A Nova Lei

A Nova Lei: 'Minority Report' - onde a prevenção é levada ao extremo

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3 de setembro de 2002, 13h06

Estreado como um dos maiores lançamentos do ano, o filme “Minority Report” conta com efeitos visuais e sonoros capazes de envolver o telespectador em situações absurdas e fantásticas. A história começa no ano de 2054, na cidade de Washington dos Estados Unidos da América, onde três jovens com poder de previsão ajudam a policia prevenindo homicídios e ajudando a prender os culpados antes da prática dos crimes, fornecendo imagens gráficas transmitidas a terminais informatizados. Desta maneira, os futuros homicidas são presos antes de causarem o mal indesejado à sociedade, e, através de aparelho de alta tecnologia, são colocados em estado vegetativo, como uma forma de prisão. A detenção dos “pré-culpados” é realizada por uma parcela especializada do Departamento de Justiça, com profissionais dotados de habilidades de reconhecimento rápido de informações através de imagens trazidas pelos “pré-cogs” (previdentes).

A trama é poderosa, persistindo no pessimismo, dor e sofrimento. Mensagens implícitas estão distribuídas pelo filme, algo que caracteriza os escritos de Philip K. Dick. que também inspirou outro sucesso (“Blade Runner – O Caçador de Andróides”), abordando temas da “pós”-modernidade. A valorização do lado negativo é primeiro percebido pelo ambiente do cenário utilizado, graficamente alterado para concentrar-se em cores escuras, como a cinza, que caracteriza os ambientes urbanos. Por vezes, existem poucos objetos multicoloridos, que parecem servir como ponto inconsciente de atração do telespectador, assim como um contraste ao negativismo, embora o final do filme é prenunciado por um colorido quase normal.

O filme representa um mundo onde os anseios e desejos consensuais da população são levados ao extremo. Neste aspecto, o sistema de direitos é desvirtuado para se atingir a eficácia da lei criminal da forma mais efetiva possível, o que não se compatibiliza com o mundo jurídico atual, trazendo implícita uma alteração geral na esfera legislativa, que será abordada mais tarde. Mesmo assim, o filme não é explicitamente tendencioso, não avaliando diretamente se as mudanças são benéficas ou não, embora a finalização da trama pareça dizer o contrário, não há elementos suficientes para se verificar uma parcialidade.

Observa-se que aqui não seja possível narrar a trama, o que se faz de forma bastante tímida, porém, nem o mais hábil analista é capaz de trazer a tona a crítica do filme sem revelar algo da narrativa, o que seria bastante para desestimular leitores que querem realizar o primeiro contato com a estória através do próprio filme.

A distorção maior em termos de conceitos se dá no que tange a segurança jurídica, na qual se vislumbra “dois pesos e duas medidas”. Em relação à atualidade, os pré-criminosos têm seus direitos restringidos em face dos infratores do nosso tempo, pois atualmente se utiliza o princípio “in dubio pro reo”, enquanto no Pré-crime, as incertezas que pairam sobre as imperfeições do sistema de pré-reconhecimento são ignoradas pela maioria, que não conhece as falhas, e mesmo aqueles personagens que tem ciência disto preferem manter os problemas do “pré-crime” que condena inocentes, justo por causa das vantagens evidentes que proporciona. Assim, o pequeno percentual de erro é ignorado em favor da tutela de bens considerados mais importantes no caso concreto.

No direito atual, os criminosos respondem na medida dos seus atos, assim, todos devem responder apenas pelo que cometeram, e, se a abordagem policial se der antes da execução final do crime, pelo direito penal vigente, este deve ser punido pela tentativa, desde que também não se configure conduta tipificada em outro artigo que não o do homicídio (v.g., lesões corporais). Porém, por causa das falhas no sistema de pré-reconhecimento expostos mais ao final da trama, se o possível infrator for preso pela autoridade policial ainda na fase preparatória ou inicial do “caminho” do crime, então, com menor segurança é possível se dizer se este seria de fato um criminoso, visto que a desistência na sua execução é maior naquele que ainda começa nesta trajetória, porque este tem um caminho mais longo que aquele que já está na execução, pois, até que o infrator que está iniciando a preparação atinja a execução do delito, terá muito mais obstáculos e tempo para desistir que aquele mais adiantado na execução. Assim sendo, quanto mais cedo os pré-reconhecedores prevêem, quanto menos se saberá com maior certeza que a vontade subjetiva do agente o guiará para a prática do crime. Neste ponto, há de apontar uma contradição lógica no filme, mesmo que não possua muita importância para a discussão aqui elaborada. Neste sentido, se os pré-reconhecedores da conduta criminal não são capazes de prever subjetividades (que levam ao ato) com certeza absoluta, não são capazes de prever coisa alguma, visto que os fatos que levam o criminoso ao crime são intercalados por inúmeras outras condutas subjetivas também não sucessíveis de previsão (pela mesma lógica), mas que representam causas eficientes no juízo de convencimento do agente, levando-o ao crime. Quer dizer, é possível que a animosidade que leve o autor do crime a matar a vítima seja interrompida por um pedido de desculpas por parte da “pré-vítima”. Desta forma, os erros de um sistema de previsão como este são potencializados com a complexidade social intersubjetiva e comunicativa. No entanto, não é o objetivo do filme ser coerente, mas sim envolver ação e crítica numa mesma cápsula.


