União homoafetiva

Contratos garantem direitos patrimoniais de homossexuais no Brasil

Autor

  • Álvaro Villaça Azevedo

    é doutor em Direito professor titular de Direito Civil-USP regente de Pós-Graduação e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP; da Faculdade de Direito da Mackenzie; e da Faculdade de Direito da FAAP.

5 de abril de 2004, 10h57

A legislação brasileira não cuida especificamente da união civil entre homossexuais. Todavia, todas as espécies de sociedade, afora as existentes no Direito de Família como o casamento civil, religioso e união estável (união entre homem e mulher com o intuito de constituição de família, sem casamento), são tratadas no Código Civil, na sua parte do Direito de Empresa. Nessa parte do Código encontram-se princípios do direito associativo, que servem aos empresários e àqueles que celebram contrato de sociedade.

O Código Civil de 1916, revogado pelo atual, de 2002, mencionava, em seu artigo 1.363, no Direito das Obrigações, em geral, que as pessoas celebram contrato de Sociedade, quando se obrigam, mutuamente, a combinar seus esforços e/ou recursos, para lograrem fins comuns. Esse princípio assenta-se em lição do filósofo Aristóteles, que foi também cuidado por Santo Tomás de Aquino. Esse artigo, atualmente, corresponde, com alguma mudança de redação, ao artigo 981 que estabelece: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

No caso da união homoafetiva (homossexual), os parceiros somam seus esforços e recursos econômicos para possibilitarem sua vida em comum.

Eu tratei, em meu livro Estatuto da Família de Fato (Ed. Atlas, São Paulo, 2002, 2ª edição, de acordo com o novo Código Civil, com 661 páginas), do casamento de fato, da união estável e da união homossexual (esta matéria nas páginas 461 até 486). Nesse livro, eu aconselho os parceiros a acautelarem-se com realização de contrato escrito, que estabelece a respeito de seu patrimônio, principalmente demonstrando os bens que existem, ou venham a existir, em regime de condomínio, com os percentuais estabelecidos ou não. Podem ainda os parceiros adquirir bens em nome de ambos, o que importa condomínio em partes iguais. Se preferirem, podem escolher um regime de separação patrimonial, absoluto (cada bem permanece em nome de cada um) ou relativo (com este ou aquele bem em nome de um e outros em nome do outro parceiro).

Pode ser adotado, também, o critério de mencionar, na aquisição de cada bem, se ele é comum (pertence a ambos), ou se pertence a só um dos parceiros. O que não pode é criar-se o casamento civil ou união estável com esse contrato.

É muito importante que estabeleçam em contrato ou em sua carteira de trabalho que vivem em parceria, para que tenham os parceiros direitos de tratamento de saúde (previdenciários), com benefícios em seguro de vida. Essa matéria, embora contratual, não ofende a preceito legal, nada impedindo que um seja dependente do outro, e vice-versa, inclusive junto ao imposto sobre a renda.

Atualmente no Brasil, em caso de morte de um dos parceiros, seus bens seguem a ordem constante do novo Código Civil (artigo 1.829), ou seja, aos herdeiros necessários: aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no inciso I; aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge (inc. II); ao cônjuge sobrevivente (inc. III); e aos colaterais (inc. IV). Também o companheiro e a companheira, na união estável, nos moldes do artigo 1.790. Assim, os parceiros poderão deixar, um ao outro, por testamentos autônomos, patrimônio livremente, desde que não possuam herdeiros necessários, situação em que só poderá o testador dispor da metade da herança (artigo 1.789). Esclareça-se que são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (artigo 1.845).

Projeto de legalização em andamento

Um Projeto de importância que visa disciplinar a união civil entre pessoas do mesmo sexo é o de iniciativa da então deputada Marta Suplicy, nº 1.151, de 1995, e seu Substitutivo na Câmara dos Deputados, em 10 de dezembro de 1996. Esse Projeto não teve seguimento, após sofrer tormentoso ataque na Câmara. O aludido Substitutivo melhorou a redação do projeto originário.

O art. 1º desse Projeto-Substitutivo assegurava a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua “parceria civil registrada”, entre outras coisas, para salva guarda de seus direitos de propriedade e de sucessão hereditária. A parceria seria objeto de registro em Livro próprio do Cartório de Registro Civil (art. 2º), sendo constituída por escritura pública (§ 1º), com impossibilidade de alteração desse “estado civil”, durante o contrato de parceria (§ 3º). Criava-se, por ele, como visto, um novo “estado civil”, cuja desconstituição só seria possível judicialmente.

O artigo 9º do Substitutivo (1º do Projeto) instituía o bem de família, como disciplinado pela Lei nº 8.009, de 1990). Os artigos 10 e 11 do Substitutivo (11 e 12 do Projeto) determinavam, respectivamente, a inscrição do parceiro como beneficiário do regime Geral de Previdência Social, na qualidade de dependente e como beneficiário de pensão, nos moldes da Lei 8.112/90.

Em seus artigos 16 e 17, o Substitutivo mostrou-se de grande utilidade social, prevendo no artigo 16 a composição de rendas para aquisição de casa própria, bem como reconhecendo direitos a planos de saúde e seguro de grupo; bem como, no artigo 17, a inscrição um do outro como dependentes, com efeitos na legislação tributária (deduções, principalmente).

A homossexualidade era considerada doença mental e foi excluída desse rol em 15 de dezembro de 1973, por decisão da American Psychiatric Association. Por outro lado, desde 1991, a Anistia Internacional considera violação dos direitos humanos a proibição da homossexualidade.

A união homoafetiva em outros países

Essa parceria registrada encontrou grande acolhimento nos países escandinavos, com exceção da Finlândia que, pelo que me consta, foi o único país escandinavo que não aderiu a esse sistema.

Na Dinamarca, a Lei nº 372, de 1º de junho de 1989, reconhece essa parceria, devendo, pelo menos, um dos parceiros ter residência permanente e nacionalidade dinamarquesa. Aplica-se a essa parceria a lei do casamento, sendo, entretanto, proibida a adoção.

A Noruega aderiu à situação da Dinamarca em 1993, pela Lei nº 40, de 30 de abril. Difere a legislação norueguesa da dinamarquesa, possibilitando a participação conjunta da autoridade parental.

Por sua vez, o Parlamento Sueco reconheceu o “partenariat”, desde 1º de janeiro de 1995, pela Lei de 23 de junho de 1994, com necessidade de intervenção obrigatória na dissolução da parceria.

Na Holanda, em 1991, registraram-se, em alguns municípios, uniões homossexuais, tal como aconteceu em algumas cidades dos Estados Unidos da América do Norte, principalmente em São Francisco.

Na Islândia o Parlamento adotou Projeto do Governo, em 4 de junho de 1996, acolhendo as mesmas disposições legislativas dinamarquesas.

Nos Estados Unidos, atualmente, muitos casamentos “gay” estão por ser decididos pelos tribunais americanos.

Em 27 de fevereiro deste ano, “a Suprema Corte da Califórnia negou pedido do procurador-geral, Billy Lockyer, que queria a suspensão imediata dos casamentos de homossexuais e a anulação dos mais de 3.500 realizados desde o dia 12”, segundo informação do jornal O Estado de São Paulo, de 29 de fevereiro de 2004, página. A-13.

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