

Contudo, o acidente ocorreu em uma quarta-feira (de cinzas como conhecida na cultura Católico-Romana), logo após o carnaval, em que o expediente do DNER começaria somente a partir das 14 horas. O engenheiro da autarquia – que estava de férias – informando acerca do ocorrido, pontificou que compareceria ao local somente após o almoço.

Vê-se, portanto, que o acidente foi provocado por falhas na manutenção, ocasionada pela omissão do Poder Público em efetuar qualquer reparo na obra, bem assim pela falta de pronta assistência quando do início da ruptura da estrutura.

Ademais, o próprio engenheiro afirma em seu depoimento que nas vistorias não era verificada a estrutura da ponte: “que, embora as vistorias de rotina – responsáveis pela limpeza e manutenção da ponte – sejam efetuadas de, mais ou menos, quatro a cinco vezes por ano, não é verificada a estrutura da ponte.” (fl. 529)

O engenheiro José Luiz Cardoso, que prestava serviço ao DNER, afirmou: “há aproximadamente um ano e meio antes do acidente, o depoente esteve no local pra uma visita, tendo em vista o processo licitatório em curso para duplicação de um determinado trecho, no qual estava incluído a ponte onde ocorreu o acidente: que, naquela ocasião, o depoente pode visualizar algumas fissuras na estrutura da ponte, fissuras estas existentes, em razão de passagem de cargas excessivas e eventuais perdas de protensão no local.” (fl. 505).

Urge ver – corroborado por literatura específica – que no concreto protendido as armaduras são colocadas sob tensão no afã de que se consiga aproveitar a alta resistência dos aços de protensão.

Não há necessidade, pois, de grandes elucubrações para restar claro que – em que pesem suas vantagens – este tipo de concretagem exige rigoroso controle de manutenção.

Portanto, o acidente teve origem na má conservação da ponte, construída pelo DNER, o qual, aliás, teve conhecimento de avarias no trecho e, ainda assim, não prestou a assistência que era de se esperar.”


As considerações se aplicam na íntegra ao caso em epígrafe, eis que o fato gerador do direito à indenização pretendida nestes autos é o mesmo, estando a autora envolvida no acidente que vitimou o caminhoneiro Sebastião Victorio Antunes. A fotografia e a reportagem publicada no Diário Catarinense de 18/02/1999 não deixa qualquer dúvida em relação a isso (fl. 25).

A atribuição do evento à atitude negligente do DNER foi ratificada pelo TRF da 4ª Região ao julgar a apelação cível movida contra a decisão transcrita – AC 2003.04.01.035726-0, Rel. Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, publicado no DJ de 03/03/2004.

O acórdão, no que interessa, restou assim ementado:

CIVIL. RESPONSABILIDADE. RESSARCIMENTO DE DANO. ACIDENTE DE VEÍCULO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. JUROS MORATÓRIOS. SUCUMBÊNCIA. 1 Cabe ao DNER a administração, guarda, sinalização, policiamento e demais atos inerentes ao poder de polícia de trânsito e de tráfego nas rodovias federais. 2. Demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável a administração e o dano, exsurge para o Estado o dever de indenizar o particular, mediante o restabelecimento do patrimônio lesado por meio de compensação pecuniária compatível com o prejuízo (art. 37, § 6º da Constituição Federal).

A “falta do serviço” evidencia-se ainda mais diante do que foi exarado no Relatório Final da comissão de sindicância instaurada no âmbito do próprio DNER, onde os sindicantes reconheceram a negligência da autarquia, que, mesmo sabendo que a ponte “(…) ensejava deficiências quando de sua execução, em função da já levantada falta de controle das tensões de protensão (…)” (fl. 649) não tomou qualquer providência para evitar que viesse a ruir.