Por outro lado, o filme é omisso quanto ao tipo criminal que os pré-criminosos devem ser enquadrados, porém, parece mais coerente que houvesse uma modificação na legislação daquela época. Se cogitarmos que o grau de certeza na concretização do crime pelo pré-criminoso é de 100% (que, pelo exposto, não é, mas se aproxima bastante pelos fatos narrados no filme), então, mesmo assim, é possível que haja empecilhos para se aplicar a pena na sua forma “integral”, quer dizer, crime consumado e com todas as agravantes e atenuantes de um crime consumado como o previsto pelos “pré-cogs”, como se o agente tivesse alcançado o objetivo querido pelo crime. O obstáculo existe porque os critérios que levam o legislador a cominar pena menor no crime tentando se dá por causa da menor culpabilidade (reprobabilidade social), visto que a conduta é tão ilícita quanto a do crime que obteve “sucesso”, sendo reduzida a conseqüência penal pelo resultado que causa na sociedade quando o sujeito falha. Acreditamos, portanto, que a certeza que o crime seria praticado não gere repúdio igual ao que aquele que teve seu objetivo concretizado, porém, não é com absoluta certeza que se pode afirmar neste sentido, visto que o filme não fornece informações para uma conclusão final, e, desta forma, seria necessário uma análise social daquele tempo para se retirar conclusões desta ordem, análise que não pode ser realizada porque aquele tempo não existe e nunca existirá. Sendo assim, é possível imaginar para o crime “pré-visto” uma pena intermediária entre a do crime consumado e a do crime tentado, ou mesmo o estabelecimento de tipos penais que incriminam aqueles que já praticaram parte da preparação para o ato futuro que é repudiado (cuja certeza do dolo se dá com a previsão), mesmo que esta preparação seja bastante reduzida, como, por exemplo, a compra de uma arma clandestina, que, segundo as previsões, será usada no crime, ou até mesmo a contratação de uma mão-de-obra do crime (co-autores). Desta maneira, se apreenderia os criminosos pontenciais, utilizando-se a teoria aristotélica do ato e da potência, sabendo que a potência contêm as qualidades do objeto e da situação que este se encontra (que levam pontencialmente a se manifestar de determinada forma, assim como o fósforo é fogo em potencial em determinadas circunstâncias, embora ainda não o seja), criminosos potenciais são afastados da sociedade como uma forma de prevenção, já que a probabilidade na concretização deste mal é alta.

O filme não analisa o resultado indireto da atuação do Departamento Pré-Crime na realidade, mas é certo que em um sistema como este haveria um maior número de condenações, assim como uma superior prevenção ao mal social (resultado do crime), evitando que o criminoso atingisse o seu objetivo. Assim, de certa forma, e apenas analisando este ângulo, geraria um aumento da efetividade na aplicação da sanção (prisão) acabando por coercitivamente desestimular a ação se movida com relativo grau de racionalidade instrumental, principalmente nos crimes premeditados não passionais, já que a realidade demonstraria que o crime não é meio hábil (instrumental) para estimular uma suposta satisfação de interesses (no sentido lado da acepção).

