Invasão do MST

Estado de São Paulo é condenado a indenizar por invasão do MST

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28 de abril de 2004, 16h09

Imagine a cena: 200 homens da Polícia Militar chegam a uma fazenda para cumprir liminar de reintegração de posse da área invadida por 600 integrantes do Movimento dos Sem Terra. A missão fracassa e os policiais militares vão embora. Para comemorar a derrota da PM, os invasores abatem dois bois da raça nelore para fazer “uma grande churrascada”. Parece trecho de filme, mas não é. É apenas uma cena brasileira que rendeu a condenação do Estado de São Paulo por danos materiais causados pelos invasores do MST durante 110 dias de ocupação da fazenda. O valor da condenação foi estipulado em R$ 554 mil mais juros.

A 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo acatou os argumentos do proprietário da Fazenda Rio Verde, Roberto Maschietto, em ação movida contra o Estado. O proprietário foi representado pelos advogados Flávio Maschietto e Renato Mello Leal, do escritório Maschietto e Leal Advogados Associados.

Os advogados alegaram que a liminar foi expedida um dia após a invasão. Mesmo assim, a PM somente tentou cumprir a reintegração de posse depois de quase dez dias. Para tanto, pediu que o proprietário da fazenda providenciasse oito caminhões e motoristas, trinta carregadores, alimentação para todos os envolvidos na operação, dois assistentes sociais, dois representantes do Conselho Tutelar, duas ambulâncias, um médico e dois auxiliares de enfermagem. Todos os pedidos foram atendidos. Mas a PM não conseguiu retirar os invasores da fazenda de 1.582 alqueires, localizada no município de Itararé.

De acordo com Mello Leal, os integrantes do MST ficaram 23 dias na sede da fazenda e depois foram para a estrada que passa dentro do local, onde permaneceram por mais 87 dias. “Eles resolveram sair espontaneamente da sede após diversas tentativas de diálogo feitas pela PM e ficaram na estrada, onde causaram diversos prejuízos ao proprietário. Não foi cumprida a liminar que autorizava inclusive uso da força policial”, ressaltou.

O Estado pode recorrer da decisão. Os advogados do proprietário vão recorrer ao Superior Tribunal de Justiça porque o TJ paulista não acatou o pedido de indenização por danos morais de cerca de R$ 1 milhão.

A decisão da Justiça de São Paulo, nesse caso, adotou o mesmo posicionamento do TJ do Paraná.

Leia o acórdão:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 350.899-5/8-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante ROBERTO MASCHIETTO, sendo apelada FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO:

ACORDAM, em Oitava Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “deram provimento, em parte, ao recurso do autor, negando provimento ao Agravo Retido, v. u.”, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que integram este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ SANTANA e PAULO TRAVAIN.

São Paulo, 3 de março de 2004.

TOLEDO SILVA

Presidente e Relator

Apelação nº350.899.5/8-00

Voto nº16.786

Responsabilidade civil do Estado – Ação Indenização – Invasão de propriedade particular por integrantes Movimento dos Sem Terra – Liminar em ação de reintegração – Omissão da Polícia Militar do cumprimento do mandado- Descumprimento de um dever jurídico estatal – Prejuízos demonstrados – Dano moral indevido – Recurso provido para julgar a ação procedente, em parte, negado provimento ao Agravo Retido.

Ação ordinária de indenização contra Fazenda do Estado de São Paulo, alegando o autor que há trinta e três anos é proprietário do imóvel rural denominado “Fazenda Rio Verde”, com área total de 1.582 alqueires, localizado no Município de Itararé. A atividade preponderante da propriedade, que se encontra cadastrada no INCRA-SP, é a criação e engorda de gado, sendo que na época dos fatos narrados na inicial mantinha no imóvel cerca de 3.000 cabeças de gado da raça nelore.

