'Deu pau!'

Brasil importa tecnologia da matriz (e a língua vem junto)

Autor

5 de setembro de 2002, 13h06

Em Moçambique, temos as hiperligações e os ratos. Em francês, o CÉ, o C. élec. ou simplesmente o Mél. Em portugês, já seria hiperlink, mouse e e-mail mesmo, a importação deslavada da matriz.

Agora, cá entre nós -se a autoestima do Brasil dependesse um pouco menos da Copa do Mundo, quem sabe seria sim hiperligação, rato (ou algum outro animal mais bonitinho) e correio-e, termo também muito utilizado em Portugal para designar o correio eletrônico.

A verdade é que os jargões em inglês dominam de tal forma o mundo da informática que tem gente falando customizar (apropriação indevida do verbo “custom”, que significa em português personalizar), deletar, icqzar, printar e, atenção para o melhor: atachar (???). Todos eles inexistentes em nossos dicionários.

Há tantos outros termos que, sugiro inclusive, o leitor compartilhe comigo por e-mail para darmos algumas risadas.

Um dos que mais chique ficou depois do boom da internet foi CEO. Qualquer barraquinha de cachorro quente na internet passou a ter CEO. O cara é CEO porque CEO é chique, CEO dá credibilidade à empresa, CEO tem lucros e faturamentos acima da média (nem que precise de uma forcinha do contador para alterar o balanço…).

(Vou traduzir, já que essa muitas vezes é a função do jornalista, que está do lado de cá da tela: CEO é abreviação de Chief Executive Officer, chefe executivo, ou, como já existia no Brasil antes de inventarem a internet, diretor executivo).

Depois do CEO também tem um montão de outros termos super legais, informativos e coloniais. Tem o CIO (Chief Information Officer), ou diretor de tecnologia (caros CIOs, o nome em português, nesse caso, não é menos constrangedor?), tem o CFO (Chief Financial Officer), vulgo diretor financeiro e tem o COO (Chief Operation Officer), também conhecido por diretor de operações.

Deixando a crítica de lado, permito-me partir para uma brincadeira linguística. Imaginemos que, no Brasil, como na França e no Moçambique, tivéssemos uma cultura de valorização do que é nosso. Vamos a algumas comparações.

Em vez de um PC com processador Pentium de 800 MHz, 128 MB de RAM, HD de 20 GB, drive de CD-RW, impressora, mouse, kit multimídia e LCD de 15 polegadas, você teria um um CP (Computador Pessoal) com processador Pentium de 800 MHz, 128 MB de MAA (Memória de Acesso Aleatório), DR (Disco Rígido) de 20 GB, leitor de DC-LG (Disco Compacto de Leitura e Gravação), impressora e rato, isso sem contar no conjunto multimídia e no MCL (Monitor de Cristal Líquido) de 15 polegadas. As funções do equipamento seriam as mesmas, só que, quem sabe, ele deixaria de ser chique…

Também imprescindível em seu computador seria o acesso à teia. A conexão discada, a conta de correio-e gratuita, o apelido no bate-papo. Hiperligação entre páginas (ou sítios, como em espanhol).

Mas uma coisa que dá orgulho de ser brasileiro é na hora que o computador trava. Enquanto norte-americano usa o verbo “crash”, que sugere um movimento de impacto, de batida, nós dizemos: deu pau! 🙂

A própria função da imprensa, nesse caso, poderia ser criticada ao estimular e adotar indiscriminadamente termos que têm tradução. A crítica procede, mas muitas vezes traduzir seria perder o sentido para usuários e profissionais que, já envolvidos pelo meio, funcionam movidos a siglas e jargões informáticos.

O pior é que geralmente há termos na língua-mãe tão simples e eficientes quanto os da língua-matriz. Isso porque nosso dicionário é tão rico -ou até mais- que o deles. Nós é que, certamente, não somos.

Aproveito para deixar duas páginas que, durante a composição do texto, descobri na rede e achei interessantes. São dois dicionários de informática, um entre francês e inglês, o outro entre espanhol e inglês.

(Publicado na seção Informática da Folha Online do dia 20/7/02, e reproduzido sob autorização.)

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!