Além das falhas inerentes ao sistema, que captura um percentual baixo de inocentes, (pré-criminosos que não são de fato criminosos), existem falhas que derivam do fato de que a imagem não é meio hábil para perceber todas as situações de um suposto crime, quer dizer, não são capazes de reconhecer em alguns casos a atuação da coação física irresistível como um excludente de culpabilidade, como o próprio filme vem a demonstrar. Enquanto, por um lado, em raciocínio já desenvolvido, as incertezas atuais do processo penal servem para beneficiar o réu, a imagem retira o benefício da dúvida, visto que fornece provas incontestáveis da prática do ilícito, quando é possível que no caso concreto não se configure crime por causa de coisas que não reveladas na imagem fornecida, visto que a imagem (prova) só poderia ser atacada com outras provas, no entanto, estas são muito possivelmente inexistentes porque a maioria delas só seria produzida através do início da fase de execução do crime, que pode não ocorrer por causa da prisão antecipada. A imagem se revela como uma prova incontestável também porque, ao lado das provas mais efetivas do sistema, esta é uma daquelas cujo percentual de erro é bem baixo, quer dizer, se reconhecemos que a imagem pode ser contestada de forma simples, logicamente também o seria todas as outras provas, o que impossibilitaria o mais rigoroso dos processos crimes. No entanto, segundo o filme, os problemas do pré-crime se dão em casos muito específicos, e outros provenientes de uma manipulação do sistema pelos seus operadores, que não é diferente dos da atualidade, embora as falhas do pré-crime possam ser atenuadas com algumas técnicas, enquanto as nossas são estruturais, e em número bem maior. Assim, a eficácia total do sistema permanece quase inalterada, em padrões muito maiores que os atualmente conseguidos, justificando a manutenção de um sistema de tal ordem, além do benefício social que gera, através da prevenção ao máximo.


Como já foi aqui analisado de forma parcial, a realidade do filme desvaloriza alguns direitos em favor dos direitos da maioria, prezando pela segurança da possível vítima (porém ainda não vítima, que talvez nunca seja vítima), em detrimento da liberdade do possível agressor (que é agressor potencial, provavelmente um futuro criminoso). Na sociedade do filme, a desvaloração destes direitos não causa comoção social porque a população não conhece as poucas falhas do pré-crime, e, mesmo quanto aos direitos que a população conhece que são desvalorados, esta óbvio que o povo preferem mantê-las pelos seus benefícios (“Pre-crime, it works!”), quer dizer, em favor de direitos considerados mais importantes no caso concreto.

No entanto, face aos erros do sistema do pré-crime, de certa forma, é possível que alguns dos direitos do filme tivessem a mesma intensidade que os atuais, já que grande parte destes não são disvirtuados na sua idealização, mas na execução, já que a cegueira social não permite que se perceba que a aplicação se dá de forma errada. E como a forma (aplicação) e a essência (conteúdo) só são separadas na abstração humana (entendendo forma e essência no sentido filosófico e não jurídico), e, na realidade, são indissociáveis uma da outra (forma e essência são na prática uma só), os vícios da forma acabam por transformar a essência efetiva do objeto, embora a nossa abstração viciada indique que não, visto que, conforme este raciocínio, só haveria uma mudança de forma e não de essência.

Outra conseqüência do Pré-crime é que, com o rompimento dos limites temporais, é possível (embora bastante improvável) que o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica seja ferido quando a norma penal superveniente torna lícita a conduta, através da inclusão de excludente de culpabilidade, ilicitude ou simples modificação no tipo ou conceitos do Código, inclusive o que se classifica como conduta dolosa e culposa. Quer dizer, o sujeito é preso antecipadamente por um crime que ainda não cometeu, no entanto, na época que os fatos seriam praticados, a conduta é descriminalizada, e, por isso, se prende um inocente. Hoje pensamos que a descriminalização e conseqüente soltura do indivíduo não gera ilícito civil e direito à indenização porque, na época dos fatos, a conduta era ilícita, sendo solto por causa da descriminalização. No entanto, se a conduta era lícita no tempo da prática do crime, no caso do Pré-crime, deve o preso ser “reparado” pelos prejuízos provenientes? Conforme o direito atual, este deve ser compensado, no entanto, naquele sistema, não é possível dizer com certeza, mas é viável que um sistema jurídico que permite flexibilidade para prisão de um sujeito mesmo antes de este manifestar qualquer vontade ou mesmo pensar em praticar o crime (ou até conhecer a vítima) disponha sobre regras penais que atenuem o dano na aplicação da sanção criminal para o “pré-criminoso”, ou torne inaplicável o sistema do pré-crime para alguns tipos de homicídios, embora a indenização para o preso injustamente seja o caminho mais provável. Nunca é possível que as regras jurídicas incriminadoras tenham efeito ultra-ativo para casos de prisão antecipada no Pré-Crime, porque o infrator praticou a conduta na época dos fatos sabendo que esta prática não seria ilícita, visto que no tempo que os fatos supostamente incriminadores eram praticados a conduta não era ilícita, mesmo que os pré-reconhecedores tivessem previsto em uma época que o sistema não permitia este ato, gerando a prisão dos pseudocriminosos. Desta maneira, seria ilógico que um sistema não permitisse a indenização para aqueles que praticaram atos lícitos, segundo a lei da sua época, porque, caso contrário, seria necessário rebaixar os direitos individuais quase ao nível da insignificância para prender antecipadamente aquele que cometeu um ato que não era crime quando este o praticou. No entanto, se os pré-reconhecedores tem o pontencial de saber o futuro, seriam capazes de saber quais atos não são crimes? Pensamos que não, pois, se assim ocorresse, as elaborações no campo do direito penal seriam antes previstas pelos previdentes do que seriam elaboradas pela doutrina e legislação, algo como consultar o oráculo para se saber o que se deve fazer no direito, algo que não ocorre no filme, e, por isto, não se leva em conta.

