Contra a maré

TST aplica dispositivo de lei em confronto com jurisprudência

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2 de setembro de 2002, 15h07

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou, por unanimidade, que o Estado do Ceará deposite as contribuições para o FGTS na conta vinculada de uma atendente de enfermagem. Desde a edição da Medida Provisória que considerou devido o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço ao trabalhador que teve contrato anulado, esta foi a primeira vez que o TST aplicou o dispositivo.

A MP nº 2.164-41, de 24/08/2001, que altera o artigo 9º da Lei nº 8.036/90 é contrária à jurisprudência firmada no TST sobre o assunto. De acordo com o Enunciado 363, o contrato é considerado nulo e o servidor tem direito a receber apenas as horas trabalhadas e não pagas, respeitando-se o salário-mínimo como menor remuneração permitida. O enunciado trata dos direitos do servidor público contratado, sem prévia aprovação em concurso público, após a Constituição de 1988.

Segundo o relator, ministro Luciano de Castilho, a existência do enunciado não impede a aplicação do dispositivo legal porque, hierarquicamente, o segundo prevalece sobre o primeiro. Ele disse que o Tribunal estabeleceu que, em caso de contrato nulo, é devido o pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o salário mínimo/hora.

“Além da contraprestação pactuada, entendo que a parte reclamante faz jus ainda à parcela relativa ao FGTS, pois, a par de não excluída por tal verbete sumular, o deferimento encontra respaldo no artigo 9º da Medida Provisória”, afirmou.

Toda e qualquer contratação ocorrida após a promulgação da Constituição de 1988, sem aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos (artigo 37, inciso II), é considerada nula. Segundo o relator, o administrador público tem, por lei, o dever de desfazer a contratação em nome dos princípios da legalidade e da moralidade administrativa.

O ministro disse que depois de reconhecida a nulidade da contratação, vem o questionamento sobre quem arcará com este ônus. “A prestação de serviços existiu e se simplesmente negarmos toda e qualquer responsabilidade do Estado que contratou, por torpeza ou má-fé, sem observar os princípios da Administração Pública, concluiremos pelo enriquecimento ilícito do ente público, porque teve a prestação do trabalho”, afirmou o ministro.

A atendente de enfermagem foi admitida pela Fundação de Saúde do Estado do Ceará (Fusec), em 1/2/1990, para prestar serviços no Hospital Regional Governador Gonzaga Mota, de Maranguape (CE). Na reclamação trabalhista contra a fundação, ela pediu o pagamento de diferenças salariais, adicional de férias, 13º salário, horas extras, adicionais de insalubridade e produtividade e FGTS.

Em primeiro grau, o Estado do Ceará foi condenado a pagar adicional de férias (1/3), o 13º salário e obrigado a depositar as contribuições para o FGTS. O Tribunal Regional de Trabalho do Ceará manteve a sentença, sob o argumento de que a regra do concurso público é dirigida ao administrador.

Na opinião dos juízes do TRT-CE, o fato de o Estado não observar o dispositivo constitucional não torna o vínculo empregatício inexistente. Por isso, o estado foi condenado a responder por todos os encargos trabalhistas existentes. “Não obedecida a regra, operou-se uma realidade inapagável do mundo jurídico porque, calcada no trabalho humano, gerando consumo irreparável de energia”, disse o acórdão cearense.

No TST, o Estado do Ceará sustentou que a decisão do TRT/CE foi tomada “ao arrepio da norma constitucional” e que a declaração da nulidade do contrato não gera efeitos retroativos, sendo devidas apenas as parcelas salariais do período trabalhado, já que o trabalho prestado não há como ser devolvido.

RR: 439.258/1998

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