Não obstante a predominância dessa atividade, cultiva, ainda, cerca de 400 alqueires de milho, soja e feijão, cem como preservava 400 alqueires de mata nativa. A propriedade foi classificada pelo INCRA como grande propriedade produtiva. Na noite de 18 de outubro de 1998, por volta das 22:00 horas, a sede da fazenda, onde morava seu filho Cyro Rezende Maschietto, foi invadida por cerca de trinta pessoas encapuzadas, portanto armas. Tentou fugir com sua noiva, mas foi detido pelos assaltantes, que arrombaram a porta principal, invadiram a casa e dominaram o casal. Seu filho foi lançado no chão, agredido e mantido sob a mira de três revólveres diretamente apontados para sua cabeça.

Depois de trinta minutos, aproximadamente, os assaltantes identificaram-se como sendo integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ato contínuo, ordenaram que Cyro fosse até as casas dos empregados da fazenda noticiar a invasão, e solicitar que entregassem as armas que eventualmente possuíssem. Por volta de 0.30 hora do dia 19 de outubro de 1998, após muita resistência, os agressores libertaram o casal, que se dirigiu à Delegacia de Polícia de Itararé, onde foi lavrado o Boletim de Ocorrências.


No dia 19.10.98, o autor ajuizou ação de reintegração de posse, com pedido liminar, tendo a MM Juíza de Direito da 2ª Vara da Comarca de Itararé, após a ouvida do Ministério Público, deferido a liminar, determinando a expedição de mandado de reintegração de posse, com auxílio da força policial.

Na mesma data foi expedido ofício requisitando força policial. A Polícia Militar, no entanto, desde logo criou obstáculos para atender à requisição judicial, solicitando dispendiosas providências ao requerente, tais como oito caminhões e motoristas; trinta carregadores; alimentação para todos os envolvidos na operação; dois assistentes sociais. Dois representantes do Conselho Tutelar; duas ambulâncias; um médico e dois auxiliares de enfermagem.O autor atendeu prontamente o pedido da Polícia Militar, que somente no dia 27 de outubro de 1998 enviou ao local, para garantir o cumprimento da medida liminar, duzentos homens, que se mostraram absolutamente despreparados, incapazes de superar a resistência dos invasores, em número de, aproximadamente, 600 pessoas. Para comemorar o fracasso da Polícia Militar, os invasores abateram dois bois de propriedade do autor e promoveram uma grande churrascada, com o inequívoco propósito de afrontar a Polícia Militar e, via de conseqüência, o Poder Judiciário.

A essa altura dos acontecimentos, a Fazenda Rio Verde estava totalmente à mercê dos invasores, pois os empregados que permaneciam no local haviam sido expulsos no dia 23 de outubro de 1998, sem qualquer resistência. Somente no dia 10 de novembro de 1998, 23 dias após a invasão, os integrantes do Movimento dos Sem Terra decidiram iniciar a desocupação voluntária, instalando-se na estrada que corta a propriedade, sem a menor intervenção da Polícia Militar, mas continuaram ameaçando os empregados da fazenda abatendo animais.

No dias posterior à desocupação da sede da Fazenda Rio Verde, dia 11 de novembro de 1998, por determinação da Delegacia de Polícia Civil de Itararé, dois peritos criminais da Equipe de Perícias Criminalísticas de Itapeva elaboraram o laudo nº 1.375/98, destinado a instruir o inquérito policial nº98/98, para apuração dos crimes praticados pelos invasores. Os danos causados na propriedade rural estão relacionados na petição inicial, no Boletim de Ocorrência e no laudo da Equipe de Perícias Criminalística de Itapeva. Pediu a condenação da ré no pagamento dos danos emergentes, lucros cessantes; dano moral, custas e honorários advocatícios, em virtude de omissão da Polícia Militar do Estado de São Paulo em atender o ofício requisitório para cumprimento da medida liminar concedida pela MM Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Itararé.