Cabe atentar que a utilização da nomenclatura “pré-criminoso” é uma forma sarcástica de classificar os criminosos daquele tipo, visto que o direito não pode incluir na sua organização a figura do “pré-criminoso”, pois, ou este praticou uma conduta ilícita ou não a praticou, ou é criminoso, ou não é. E, para se ser criminoso, é necessário algo de concreto, sendo que no “pré-crime” a certeza do acontecimento tornava concreto uma previsão, de forma antecipada. Quer dizer, subsistindo as condições anteriores, aquele acontecimento era tão certo como outro. Assim, o “pré-criminoso” é de fato um criminoso, assim como o Departamento “Pré-crime” é uma atividade de prevenção e apreensão de criminosos.


Situação mais comum, mas semelhante a pouco citada, quer dizer, direito à indenização quando a conduta era lícita na época dos fatos, é quando na época da prisão os instrumentos de investigação não permitam encontrar provas sobre a inocência do preso, porém, no tempo em que o ato previsto seria praticado a tecnologia estivesse evoluída o bastante para perceber que o ato não infringia qualquer norma penal (conduta típica, culpável e ilícita, sendo que a última é denominada por muitos como antijurídica). Desta maneira, a indenização parece ser cabível pela mesma lógica aplicada ao sistema anterior.

Pode-se pontuar que a existência destes super dotados com poderes de previsão é uma afronta aos direitos de privacidade, porém, se as previsões ocorrem sem a vontade destes, mas de forma inevitável, como em pesadelos, estes não poderão ser punidos criminalmente pelos atos (conforme legislações de países que punem tais atos), visto que não se configura qualquer resquício de conduta dolosa e, portanto, ausente a culpabilidade. Porém, em caso de invasão de privacidade nas previsões, o governo nunca poderia se aproveitar destes poderes. Cabe aqui uma explicação, ocorre um tipo de invasão da privacidade no caso apontado porque, embora estes aparentemente só tenham poderes de previsão para homicídios, a capacidade de previsão sobre fatos da vida privada invade a esfera particular, visto que efetuados sem qualquer autorização judicial prévia, também revelando fatos outros que não interessantes ao homicídio em si, e que em nada aproveitam a perseguição penal, que no entanto pertencem à esfera particular, e só a ela. Abala-se a privacidade em raciocínio análogo ao empregado para excluir a prova ilícita porque o instrumento meio é ilegal (como a revista ilegal, grampo telefônico sem autorização, etc), afetando todas as provas dela provenientes, como sustenta a Teoria do Fruto Proibido, bastante em voga no direito americano. No entanto, por certo que a invasão é permitida pelo sistema jurídico do pré-crime, visto os fatos mostrados pelo filme, e, por esta razão, contrastam com o nosso direito atual. Também não se sabe ao certo se esta invasão é instituída pelo sistema como uma exceção ou a sistemática jurídica como um todo acopla este tipo de procedimento. Parece mais correto afirmar que a segunda resposta seja a certa, pois a restrição de direitos no filme se dá em vários casos, em favor de direitos proporcionalmente mais importantes.

