Cadeia genética

Telecom Itália se omite e deixa falir sócia brasileira

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19 de abril de 2004, 13h48

A turbulência judicial que atinge as empresas italianas em diversos países segue em frente. A descoberta, na semana passada, de que uma empresa que quebrou – “fraudulentamente”, segundo o juiz paulista Carlos Henrique Abrão – era, na verdade, “laranja” da Telecom Italia Móbile (TIM) em São Paulo, ativou uma bomba-relógio no caminho do conglomerado Pirelli/Olivetti/Telecom Italia.

A empresa, que se passava por “fornecedora” da TIM, é a Tecnosistemi, que naufragou no final do ano passado. Deu um calote de R$ 100 milhões no mercado e deixou a ver navios fornecedores, bancos, credores e pelo menos 200 de seus 700 ex-empregados que entraram na justiça trabalhista contra a TIM para receber seus direitos.

A “fornecedora” Tecnosistemi Brasil, em conjunto com a Olivetti Mexicana constituíram a empresa Olitecno, no México. A sociedade foi firmada já na atual administração do grupo, que tem a Pirelli à frente do conglomerado. A Olitecno se encaixa na cadeia genética através da Pirelli, que adquiriu a Olivetti e controla, no Brasil, a Telecom Itália e a TIM Brasil. A informação foi confirmada pelo presidente da Tecnosistemi no Brasil, Rubens Pedroso (Veja Comunicado, abaixo).

Segundo Pedroso, “através da Olitecno houve a concretização de direito da sociedade que, de fato, se instalou no Brasil, haja vista as práticas comerciais adotadas e o pleno comprometimento, interação e confiança existente entre Tecnosistemi e Telecom Itália”.

Duelo semântico

A TIM, através da sua assessoria de imprensa, nega a vinculação societária com a Tecnosistemi. Admite que a Tecnosistemi firmou uma joint-venture com a Olivetti Mexicana, mas que a mesma está em processo de dissolução. Pela explicação oficial, a TIM e a Olivetti são estruturas empresariais completamente distintas.

É uma questão de semântica que, certamente, vai ser decidida pela Justiça. E não só no Brasil. A Tecnosistemi manteve o mesmo tipo de parceria com a TIM em mais onze países onde, igualmente, foi à bancarrota.

Ao tomar conhecimento da existência da Olitecno, a representante do Ministério Público paulista no caso, Maria Cristina Viegas, não mostrou surpresa: “O teor das informações é compatível com dados colhidos na concordata”, disse ela. A ligação societária no exterior, disse a promotora, “pode ter efeito no Brasil”, afirmou. O juiz Carlos Henrique Abrão, por sua vez, disse que “ainda há muitos cruzamentos a serem feitos”. Para o magistrado, a decretação da falência da Tecnosistemi, suas 14 coligadas e associadas, é inevitável. No momento, o TJ-SP examina recursos em torno da quebra, que está suspensa.

Um dos cruzamentos, certamente, passa por Gianni Grisendi, o executivo que presidiu a TIM, a Cirio (Bombril), Parmalat e foi quem instalou — no Brasil — a Tecnosistemi, da qual era também acionista. Grisendi, em depoimento, revelou que abriu a empresa em São Paulo a pedido do fundador da Parmalat, Calisto Tanzi, o empresário que hoje se encontra preso na Itália e confessou ter desviado 500 milhões de euros de sua empresa para contas particulares.

Teste de DNA

Na descrição do presidente da Tecnosistemi Brasil, as relações com a TIM, responsável por mais de 90% do faturamento da empresa, “da ordem de R$ 250 milhões”, eram mais que íntimas, já que as partes se dispensaram de celebrar contrato para formalizar a relação. Segundo ele, “a contratação de serviços da Tecnosistemi pela TIM foi feita através de uma “letter of intent” (carta de intenções) assinada na Itália”. Nos últimos meses de 2003, mesmo quando a Tecnosistemi começou a se afogar em dívidas, a matriz italiana não permitiu que a filial, mesmo quebrada, cobrasse judicialmente a dívida que, segundo o dirigente da empresa, é de R$ 50 milhões.

No entanto, no início deste ano, em conflito com os indícios da promiscuidade empresarial, o Grupo Telecom Itália insistiu em contestar o elo societário. Decretada a falência da Tecnosistemi Brasil (hoje suspensa), o grupo fez publicar um “Esclarecimento Público” veiculado nos principais jornais do país, em janeiro, renegando “qualquer vínculo societário com a Tecnosistemi e suas coligadas”.

Uma semana depois do anúncio, os acionistas da Olitecno se reuniram para deliberar pela liquidação da sociedade, na tentativa de apagar os vestígios da consangüinidade.