Por esclarecedor quanto a esse ponto, merece transcrição o seguinte trecho do relatório (fl. 649):

“(…) apesar de o projeto da ponte sinistrada ser legal (ou estar dentro das normas, conforme afirma o Engenheiro do DNER Eduardo Calheiros de Araújo às fls. 136) para a época, seria lógico para esta comissão que o que foi executado deveria ter recebido um reforço estrutural, em função dos problemas que foram apresentados no correr do tempo com as pontes de projetos similares (que possuíam a mesma concepção técnica). No mínimo, cuidados especiais deveriam ter sido tomados a nível institucional.”

Não tenho duvidas, por tudo isso, de que o acidente que ocasionou os danos relacionados na petição inicial teve como causa omissão culpável da Administração Pública, sendo lídimo o direito da autora em ser ressarcida pelo prejuízo.

Dissociadas da realidade dos autos, portanto, as alegações de culpa exclusiva da vítima e ausência de prova da culpa do Poder Público tecidas pela União em sua peça de defesa.

Para ilustrar o decisum, trago à colação precedentes semelhantes enfrentados por outros tribunais pátrios:

Do TRF da 1ª Região:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE COM VEÍCULO EM RODOVIA FEDERAL. PONTE QUE CAI NO RIO. QUEDA QUANDO DA PASSAGEM DE CAMINHÃO CARREGADO. ESTRUTURA DE SUSTENTAÇÃO DA PONTE APODRECIDA. 1. O Juízo a quo não tem que decidir sobre denunciação da lide que não foi feita. 2. Trafegava o autor em caminhão carregado de toras na BR 421, com destino a Ariquenes (RO), quando percorrendo cerca de 8,0 metros o pilar de sustentação do lado esquerdo inicial da ponte se rompeu, provocando o tombamento do veículo no rio. 3. O laudo pericial concluiu que a força das águas e o apodrecimento da estrutura de sustentação da ponte foi a causa do acidente. 4. O laudo da Secretaria de Segurança do Estado de Rondônia indica que os danos ao veículo foi o “quebramento total da carroceria, emperramento do chassi, distribuição semi-total da cabina, quebramento da caixa de marcha e caixa do diferencial e suporte de bateria e entrada de água no motor”. 5. O condutor do veículo acidentado não concorreu para o sinistro, não existindo causa de exclusão de responsabilidade do DNER. 6. O acidente não foi causado por imprudência do motorista, mas pela má conservação da ponte, construída pelo DNER, que deveria suportar 36 toneladas, e que desabou com aproximadamente 15 (quinze) toneladas, considerando a carga e o caminhão. (TRF1, AC 1000034200, rel. Juiz Mário César Ribeiro, DJU de 25/06/1999, p. 536)

No mesmo diapasão reiteradas decisões são colhidas na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

Provado que acidente de trânsito é conseqüência de defeito na estrutura de ponte em rodovia municipal, deve o Município ressarcir os danos dele resultantes. (AC 1998.014900-2, rel. Desembargador Newton Trisotto)

Comprovado o dano sofrido pelo particular e o nexo de causalidade entre o dano e a omissão da Administração Municipal, seja pela inexistência de placa indicativa da capacidade de carga da ponte, seja pela má conservação da obra, resta-lhe a obrigação de indenizar os prejuízos sofridos pelo administrado. (AC 97.012488-0, rel. Desembargador Francisco Borges)


Eis ainda: AC 18.759, rel. Des. Hélio Mosimann, in JC, vol. 39/155 e AC 40.498, rel. Des. João Martins, 19.04.1994.