No entanto, os direitos mais radicalmente suprimidos são os dos jovens “pré-cogs”, tratados de forma sub humana, expostos a toda sorte de pesadelos, sendo isolados do mundo pelo governo, visando evitar fraudes provenientes deste contato do mundo com os jovens. Esta exclusão impossibilita o estabelecimento de qualquer vínculo emocional, mesmo que os seus poderes perturbadores impeçam de certa forma a vivência em sociedade. De qualquer forma, a liberdade destes superdotados é suprimida, e mesmo que estes consentissem, percebemos que, conforme a atual Constituição pátria e o direito de vários países, aqueles direitos nunca poderiam ser alienados da forma que foi realizada. Ignora-se mais uma vez o direito de alguns poucos em favor da maioria. E, talvez seja esse o futuro do ordenamento jurídico, mesmo que em menor escala. Logicamente, no sistema hipotético do filme existem muitas outras variáveis a serem cogitadas, no entanto, em uma realidade próxima, quando os instrumentos de destruição se tornarem tão acessíveis que a violação de um direito seja tão fácil quanto pressionar um botão, sendo que botão está exposto ao acesso de inúmeras pessoas (senão quase infinitas), então, é necessário diminuir ainda mais a esfera de autonomia individual em prol da coletividade, aumentando o controle e tutela intervencionista direcionada, caso contrário, impossível é o desenvolvimento do capitalismo ou qualquer outra forma de sociedade que se inspire em um modelo de vida com qualidade. A restrição na esfera individual deve ser avaliada pelo legislador levando em conta o custo/benefício. Quer dizer, se o benefício social de uma maior restrição supere o custo, esta deve ser realizada, porém, na medida que uma maior restrição não traga proporcionais benefícios, então, devem-se manter tais direitos individuais. Não cabe aqui apontar quais critérios servem para o custo e benefícios, assim como qual custo supera o benefício e qual não o faz, mesmo sendo possível aplicar a esta teoria a crítica de Kelsen (elaborada no “O que é a Justiça?”), que a taxaria como fórmula vazia de justiça, pensamos que não é justiça que se visa, assim como os critérios a serem levantados devem ser feitos pelo legislador. No entanto, cabem algumas críticas ao sistema atual, hoje é possível se dizer, ante a facilidade de compra de instrumentos meios para o homicídio, e a forma crescente que a cultura tem incitado a violência, além do aumento das técnicas para ocultar o crime, levando em conta bem social que representa a vida, acreditamos que o benefício em se aceitar provas atualmente taxadas como ilícitas em processos de homicídios parece superar os custos de uma possível estimulação de uma corrida de espionagem (estilo caça ao tesouro), em busca de incriminação de pessoas geralmente públicas e/ou poderosas através de provas supostamente imorais. É, possível, por exemplo, admitir a prova hoje considerada “ilícita” (nesta teoria tido como lícita) apenas quando existem outras provas que servem como indício da prática do ato, o que não é suportado pelo sistema legal atual, necessitando determinação legislativa, inclusive, modificação na atual Constituição. No entanto, como acontece hoje, submeter o regime de provas à prévia autorização judicial é criar embargos (leia-se burocracia) que acaba por destruir a chance de prisão e o próprio direito material criminal a ser tutelado por falhas na execução (mais uma vez, a forma e a matéria filosófica), visto que os criminosos estarão muito provavelmente saberão da decisão judicial (autorização para grampear, por exemplo), utilizando-se de instrumentos ilegais para possuir esta ciência ilícita, visto que tais processos tramitam em segredo de justiça. É uma luta desleal, de um lado, o Estado, que age pela estrita legalidade, aliás, uma legalidade que protege de forma excessiva os direitos individuais dos criminosos, de outro lado, o criminoso, que muitas vezes se utiliza um arsenal enorme de instrumentos ilícitos. Cabe pontuar que o criminoso a pouco descrito possui capital bastante para corromper o sistema, e justamente porque é um criminoso não se haveria embargos morais opostos por este impedindo que este pratique mais um ato ilícito, assim, o “marginal” muito provavelmente mediria mais objetivamente as vantagens da prática do ato ilícito (custo/benefício, incluindo no custo o risco da operação) que o homem normal, mesmo porque uma pessoa comum, nestas circunstâncias e problemas com a justiça, muito provavelmente olvidaria a moral em prol do benefício da liberdade. Se o sistema do Estado possuísse fontes monetárias bastantes para cobrir a atual desvantagem para com os criminosos, seja pela produção de provas que envolvem alta tecnologia e/ou por um sistema de vigilância interna maior, então, as desigualdades entre os dois rivais (Estado x Crime) seriam atenuadas, no entanto, não é o que acontece no Brasil, ou melhor, não é o que acontece na esmagadora maioria dos países, da qual o Brasil humildemente se incluiu.


