Sinal vermelho

MP arquiva representação contra spams no Paraná

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27 de março de 2002, 15h16

O Ministério Público do Paraná determinou o arquivamento da representação contra a prática de spam (envio de mensagens não-solicitadas), apresentada pelos advogados Amaro Moraes e Silva Neto e Omar Kaminski em maio de 2001.

O promotor de Justiça, Ciro Expedito Scheraiber, da Promotoria de Defesa do Consumidor do MP-PR, entendeu que “não se infere interesse de agir em eventual Ação Civil Pública, ou mesmo em propor ajustamento de conduta, nem sendo caso do crime do artigo 265 do Código Penal”.

Os autos foram remetidos ao Conselho Superior do Ministério Público e dependem de referendum do Colegiado que, depois de abrir prazo para manifestações da sociedade (recurso), poderá tomar nova decisão. O entendimento do Ministério Público é específico para o caso.

De acordo com Moraes e Kaminski, o envio de mensagens não solicitadas pela Internet atenta contra a segurança e regular funcionamento da Rede. Por isso, pediram a instauração de procedimento penal para a apuração de responsabilidades. A tese defendida é semelhante a interposta em São Paulo. (Veja notícia)

Segundo o promotor, “por enquanto não está o direito preparado para resolver uma situação recentíssima conseqüente da evolução tecnológica, mesmo porque há questionar se a lei ou o direito que deva fazê-lo”.

O promotor afirmou que em outros países já há decisões sobre o assunto, mas as vítimas entraram com a ação e “demonstraram efetivo prejuízo”.

“Portanto, pela só fenomenologia da remessa de spams, genericamente considerados, e por algumas, dentre milhares de detentores de endereços eletrônicos não se legitimaria o interesse social, ou público, a mover o Ministério Público na empreitada”.

Veja a íntegra do entendimento do promotor:

PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO PRELIMINAR Nº 0048/2001

Interessado: Omar Kaminski e Amaro Moraes e Silva Neto

Assunto: Práticas Comerciais – remessa de “spam” por e-mail.

Os eminentes advogados Omar Kaminski e Amaro Moraes e Silva Neto representaram ao Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná provocando a iniciativa do Ministério Público para apurar as responsabilidades de detentores de e-mails, haja vista estarem, através de spaming, “atentando contra a segurança e regular funcionamento da internet (um indiscutível serviço de utilidade)”

A representação se deu em face de 16 e-mails (…).

Dicorreram os eminentes interessados acerca da remessa de “spam” indesejados, asseverando que tais práticas dos detentores de endereços eletrônicos (e-mails) estão causando prejuízos econômicos aos destinatários (usuários da internet) e também lhe causam aborrecimentos pelo fato de receberem mensagens não solicitadas e em grande número, que proporcionam toda ordem de dissabores, invocando o direito de proteção à privacidade.

Acrescentam que esses “spammers” muitas vezes implantam programas no computador do destinatário que têm a função de monitorar o computador das vítimas, denominados “cookies” e que viabiliza a remessa de novos e reiterados “spams”.

Por entender que a internet constitui um serviço de utilidade pública, a prática inviabiliza a sua utilização, porque sobrecarrega os terminais, até dificultando seu funcionamento e isso constitui o ilícito penal do art. 265 do CP, terminando por requerer a identificação dos provedores dos “spammers” e seus logs, as vezes em que enviou e-mails e as vítimas para, também, ensejar a instauração de procedimento penal.

O procedimento foi protocolado no gabinete do Procurador-Geral de Justiça e remetido a este Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor para as providências.

Houve, na Promotoria de Justiça, a juntada de documentos (fls. 17/35) e a deliberação às fls. 36 de que o setor de informática prestasse a informação do real comprometimento, no aspecto técnico, do equipamento em razão dos “spams”.

Os advogados interessados apresentaram similar representação em face de outros titulares de e-mails, no Ministério Público de São Paulo.