Do próprio TRF da 4ª Região, extrai-se:

ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ÓBITO DA GENITORA DOS DEMANDANTES. AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÃO QUANTO AOS RISCOS EFETIVOS DA RODOVIA. RESPONSABILIDADE DO DNER. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. TEORIA DA CULPA ADMINISTRATIVA. APLICABILIDADE. 1. Aplica-se a teoria da culpa administrativa quando há omissão ou falha por parte do estado na prestação de um serviço público. 2. O atropelamento de um animal, que fez o veículo em que viajava a genitora dos autores cair em uma vala cheia de água, causando o falecimento dela, deveu-se à falta de sinalização quanto ao trânsito comum de animais na área e à falta de defensas na estrada, caracterizando a culpa do DNER pelo evento em face da falta do serviço. 3. O dano moral imposto a três crianças de cinco, dez e treze anos em decorrência da perda da mãe que lhes dava sustento e carinho é presumido, dispensando demonstração. 4. Os danos materiais foram demonstrados nos autos. 5. Comprovados os danos, a responsabilidade do poder público, em razão da falta do serviço, e a relação de causa e efeito entre ambos, inexistindo culpa da vítima, resta caracterizado o dever indenizatório do estado. 6. Decisão que não viola os dispositivos legais e constitucionais prequestionados pela parte. 7. Apelação e remessa oficial improvidas. (AC nº 200104010848439/RS, Rel. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia, DJ de 05/02/2003, p. 294)

Na doutrina, Rui Stoco, obra obtempera:

“Uma ponte mal conservada pode trazer gravíssimas conseqüências aos usuários, razão pela qual exige vigilância e manutenção constantes. Ora, aqueles que utilizam são obrigados a pagar imposto estadual denominado IPVA – Impostos sobre a Propriedade de Veículos Automotores -, para que possam circular com seus veículos, e o “pedágio”, para que possam utilizar as rodovias estaduais. Desse modo, nada justifica que as vias de trânsito, acesso e seus complementares (pontes, túneis, viadutos, alças de ligação, acessos etc.) desmereçam cuidados e se mostrem deteriorados, mal conservados e com defeitos. Trata-se de comportamento omissivo grave da Administração que, em caso de dano pelo fato da coisa, conduz à responsabilização do Poder Público. Também aqui a hipótese é de culpa anônima da Administração.”

Ademais, cumpre ressaltar que o evento não era imprevisível, tanto que a ponte já dava sinais de desgaste desde 1988 e, momentos antes do acidente, apresentava visíveis sinais de anormalidade. Outrossim, a perda de protensão dos cabos não se trata de medida de força maior, sendo, inclusive, tida por normal pela engenharia civil, consoante adverte Jayme Mason:

“As forças de protensão aplicadas aos cabos estão sujeitas a perdas instantâneas ou ao longo do tempo, determinadas por fatores diversos. Estes fatores estão ligados à forma de aplicação da força de protensão e ao comportamento do concreto no decorrer do tempo.”

Mais adiante:

“A determinação das perdas e quedas de protensão torna-se necessária, de modo a podermos avaliar a situação da peça protendida, após a ocorrência das mesmas. O seu efeito poderá modificar substancialmente o quadro de tensões, calculadas sem levá-las em conta.”

Com o desgaste e infiltração da ponte, os cabos de aço perderam sua força de protensão (processo pelo qual se aplicam tensões prévias ao concreto), havendo, assim, a fissura inicial e o conseqüente e previsível , como visto, desabamento. Tudo, sem dúvida, por culpa cristalina das rés.

Diante da demonstração da negligência do Estado em relação à prestação do serviço público, bem como do nexo e causalidade direto para com os danos experimentados pela parte autora, impossível à União escapar ao dever de indenizar os prejuízos decorrentes do evento – artigo 927 do CC.

Dos danos

O ato ilícito – entendido como aquele que, embora inexistente a vontade qualificada do agente gera efeitos no campo do direito – que causar danos a terceiros deve ser reparado em sua integralidade – art. 927 do CC.

O valor da indenização é medido pela extensão do dano – artigo 944 do CC.

É que “indenizar significa ressarcir o prejuízo, ou seja, tornar indene a vítima, cobrindo todo o dano por ela experimentado”. As “perdas e danos”, por isso, abrangem além do dano emergente – o que a vítima efetivamente perdeu – os lucros cessantes – aquilo que razoavelmente deixou de ganhar –, além do dano exclusivamente moral – dano sem qualquer repercussão patrimonial.