O pensamento a pouco empregado não legitima a pena de morte (restrição dos direitos dos presos em favor da coletividade), pois, embora haja diminuição nos custos do Estado (que representa a coletividade e os impostos que estes pagam para manter a estrutura), causam grande dano social desnecessário, pois, se a prisão for bem executada, neutraliza a grande maioria dos criminosos com uma boa eficácia e ainda o reeduca, enquanto a pena de morte é a máxima da pena de cunho de retribuição, não havendo reeducação, apenas coação, além das vantagens relacionadas à prevenção. Este sistema que não visa a reeducação, mas mata os seus criminosos em vez de colocá-los livres após certo prazo, assim, a prevenção é maior justamente porque pessoas mortas não cometem crimes, e o grau de reincidência de criminosos que “mereçam” tal pena é bastante grande. Isso também não quer dizer que aqueles Estados com problemas de prisão devam eliminar seus criminosos, visto que, muito provavelmente estes mesmos Estados problemáticos possuem justiças ineficientes, acabando por condenar grande número de pessoas inocentes. “Ad argumentandum”, acreditamos que a morte seja meio inábil para qualquer coisa.

Também é necessário pensar se a prisão efetuada no filme (colocando os detentos em estado vegetativo através de aparelho) não é desumana. Conforme o direito brasileiro, parece correto dizer que sim, pois, se a existência do ser está no seu pensar (“cogito ergo sum”), “apagar” o pensamento é o mesmo que temporariamente eliminar o sujeito, o que evita o caráter da pena como uma educação, persistindo apenas uma retribuição ineficiente de um mal social com outro, visto que o estado vegetativo é bem menos coercitivo para o criminoso que a prisão (surgido da “penitentia”, penitenciária), pois pode ser encarada por alguns como um sono temporário, enquanto outros a vêem (e com razão) como sendo uma sanção exagerada. Evidentemente, se o gosto da vida pelo criminoso é bem reduzida, provavelmente irá querer o sono de forma que pratique o crime justamente para ser “executado” temporariamente. Enquanto a prisão é uma restrição da liberdade, a dormência temporária é a alienação total da liberdade individual. Desta maneira, se verifica que esta fraca retribuição é meio apenas para a prevenção social parcial, quer dizer, capaz apenas de isolar o indivíduo da sociedade, para que não continue em atividades desvaloradas pelo sistema, seja dentro ou fora da prisão. Também não se analisa aqui as inúmeras atrofias musculares que tal medida causaria, reforçando a desumanidade da medida. Cabe fazer uma observação, segundo o direito americano, e de muitos outros países, a pena de morte não é uma sanção cruel e só o será se a morte for causada por instrumentos que causem dor desnecessária, seja porque seu projeto foi mal elaborado, (“a priori”) criando incômodos desnecessários, ou porque o aparelho contém defeitos (“a posteriori”).

Os “pré-cogs” são os “julgadores” daquela modernidade. Por óbvio, não se utilizou a palavra “julgadores” no sentido técnico, visto que não há devido processo judicial (nos termos atuais) que legitime um julgamento, tão pouco os pré-reconhecedores estão investidos na função jurisdicional (embora estejam investidos em outra função, através do mesmo direito, diga-se de passagem, função muito mais essencial que do Juiz atual). Naquela realidade, as capacidades dos previdentes de gerar provas são definitivas, quer dizer, as provas são praticamente incontestáveis, gerando uma condenação baseada apenas no poder de previsão destes. O filme é omisso quanto à existência de um processo judicial, mas por esta omissão é possível dizer que não há julgamento de fato, e que as pessoas são condenadas de forma antecipada, “a priori”. O fato de colocarem os prisioneiros em estado de inconsciência vegetativa após a sua prisão é bastante para indicar que não há respeito ao princípio da ampla defesa, já que um “vegetal” não pode participar ativamente da sua própria defesa, sendo este este que deveria fornecer informações para a sua própria defesa, a ser elaborada nos termos jurídicos pelos advogados. Desta maneira, se admite “visões” (previsões) como provas, e. como explicado, constituem provas praticamente incontestáveis, senão por possibilidades a serem criadas pelos próprios policiais, ante a análise do material incriminador (imagens).

