Boca no trombone

Nilson Naves critica descumprimento de decisões judiciais

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4 de setembro de 2002, 10h07

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Nilson Naves, criticou o descumprimento das decisões judiciais pela administração pública e disse que a demora no pagamento dos precatórios é uma ofensa à Constituição Federal e grave atentado ao regime democrático. “Toda decisão judicial deve ser respeitada e cumprida imediatamente”, afirmou o ministro, em palestra na Academia Nacional de Polícia, em Brasília.

Naves participou do painel “A Polícia Federal como agente de Justiça”, evento feito na conclusão do curso de formação de profissionais da Polícia Federal. Segundo o ministro, essa demora viola o princípio da independência e harmonia dos poderes porque deixa o Judiciário em posição de inferioridade ao permitir que suas decisões percam eficácia e efetividade.

Uma resposta a esse problema é a proposta apresentada pelo STJ ao Congresso Nacional dentro das discussões da reforma do Judiciário. A idéia é dar credibilidade às sentenças judiciais decorrentes de ações de execução contra o poder público. Os atuais precatórios seriam substituídos por títulos sentenciais, com vencimentos em 60 parcelas, cuja liquidação se faria com acréscimo de juros de mercado e atualização monetária. Esses papéis poderiam ser livremente negociados no mercado, dando credibilidade às decisões judiciais, segundo o ministro.

Os pagamentos devidos pela União, Estados, Distrito Federal, municípios, fundações e autarquias deveriam assim respeitar a ordem cronológica de apresentação de títulos e não seria necessário, como ocorre hoje, recorrer à Justiça para exigir o pagamento dessas obrigações. “Nenhuma das demais nações que vivem sob o regime democrático adota o sistema do precatório”, acrescentou.

Na palestra, o ministro criticou a falta de investimentos orçamentários no Poder Judiciário, o que prejudica a aplicação da lei. O crescimento populacional no Brasil, de 3 milhões de pessoas a cada ano, aumenta as expectativas em relação ao Estado, de acordo com ele. O ministro lembrou que esse fato exige o melhor aparelhamento da estrutura administrativa, principalmente da Justiça e da Polícia.

“O número de juizes precisa acompanhar essa demanda. A Justiça comum está terrivelmente desfalcada. Seus quadros estão no que se poderia chamar, sem exagero, de situação de crise”, completou Nilson Naves. Ele descreveu em números essa situação. Em 1999, os cargos vagos de juiz de direito (jurisdição estadual) somavam 25% do número previsto, isto é, 7.231 providos para 9.694 previstos.

Em relação aos cargos de juiz federal, em 2001, os não providos representavam 22% do total. “Aumentar a quantidade de juizes implica a formação de novas estruturas de apoio ao seu trabalho, o que evidentemente requer dinheiro. Se este não é colocado à disposição do Judiciário, restringe-se o acesso do povo à Justiça”.

O presidente do STJ disse que a otimização da Justiça exige ainda do Congresso uma atitude mais ativa em relação à reforma das leis. A reforma do Judiciário está em discussão no Congresso há dez anos e o texto está em tramitação agora no Senado. “O Judiciário clama também por legislação que permita aos tribunais julgar com maior rapidez, isto é, que simplifique o formalismo processual hoje utilizado, com má-fé, para atrasar a marcha da Justiça e postergar julgamentos”, acrescentou.

Sobre o relacionamento da Polícia Federal com o Judiciário, Nilson Naves afirmou que há conflitos, reflexo de orientações que podem parecer contraditórias. Isso ocorre devido à dificuldade de traçar a separação entre repressão ao crime e uso excessivo ou arbitrário da autoridade ou a “linha divisória entre o respeito às formas processuais e a procrastinação que pode terminar por favorecer tanto um criminoso como seus cúmplices”. Esse conflito, ressaltou o presidente do STJ, não pode mascarar a missão das duas partes, que é o estabelecimento da verdade para a aplicação da justiça.

Essa missão foi recentemente aperfeiçoada com a celebração de um acordo institucional entre a Polícia Federal e órgãos do Judiciário para a troca informações sobre crimes praticados no Brasil e no exterior. Haverá um intercâmbio on-line do banco de dados dos vários órgãos, o que vai permitir julgamentos mais apurados e investigações mais precisas dos delegados da PF.

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