Prerrogativa de foro

STJ suspende processo contra juiz do TRF paulista

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27 de março de 2002, 18h40

O Superior Tribunal de Justiça mandou suspender, nesta semana, o andamento da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal contra o juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Roberto Haddad.

A liminar foi concedida pelo ministro Fernando Gonçalves, a pedido dos advogados Sebastião Tojal e Flávio Caetano, do escritório Tojal Renault Advogados. A decisão suspendeu o processo que tramitava na 22ª Vara da Justiça de São Paulo.

O fundamento acatado foi o de que deve ser respeitada a prerrogativa de foro, em ações de improbidade administrativa que objetivam a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos de autoridades públicas.

Como Roberto Haddad está sendo investigado em inquérito criminal perante o STJ, entende-se que não há razão jurídica para que a Justiça Federal de 1º grau também aprecie os fatos. Os processos devem ser concentrados no STJ, que tem competência atribuída pela Constituição, para julgar qualquer integrante de TRF e, eventualmente, decidir pela perda da função pública e suspensão de direitos políticos.

O sistema jurídico não admite que um juiz de instância inferior possa decretar a perda da função pública ou mesmo o afastamento do cargo de um juiz de TRF ou mesmo de juízes do STJ ou do STF, uma vez que ocorreria subversão de competências.

A ação teve início depois que a Folha de S.Paulo publicou reportagem afirmando que Haddad e seu colega Paulo Theotônio Costa (já afastado do TRF) ostentavam sinais de riqueza que contrastavam com o padrão comum dos demais juízes.

Em recentes julgamentos, o STJ reconheceu a mesma prerrogativa de foro, em investigações feitas pela 1ª instância, contra os governadores Albano Franco (Sergipe) e Roseana Sarney (Maranhão).

Nos dois precedentes, decidiu-se que as investigações fundadas em condutas que pudessem ensejar a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos dos mencionados governadores deveriam tramitar perante o STJ, em conformidade com a competência que lhe fora outorgada pelo artigo 105, I, “a” da Constituição Federal.

Leia a decisão

Reclamação nº 1.135 – SP (2002/0031169-6)

Relator: Ministro Fernando Gonçalves

Reclamante: Roberto Luiz Ribeiro Haddad

Advogado: Sebastião de Barros Tojal e Outros

Reclamado: Juíza Federal da 22ª Vara Cível da Seção Judiciária do Estado de São Paulo

Interes.: Ministério Público Federal

Decisão

Cuida-se de reclamação (art. 105, I, f, da Constituição Federal) proposta por Roberto Luiz Ribeiro Haddad, Juiz do Tribunal Regional Federal da 3º Região, em face de decisão da MMª Juíza Federal da 22ª Vara Civil da Seção Judiciária do Estado de São Paulo que, ao acolher (fls. 127) a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal para responsabilização, por atos de improbidade administrativa, com pedido de liminar visando, basicamente, seu afastamento das funções de magistrado, estaria usurpando competência do Superior tribunal de Justiça. É que, segundo o articulado vestibular, em resumo, a admissão da hipótese importa na possibilidade de juiz de primeira instância afastar superior hierárquico, em “absoluta subversão do sistema jurídico brasileiro”, máxime porque a este assegurado constitucionalmente e prerrogativa de foro, caso processado por eventual prática de crime comum e de crime de responsabilidade, a teor do disposto no art. 105, I, a da Carta Política.

De outro lado pondera que a prática de atos de improbidade administrativa possibilita a aplicação de sanções idênticas àquelas decorrentes da autoria de crime, em especial no que diz respeito à perda da função pública e a de suspensão dos direitos políticos, de caráter eminentemente penal.

Pede, em conseqüência, após considerações várias, de ordem doutrinária e jurisprudencial, a suspensão imediata do processamento de ação civil pública, a fim de evitar dano irreparável, dada a iminente possibilidade de seu afastamento das funções de Juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e da indisponibilidade de seus bens, por ato de juiz absolutamente incompetente, requisitando-se, outrossim, informações à autoridade reclamada.

Com este breve relatório, decido.

No julgamento da Reclamação nº 591 – São Paulo – relatada pelo Ministro Nilson Naves, a Corte Especial houve por bem, em votação onde vencidos nove Ministros, adotar o entendimento de que malgrado caber ao Superior Tribunal de Justiça “processar a julgar, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os membros dos Tribunais Regionais do Trabalho (Constituição art. 105, I, a), não lhe compete, porém explicitamente, processá-los e julga-los por atos de improbidade administrativa. Implicitamente, sequer, admite-se tal competência, porquanto, aqui, trata-se de ação civil, em virtude de investigação de natureza civil. Competência, portanto, do juiz de primeiro grau.”

Em data posterior, no julgamento da Reclamação 780-AP, Relator para o acórdão o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, o entendimento foi ratificado pela Corte Especial, julgando improcedente reclamação proposta por Conselheira de Tribunal de Contas em face de ação civil pública contra ele ajuizada.

Mais recentemente, no entanto, na Reclamação 1018-SE, Relator o Min. José Delgado, posicionamento intermediário foi adotado pela Corte Especial, haja vista que no inquérito civil instaurado na instância originária, em face do Governador do Estado, apurava-se matéria criminal, com “desvirtuamento do que seria o foro privilegiado”, na dicção do Ministro Felix Fischer.

Fixado o debate nestes exatos limites, nos termos do disposto no inc. II, do art. 188, do Regimento Interno, merece prosperar o pedido de suspensão do processo, com o fim precípuo de se evitar dano de difícil reparação, resguardando-se, por outro lado, dentro do juízo perfunctório reclamado para o detrimento da medida, a competência do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, embasam a ação civil pública para responsabilização por atos de improbidade administrativa, a desaguar, liminarmente como requerido no Juízo de origem no afastamento das funções de Juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, como expressamente consignado na petição inicial subscrita pelo Ministério Público federal e sob apreciação da MMª Juíza Federal da 22ª Vara Civil da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, os mesmos fatos em investigações nos Inquéritos 281-SP e 300-SP (este último já com denúncia, na fase do art. 5º, da Lei 8.038/90), em tramitação nesta Superior Instância, a saber: a) bens cujo valor é desproporcional aos rendimentos e b) eventual falsificação de declaração retificadora de declaração do imposto de renda.

Haveria – nestas condições – apuração em ação civil pública por improbidade administrativa de fatos abjeto de investigação em sede de inquérito, em princípio, tipificados como infração penal, perante o superior Tribunal de Justiça, verdadeira, e indevida superposição com maltrato à regra da hierarquia funcional e desapreço à competência constitucional desta Corte.

Ante o exposto, firme no precedente (Reclamação 1018-SE), concedo, em caráter liminar, a suspensão do processo relativo à ação civil pública em curso na 22ª Vara Civil da Seção Judiciária do Estão de são Paulo até ulterior deliberação do Superior Tribunal de Justiça.

Requisitar Informações (art. 188, I, RISTJ)

Dar ciência.

Publicar.

Brasília, 25 de março de 2002.

Ministro Fernando Gonçalves

Relator

Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2002.

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