Destarte, além do argumento da desumanidade, existe mais um para descartar aquela forma de prisão “vegetativa”. No todo, o sistema é bastante eficiente, mas, para melhorá-lo, deveria se substituir a forma de execução da pena, assim como propiciar ao acusado um devido processo legal, rebaixando a prova trazida pelos “pré-cogs” ao nível de outras provas que possibilitem absolvê-lo. Por óbvio, sabido o tempo do crime, os policiais devem esperar algum tempo antes de prender o acusado, assim, o caminho do crime se desenvolve o bastante para que o “pré-criminoso” produzisse fatos o bastante para o incriminarem, através de preparação e começo da execução. Se o pré-crime é um instituto mais eficiente que o processo judicial, deve-se mantê-lo desde que não seja possível complementação dos dois métodos, quer dizer, o jurisdicional e o do pré-crime. No entanto, no mundo atual, ou qualquer mundo que surgirá no futuro, o processo judicial não pode ser descartado, evidentemente porque não existe método tão eficiente e tão universal (para todos os tipos de crimes) quanto este, na qual as provas criadas pela tecnologia devem apenas participar do processo, nunca substituí-lo. O processo judicial pode ter a sua forma modificada, mas o fato de ser um processo e de se desenvolver em etapas nunca será alvo de modificações, não importando se seja armazenado em autos de papel ou disquetes. Aliás, é a conclusão que o filme leva.


O problema de queda na credibilidade daquele sistema é a possibilidade de divergência entre os três entre os pré-reconhecedores. Daí se origina o nome “Minority Report”, uma divergência entre os “julgadores” que não permite proposição dos correspondentes embargos. Como anteriormente explicado, esta idéia se centraliza no fato que ninguém é capaz de prever com absoluta certeza os passos de um ser humano, justamente porque a maioria dos atos se fundam em vontades internas, que, analisadas do exterior, são entendidas como arbitrárias e subjetivas, e por isso imprevisíveis, ou melhor, com probabilidades incertas e desconhecidas, agravadas pelo fato das circunstâncias de um determinado caso não se repetirem uma única vez para gerarem um padrão de comparação. Mesmo assim, a realidade montada pelo filme não é pior do que o atual. O trânsito em julgado de uma sentença não confirma que atingimos a melhor aplicação das regras jurídicas para o caso concreto, ou que as provas manifestaram a verdade no caso, mas que o procedimento correto e a probabilidade nos indicam grandes chances de sucesso, com indícios de que o resultado foi atingido. É a concretização do ditado: “O caminho só existe quando você passa”, dedução da frase do poeta espanhol Machado (autoria segundo Castanheira Neves) “Caminhante no hay camino, se hace camino al andar”.

A conclusão mais interessante é que a legitimação de uma justiça parece se fundamentar em anseios mais metafísicos da população do que propriamente especulações racionais e instrumentais. O povo vincula as decisões judiciais e os processos a seus próprios anseios e desejos individuais (particulares) sobre a Justiça. Vista por todos, do alto de uma colina, a Justiça aparenta ser bastante graciosa, por motivos bastante diferentes de uma pessoa para outra. Estes ares de perfeição surgem de análise subjetiva que impede que se instaurem processos mais eficazes, desta forma, o desenrolar do pré-crime tem como maior defeito tornar seus erros mais evidentes que os processos atuais, visto que não são envolvidos pela neblina da técnica e por isto podem ser repudiados pela massa da população. Assim, o problema de alguns processos mais eficazes tem problemas que alcançam uma dimensão que pode ser medida de forma bem mais exata que os atuais sistemas judiciários. O fato é que no sistema atual não é possível dizer exatamente quanto se erra, em termos matemáticos, e, desta forma, enseja o esquecimento por grande parte da população, que os ignora, preferindo os anseios subjetivos de justiça, na verdade mitos de Justiça, que camuflam os erros do Poder Judiciário, erros que não podem ser afastados totalmente, infelizmente.

Outro raciocínio que pode ser extraído é que a divergência é inerente à análise da realidade humana pelo prisma subjetivo, e que as “falhas” na análise e execução existirão enquanto o trabalho for realizado por humanos, cujas vontades e interesses nem sempre coincidem com os instituídos pelo órgão que fazem parte, e, de forma dolosa, podem se aproveitar das brechas do sistema. Cabe dizer que a realização como uma atividade humana existe mesmo se for processada por uma máquina, pois o homem, ao programar a máquina, atua indiretamente no resultado por ela gerado, e por vezes até diretamente, emitindo vozes de comando supervenientes.