Nesse sentido o entendimento consubstanciado na Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça:


“São cumuláveis as indenizações por dano material e moral, oriundos do mesmo fato”

No entanto, para que se exija do devedor a reparação de qualquer dano, sua existência deve ser suficientemente comprovada nos autos, sob pena de evidenciar-se o enriquecimento sem causa do requerente.

Em verdade, a prova do dano constitui pressuposto inarredável da obrigação oriunda da responsabilidade civil.

Segundo AGUIAR DIAS “não basta, todavia, que o autor mostre que o fato de que se queixa, na ação, seja capaz de produzir dano, seja de natureza prejudicial. É preciso que prove o dano concreto, assim entendida a realidade do dano que experimentou, relegando para a liquidação a avaliação de seu montante”

Isso porque “as perdas e danos constituem matéria de prova, inclusive envolvendo assessoria técnica consubstanciada em sede pericial, não bastando meras alegações. Claro que as circunstâncias podem até indicar, como indícios, que tenha ocorrido possíveis prejuízos. Mas isso não basta. Para que subsista a obrigação indenizatória há que existir o dano comprovado, que constitui condição essencial para aquela”.

Ademais, para ser indenizável, o dano, além de comprovado, há que advir diretamente do ato lesivo causalmente imputado ao réu, sendo irreparáveis os chamados danos remotos ou indiretos.

Neste esteira a jurisprudência:

Somente danos diretos e efetivos, por efeito imediato do ato culposo, encontram no Código Civil suporte de ressarcimento. Se dano não houver, falta matéria para a indenização. (TJSP, RT 575/133)

A autora pleiteia que lhe sejam reparados, à título de danos materiais, os seguintes dispêndios:

– despesas médicas no valor de R$ 847,08;

– gastos com combustível no valor de R$ 113,00;

– gastos com farmácia no valor de R$ 212,77;

– despesas com o conserto do veículo no valor de R$ 1.475,60;

– outras despesas no valor de R$ 140,27;

– custo do tratamento com o medicamento PARLODEL SRO 2,5mg por 2 anos, num total de R$ 1.467,30;

Analisando os documentos acostados à inicial, entendo que o montante requerido extravasa o limite dos danos efetivamente suportados pela autora.

Como beneficiária de plano de saúde, verifica-se que a autora arcou com apenas R$ 260,96 do total do gasto médico (fls. 38/59). Como o valor restante foi despendido pela empresa patrocinadora, não há legitimidade para que seu ressarcimento seja determinado nestes autos. Deve-se acrescer, contudo, o valor de R$ 40,00 gasto com uma sessão psicoterápica, conforme o recibo da folha 60. Também os gastos com medicamentos, no valor de R$ 212,77, encontram-se demonstrados nas notas ficais de fls. 65/66.

Embora a prova apresentada não seja cabal com relação a esses gastos, além de não contrariarem a lógica normal dos fatos, há indícios suficientes a autorizar a conclusão de que as consultas, demais tratamentos médicos e gastos com medicamentos originaram-se das lesões sofridas no acidente automobilístico – documentos de fls. 78/63.

De qualquer forma, embora conteste seu pagamento, a União não apresenta qualquer argumentação relevante que desmereça as alegações da autora.

O contrário ocorre com os gastos com combustíveis e demais despesas, porquanto, além de inexistir liame lógico com os fatos imputados a ré, a autora não logrou êxito em construir qualquer tese plausível que estabeleça um elo entre eles e os acontecimentos do dia 17/2/1999.