Pela sentença de fls. 588/590 a ação foi julgada improcedente, condenado o autor nas custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Apela o vencido objetivando a reforma do julgado e a procedência da ação, sob os fundamentos postos na inicial. Sustenta que demonstrou, tanto por meio de documentos, quanto por testemunhas, que a maioria esmagadora dos danos provocados em sua propriedade rural aconteceu depois da fracassada tentativa de retirada dos invasores pela Polícia Militar do Estado de São Paulo; que se a reintegração de posse tivesse sido efetivada logo após a expedição de ofício à Polícia Militar, grande parte dos danos teria sido evitada; que o mandado de reintegração de posse foi obtido menos de vinte e quatro horas depois da invasão, mas a Polícia Militar somente se mobilizou para cumprir a medida no dia 27 de outubro de 1998, ou seja, nove dias depois da invasão, e oito dias depois da data em que lhe fora requisitado o auxílio policial; que a teoria do risco administrativo deve ser aplicada não só nos atos comissivos, mas também nos casos de omissão da Administração Pública; que os danos materiais sofridos pelo apelante, relacionados às fls. 13/15 foram cabalmente provados; que a indenização pelo dano moral também é devida.

Recurso regularmente processado, respondido e efetuado o preparo.

É o relatório.

A preliminar de ilegitimidade passiva, invocada pela apelada nas contra-razões, também foi objeto da contestação, e bem repelida pelo MM Juiz no saneador de fls. 315. A Fazenda do Estado é parte legítima no pólo passivo da ação, pois o autor atribui à Polícia Militar do Estado de São Paulo a culpa pela demora no comparecimento ao local da invasão e na falta de cumprimento da ordem de reintegração de posse emitida pela MM Juíza de Direito da Segunda Vara Cível da Comarca de Itararé.

No mérito, é incontroverso nos autos que a propriedade rural do autor, denominada “Fazenda Rio Verde”, localizada na Comarca de Itararé, foi invadida por integrantes do MST, que, depois de agredirem e manterem o filho do autor sob a mira de revólveres, expulsaram da propriedade todos os empregados, e ali, no mais absoluto e completo vandalismo, permaneceram até o dias 11 de novembro de 1998, quando, espontaneamente, deixaram o imóvel invadido, instalando-se na margem da estrada que corta a propriedade, onde permaneceram até o mês de fevereiro de 1999.


A prova não deixa dúvida de que a MM Juíza de Direito, ao deferir o pedido de liminar de reintegração de posse, determinou a expedição de ofício, requisitando o concurso da polícia Militar para o cumprimento da ordem.

A Polícia Militar comente compareceu ao local no dia 27 de outubro de 1998, com número reduzido de contingente, sem condições de cumprir a ordem judicial.

Não há dúvida de que o despreparo da Polícia Militar foi a causa da permanência dos invasores na propriedade rural do autor, e, conseqüentemente, a causa da matança de gado, e a quase completa destruição da seda da Fazenda Rio Verde, como demonstram as fotografias e documentos anexados aos autos, e os demais danos tambémdemosntrados nos autos.

As testemunhas de fls. 536/547 afirmaram que a Polícia Militar compareceu ao local, conversou com alguns dos invasores e retirou-se. Voltou outro dia, com maior número de soldados, mas nenhuma providência tornou, e novamente retirou-se do local, deixando os invasores à vontade, e só deixaram a sede da fazenda quando resolveram, espontaneamente.

A testemunha Ítalo Reimar (fls. 544), inclusive, afirmou que quando a Polícia Militar retornou à fazenda, o “comandante conversou com eles e a liminar não foi cumprida, e dali em diante destruíram tudo o que viram pela frente. Até a polícia chegar lá, as casas nossas não estavam destruídas, as mangueiras não estavam destruídas; a partir dali, destríram tudo”.

O conjunto probatório demonstra que , depois de deixar a sede da fazenda, espontaneamente, os integrantes do Movimento Sem Terra instalaram-se às margens da estrada que corta da “Fazenda Rio Verde”, destruíram cercas, continuaram abatendo animais de propriedade do autor, ameaçaram seus empregados e causaram-lhe enormes prejuízos.