O que mais pode causar indignação é o fato de poder se punir o autor de um crime futuro sem que este conheça a vítima e/ou as razões que o levaram ao delito, o que parece estar concretizando uma punição de inocentes. Porém, isto é devido a noções da realidade atual, porque as afirmações da mundo concreto conduzem-nos a uma lógica diferente da posta no filme. Por isto, tenderíamos a repudiar a idéia, em uma primeira analise. Porém, se o sistema tem uma eficácia de condenação maior que a conseguida pelos meios hoje utilizados, não há razão racional para simplesmente afastar a idéia. Se o criminoso não conhece a vítima, se suprimirmos o fator tempo, decisivamente este irá conhecê-la e matá-la, no futuro. Não haveria porque esperar senão para coletar provas, nos termos antes colocados.

Embora o pré-crime seja um sistema impossível, a título de discussão, o tema é bastante válido porque traz temáticas interessantes, criticando o mundo atual que tende a valorizar direitos menos relevantes perante direitos que se verificam muito mais importantes no caso concreto através do choque de direitos constitucionais na casuística. Através de legislação inovadora, é necessário suprimir parte desta intocável esfera individual para favorecer interesses individuais homogêneos e coletivos. Como já afirmado, a teoria das provas ilícitas no campo do direito penal se verifica como um empecilho para os próprios direitos defendidos no direito penal. Como mencionado, percebemos que os instrumentos de proteção aos direitos suprimem estes na sua execução e tutela. Existem várias formas de se atuar protegendo interesses mais importantes. É possível que se institua tipo especial de tipo e pena para invasão de privacidade visando utilização para incriminação por autoridade do Estado, e, assim, se houver direito mais relevante, a utilização da prova deve ser permitida por lei, aplicando-se no caso excludente de culpabilidade (estado de necessidade), absolvendo o espião (sempre funcionário público com função policial, nunca particular visando incriminar outros), visto que o direito que visava proteger era mais importante que o infringido, tornando inexigível conduta diversa. Desta maneira, se a prova visar provar ou prevenir casos de extrema relevância, como homicídios, e for produzida por funcionário público com competência para tal, então, e somente assim, a prova deve ser utilizada, assim como, se houver indícios bastante relevantes sobre a autoria ou a prática do ilícito (homicídio), o policial que perturbar a esfera individual para tentar adquirir provas não pode ser punido, mesmo que não tenha sucesso. No entanto, deve-se regular de forma bastante rígida a forma desta “invasão de privacidade”, sendo que só será realizada se autorizada por chefe de polícia, ou apenas a mando deste. Por outro lado, crimes de menor porte não devem dar ensejo à utilização deste tipo de prova, devendo ser taxada como ilícita e punindo aquele que a extraiu.

Também é necessário instituir “medidas de segurança” independentes da prática do crime, apenas com representação de periculosidade à sociedade de forma presumida, na forma tratada pelo Código Penal Brasileiro anterior às alterações de 1984. Também deve-se afastar preventivamente algumas pessoas da sociedade para reeducação se verificado que a pessoa sofre de problema psicológico que impede a compreensão das regras instituídas (mesmo ainda não tendo praticado qualquer conduta), ou mesmo em casos de problemas psicológicos que não excluem a conduta, como real desgosto pelas regras jurídicas de forma anti-social, quer dizer, querendo atuar desrespeitando as normas porque não aprecia estas, ou o Estado que a estabelece ou até a população que legitima o mesmo estado, desde que manifestado real intento de praticar ilícito com potencial social danoso. É necessário, através de lei, permitir que se afaste pessoas problemáticas que já realizaram alguns tipos de crimes de mera conduta, não permitindo penas alternativas para determinadas ameaças que demonstram que podem desembocar em em crime de alto potencial ofensivo, visto que se encontrou provas e indícios de um estado preparatório. Com a mesma

sugestão dada ao pré-crime em parte anterior do texto, é possível instituir pena anterior a execução e a tentativa de concretização, que, mesmo quando a sanção penal não seja aplicada porque não ficou evidenciada a certeza da prática do ato ou ilícito consumado ou tentado, possa-se punir o pouco que já se cometeu (atos preparatórios) desde que provada a finalidade dolosa desta preparação premeditada, quer dizer, a mera compra de arma irregular visando matar alguém dá ensejo à prevenção, sendo que a atitude dolosa poderá ser percebida através de vários tipos de provas, inclusive algumas hoje apontadas como ilícitas.

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