As despesas de conserto do veículo – R$ 1.475,60 (fls. 68/72) – também devem ser afastadas, eis que, uma vez realizadas em veículo distinto do envolvido no acidente – o automóvel acidentado era um CORSA (fls. 28, 33/36) e os reparos foram efetuados no CORSA CCX 5067 (fl. 142) –, seu ressarcimento só poderia ser autorizado diante da demonstração inequívoca de terem os gastos ultrapassado o que lhe foi ressarcido pela empresa seguradora e ficado aquém do valor de mercado do bem que se deteriorou por culpa da ré, o que inocorreu nos autos.

Com efeito, a postulante se limita a asseverar, em réplica, que adquiriu veículo inferior ao acidentado pois recebeu da empresa de seguros quantia inferior à avaliação de mercado de seu automóvel, sem, contudo, apresentar qualquer elemento de prova que autorize esta argumentação. Ademais, da análise comparativa de seus certificados de registro, percebe-se que o automóvel adquirido – CCX 5067 –, ao contrário do que afirma a autora, é mais novo que o acidentado – BFW 9147.

Por esses motivos, não há como atribuir verossimilhança a essas alegações.

No que pertine ao tratamento com o remédio PARLODEL SRO 2,5 mg, não obstante a prescrição para sua utilização acostada à folha 76, não há qualquer evidência de que a necessidade de sua utilização é decorrência do sinistro. Pelo contrário, no boletim de atendimento de urgência (fls. 62/63) verifica-se apenas notícia de lesão nasal.


Desse modo, por tudo o que foi dito, entendo que o total de danos materiais a ser ressarcido é de R$ 513,73 (quinhentos e treze reais e setenta e três reais e setenta e três centavos).

Sobre esse valor incidirá correção monetária, a partir da data do prejuízo, nos termos da súmula 43 do STJ, com base no IPCA-E, e juros moratórios, a partir do evento danoso (súmula 54 do STJ), no montante de 12% ao ano. Os juros moratórios são simples, visto que o fato não configura ilícito penal. Além disso, não há correspondente do artigo 1.544 no novo código civil.

Todavia, diante do preceito do artigo 949 do CC (“No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”), a autora possui direito a ser ressarcida dos gastos que futuramente vier a ter em decorrência exclusiva do acidente automobilístico, o que inclui, por óbvio, despesas com medicamentos, sessões psicoterápicas, além de eventual cirurgia estética, de cuja realização, urge ressaltar, não se tem qualquer notícia nos autos – o documento de fl. 60 é apenas um orçamento.

A indenização por danos morais, por sua vez, é plenamente cabível no presente caso, eis que o envolvimento em um acidente automobilístico, com o sofrimento de lesões físicas e psicológicas, sem sombra de dúvida, é capaz de gerar abalo na esfera íntima das vítimas.

Nessa senda:

ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO DNER. CONSERVAÇÃO DA ESTRADA. CULPA CONCORRENTE – INOCORRÊNCIA. LUCROS CESSANTES. – Ocorrente o nexo de causalidade entre a omissão da autarquia (má conservação da rodovia em que ocorreu o sinistro/buraco) e o dano causado ao requerente (danos materiais), é de ser mantida a condenação ao pagamento dos danos materiais e lucros cessantes. – A prova dos lucros cessantes (declaração do empregador) é hábil, já que o DNER não apresentou prova capaz de desconstituí-la, ônus que lhe caberia. – Cabível a indenização por danos morais, pois evidente o sofrimento do autor pelo envolvimento no acidente. (AC nº 200170000364521/PR, Rel. Des. Edgard Lippmann, DJ de 02/06/2004, p. 620)

É que “o dano moral stricto sensu corresponde ao sofrimento físico e aos efeitos psicológicos sofridos pela vítima da ofensa, não importando se da lesão não adveio incapacidade física” (AC nº 9704061129/RS, Rel. Juíza Vivian Josete Pantaleão Caminha, DJ de 29/11/00).

Sendo certo o direito à indenização por danos morais, resta quantificar o ressarcimento.