A responsabilidade civil do Estado é evidente, pois cumpria-lhe, ao receber o ofício de requisição de força policial para a reintegração de posse, tomar todas as providências cabíveis para o cumprimento da ordem judicial, mas nada providenciou, permitindo, com sua inércia, que a propriedade do autor permanecesse longo tempo em poder dos invasores. Houve, portanto, descumprimento de um dever jurídico estatal.

CRETELA JÚNIOR,citado por YUSSEF SAIDCAHALI, doutrina que, “não apenas a ação produz danos. Omitindo-se, o agente público também pode causar prejuízos ao administrado e à própria Administração. A omissão configura a culpa in omittendo ou in vigilando. São casos de inércia, casos de não-atos. Se cruza os braços ou se não vigia, quando o deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por incúria do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o bônus pater familae, nem como bônus administrador. Foi negligente. Às vezes imprudente e até imperit. Negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte; imperito, se não previu a possibilidade da concretização do evento. Em todos os casos, culpa, ligada à odeia de inação, física ou mental” (Responsabilidade Civil do Estado, Malheiros Editores, 2ª edição, pág. 283).

Para o Professor CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, também citado por YUSSEF SAID CAHALI, “O Estado só responde por omissões quando deveria atuar e não atuou – vale dizer: quando descumpre o dever legal de agir; em uma palavra; quando se comporta ilicitamente ao abster-se. A responsabilidade por omissão é responsabilidade por comportamento ilícito; é responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa do funcionário, mas atribuída ao seviçoestatal genericamente; é a culpa anônima ou faute de service” (Aut. E ob. cits., pág 284).

A Professora MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO ensina que é cabível a indenização, quando o dano ocorre por omissão do poder público. “A mesma regra se aplica quando se trata de ato de terceiros, como é o caso de danos causados por multidão ou por delinqüentes; o Estado responderá se ficar caracterizada a sua omissão,a sua inércia, a falha na prestação do serviço público. Nesta hipótese, como na anterior, é desnecessário apela para a teoria do risco integral; a culpa do serviço público, demonstrada pelo seu mal funcionamento, não-funcionamento ou funcionamento tardio é suficiente para justificar a responsabilidade do Estado” ( Direito Administrativo, Editora Atlas S/a, 11ª ed., pág. 508).

No mesmo sentido é a doutrina de HELY LOPES MEIRELLES (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 26ª ed., pág. 616).

Os danos causados, em conseqüência da invasão, estão suficientemente demonstrados nos autos pelo laudo elaborado pelo perito do Juízo, laudo do Instituto de Criminalística (fls. 187/190), Auto de Constatação (fls.191), das fotografias anexadas aos autos, da ampla divulgação da imprensa, e da prova testemunha que, inclusive, demonstrou que os invasores abateram e furtaram cerca de 290 a 300 cabeças de bois, e o mesmo número de porcos, carneiros e cabritos.

A prova testemunhal demonstra que, enquanto os componentes do Movimento dos Sem Terra permaneceram às margens da estrada, causaram grande prejuízo e não deixaram os empregados da fazenda trabalhar em paz, e que durante a ocupação os trabalhos foram totalmente paralisados.

Não há nos autos prova convincente do montante de lucros cessantes, que serão apurados em liquidação de sentença.

A indenização pelo dano moral não é devida. Não há dúvida que a invasão da fazenda acarretou ao autor indescritíveis aborrecimentos, que, no entanto, não podem ser indenizados como dano moral. A indenização por danos materiais mostra-se suficiente para amenizar os aborrecimentos.

Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso para julgar a ação procedente, em parte, para condenar a ré no pagamento da importância de R$ 554.874,98 (fls. 434-435); nos lucros cessantes; juros moratórios a contar da citação; correção monetária, a contar da data do laudo, custas, despesas processuais, e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação, observado o disposto no artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil, negando provimento ao agravo retido.

TOLEDO SILVA

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