O imbróglio é assunto na Itália. A revista semanal L’Espresso, em uma série de reportagens sobre esse incesto empresarial, publicou trechos do diário de Stefano Tanzi, filho do fundador da Parmalat, onde aparecem as ligações entre as empresas Eudósia, Tecnosistemi, Parmalat e TIM. No diário descobriu-se até mesmo um projeto da Parmalat para entrar junto com a TIM na telefonia móvel brasileira. As ligações societárias entre a Pirelli/Telecom Itália com a Tecnosistemi e, eventualmente, com a própria Parmalat, estão sendo investigadas na Itália e no Brasil.

Em pelo menos dois depoimentos revelou-se que os executivos italianos teriam obtido favorecimentos de políticos e administradores públicos brasileiros em troca de propinas e doações eleitorais. Segundo a revista Veja, essa prática é antiga e já funcionou no apoio às campanhas de Tancredo Neves, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.

Leia a íntegra da declaração de Rubens Pedroso, presidente da Tecnosistemi

Esclarecimento

Olitecno

Confirmo que a empresa Olitecno é uma joint venture entre a Tecnosistemi Brasil e a Olivetti Mexicana, integrante do Grupo Telecom Itália.

A Olitecno tem o mesmo objeto social da Tecnosistemi Brasil, ou seja, projeto, implementação e manutenção de redes de telefonia fixas e móveis.

A empresa Olitecno, conforme menção do site da Tecnosistemi Itália, consentida pela sócia Olivetti, tem por objetivo a expansão desses serviços em outros países da América Central.

Declaro ter conhecimento que esta sociedade formal entre os grupos empresariais Tecnosistemi e Telecom Italia, visou consolidar as relações comerciais que mantêm em diversos projetos desenvolvidos no mundo.

Através da Olitecno houve a concretização de direito da sociedade que, de fato, se instalou no Brasil, haja vista as práticas comerciais adotadas e o pleno comprometimento, interação e confiança existente entre Tecnosistemi e Telecom Itália.

Tecnosistemi Brasil

A sociedade entre Tecnosistemi Brasil e Telecom Itália se caracteriza pelos seguintes fatos:

a) A Tecnosistemi chegou no Brasil por decisão do Grupo Telecom Itália e Tecnosistemi Group, com a finalidade de instalar a rede GSM da Telecom Itália Móbile – TIM.

b) O caráter societário entre os grupos Telecom Itália e Tecnosistemi dispensou a formalização de instrumento contratual. A contratação de serviços da Tecnosistemi pela TIM foi feita através de uma “letter of intent” assinada na Itália.

c) No Brasil, o faturamento das empresas do Grupo, principalmente Tecnosistemi e Eudósia, junto à TIM foi de R$ 250 (duzentos e cinquenta milhões de reais), aproximadamente.

d) O faturamento da Tecnosistemi junto à TIM representou 92 % (noventa e dois por cento) do seu faturamento total.

e) Estabeleceu-se entre as duas empresas um modus operandi, informal, no qual a TIM fazia as solicitações de serviço através de um “nominal operational planning”, transmitido à Tecnosistemi por e-mail. O “nominal operational planning” se resumia, na verdade, a uma lista de estações de rádio-base a serem instaladas, já que os detalhes técnicos das instalações eram discutidos previamente por técnicos das duas empresas. Os pedidos de compra eram emitidos quando da conclusão dos respectivos serviços, juntamente com a aceitação do mesmo, dando vez então ao faturamento por parte da Tecnosistemi.

f) A dispensa de contrato e o modus-operandi entre as empresas, permitiu o anulamento da área comercial da TIM, que acionava diretamente a Tecnosistemi, na condição de subcontratada especial, que lhes prestava serviços e lhes oferecia todo know how. Além de se beneficiar operacionalmente desta relação especial, a TIM deixou de pagar à Tecnosistemi um valor complementar de aproximadamente R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). Parte desse valor, correspondente a serviços requisitados via nominal operational planning, sem emissão de pedido de compra, consta do balanço da concordata da Tecnosistemi e jamais foi contestado. Outra parte se refere a serviços de manutenção que não foram pagos e solicitaçoes de serviços via Nominal Operational Planning canceladas unilateralmente pela TIM.

g) Existem hoje cerca de 200 (duzentas) ações trabalhistas envolvendo a TIM como responsável solidária pelo pagamento das indenizações, até porque muitos funcionários da Tecnosistemi, cuja percepção é a de que trabalhavam para a TIM, ficavam alocados nas dependências dessa empresa, prerrogativa esta exclusiva da Tecnosistemi.

h) A Tecnosistemi Itália ainda não autorizou a Tecnosistemi Brasil a proceder à cobrança judicial da dívida da TIM, aqui no Brasil.

Firmo o presente documento.

Rubens Ronaldo Pedroso

Tecnosistemi Brasil

Diretor Presidente

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