Segundo a melhor doutrina a indenização por dano moral, além de prestar uma satisfação em relação a vítima, tem também um caráter punitivo e pedagógico em relação ao autor da infração, no sentido de inibir novas práticas da espécie. Por outro lado, a indenização também não deve fomentar um enriquecimento indevido ao postulante, eis que se busca evitar a criação da chamada indústria do dano moral.

Indenizar equivale, segundo concepção técnica dominante, a repor no patrimônio do ofendido, a parte de que foi desfalcado, porque restabelece a integralidade. Podendo, no dano moral, ser estimada por aproximação (art. 1533, CC), embora o dinheiro pago não possa recompor, totalmente, a integridade física, psíquica ou moral lesada. Não há correspondência de valores, pois os morais se situam em outra dimensão.

À aferição dos fatores determinantes da elaboração do prejuízo moral, exige-se apreciação valorativa dos diversos fatores que concorreram para a efetivação do damnum, sendo ela entregue ao arbitrium boni viri, ou seja, ao poder do juiz de fixar o montante indenizatório.

Para Carlos Alberto Bittar, “diante da esquematização atual da teoria em debate, são conferidos amplos poderes ao juiz para definição da forma e da extensão da reparação cabível, em consonância, aliás, com a própria natureza das funções que exerce no processo civil (CPC, arts. 125 e 126). Com efeito, como julgador e dirigente do processo, pode o magistrado ter conhecimento direto das partes, dos fatos e das respectivas circunstâncias, habilitando-as, assim, à luz do direito aplicável, a definir de modo mais adequado, a reparação devida no caso concreto”.

Destaca, ainda, o renomado jurista que “[…] a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que se não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expresso, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante”

Destarte, a indenização do dano moral deve seguir as balizas fixadas no seguinte precedente do nosso Tribunal Regional Federal:

Segundo a melhor doutrina a indenização por dano moral, além de prestar uma satisfação em relação à vítima, tem também um caráter punitivo e pedagógica em relação ao autor da infração, no sentido de que a indenização deve ser uma forma de inibir novas práticas da espécie. (AC nº 1999.04.01.007704-9/RS, Rel. Juíza Marga Tessler)

Na espécie em testilha, como a autora sofreu lesões físicas e psicológicas leves em decorrência do acidente, sendo de se esperar que as lembranças e resquícios do evento fatídico diminuam com o passar do tempo, ou, caso necessário, com eventuais tratamentos, reputo suficiente a quantia de R$20.000 (vinte mil reais) para compensá-la moralmente.

Impende pontificar que o Decreto nº 4.128 de fevereiro de 2002, art. 4o, determinou ser a União Federal a sucessora da extinta autarquia ré. Daí porque a assunção da responsabilidade da presente indenização à União Federal.

ANTE O EXPOSTO, afasto as preliminares aventadas, e, no mérito, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para condenar a União Federal:

a) a ressarcir à autora, pelos danos sofridos no acidente, a importância de R$ 513,73 (quinhentos e treze reais e setenta e três reais e setenta e três centavos), corrigindo-se monetariamente cada pagamento desde a data de sua realização, nos termos da súmula 43 do STJ, com base no IPCA-E, e acrescendo-os de juros moratórios, a partir do evento danoso (súmula 54 do STJ), no montante de 12% ao ano;

b) pagar à autora, á título de danos morais, a importância de R$20.000 (vinte mil reais), corrigida monetariamente a partir de hoje pelo IPCA-E;

c) custear as despesas que a autora futuramente vier a ter em decorrência do acidente analisado, o que inclui, gastos com medicamentos, sessões psicoterápicas, além de eventual cirurgia estética reparadora, tudo de acordo com o respectivo preço de mercado.

Condeno, ainda, a União Federal no pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, com fulcro nos parágrafos 3o e 4o do artigo 20 do CPC.

Sem custas.

Decisão sujeita ao reexame necessário.

P.R.I.

Tubarão, 28 de julho de 2004.

Alexsander Fernandes Mendes

Juiz Federal Substituto

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