A Promotoria de Justiça de São Paulo respectiva entendeu por não acolher o pedido de instauração de inquérito civil, por deliberação da lavra do Promotor de Justiça do Consumidor, Doutor Edgard Moreira da Silva. Sobreveio recurso, posterior manifestação do Promotor responsável e final decisão do Egrégio Conselho Superior do Ministério Público daquele Estado, corroborando o entendimento do agente daquele parquet (v. docs. de fls. 20/89).

Dando azo à solicitação desta Promotoria de Justiça, o coordenador do setor de informática deste Ministério Público prestou esclarecimentos técnicos sobre a questão (fls. 91).


É o sucinto relatório.

Trata-se de uma das novéis questões decorrentes do uso de informática como meio de comunicação célere e, ao mesmo tempo, de fácil utilização econômica. Isso resulta na utilização intensa, inclusive pelo segmento comercial, como instrumento de intensificação de práticas comerciais, pela realização de compra e venda de produtos e serviços – e-commerce mas, principalmente, pela intensa oferta publicitária – o webmarketing.

Implicações diversas tem gerado quanto a aplicação do direito a regular tais relações, porque novas figuras jurídicas e novos protagonistas surgiram dessa prática, que nem sempre encontra um direito já posto, preparado para tutelá-las.

O “spam” constitui, então, uma forma de remessa de informações, em geral publicitárias, via e-mails e que, pelo volume que se dá, poderá causar uma série de aborrecimentos e até prejuízos de ordem econômica àqueles que não têm interesse nesse material virtual a que se tem denominado de “lixo eletrônico”.

Fundado nisso, pretendem os interessados ver aplicadas sanções penais e civis aos que remetem tais e-mails, porque considera um abuso contra o regular funcionamento da internet, que por considerar os seus serviços de “utilidade pública”, representa verdadeiro atentado, a configurar o delito do art. 265 do Código Penal.

A considerar a tese esposada pelos especializados profissionais, razão assistir-lhes-ia, pois, afinal, se hoje o serviço da internet for interrompido, no contexto nacional e até internacional, implantar-se-ia o caos.

Como barata e rápida é a utilização da internet para a veiculação de publicidades, o volume é tal que há pessoas (físicas e jurídicas) comercializando listas de endereços eletrônicos (mailing lists) que proporcionam uma enxurrada de correspondência atingindo em tempo presente até milhões de potenciais consumidores.

Essas listas constituem banco de dados que, por estarem inseridos no contexto das relações comerciais e de consumo, estão sob a égide do direito do consumidor e, por isso, para serem formados dependem de autorização prévia dos titulares desses endereços (v. a respeito a tese “Mailing Lists e o Direito do Consumidor”, de autoria do Promotor de Justiça Ciro Expedito Scheraiber, aprovada por unanimidade no XIV Congresso Nacional do Ministério Público, acerca do assunto).

Se por um lado a questão da formação de banco de dados de consumo de endereços eletrônicos esteja sob a tutela do direito do consumidor, mais dificuldades se encontra de taxar como ilícita ou irregular a remessa tão só de reiteradas correspondências a diversas caixas de endereços eletrônicos.

É que o nosso direito ainda não evoluiu para regular tal comércio, a ponto de tratar a questão como tal, de forma a que o “direito” venha tolher as intensas facilidades que o poder da tecnologia proporciona.

Certo que milhares ou milhões de detentores de e-mails operam na remessa de “spams” indesejáveis, muito além daqueles 16 endereços apontados na inicial.

É como, se possível fosse, apurar a responsabilidade de alguns, em detrimento da apuração da responsabilidade de milhares de outros, indiscriminadamente, pois nem todos os e-mails têm o objetivo comercial ou de webmarketing.

Por outro lado, abstraída a hipótese de que os spams resultam de uma mailing list não autorizada e com o objetivo de publicidade comercial, nem sempre há relação de consumo. No caso de oferta de “banco de dados” de endereços eletrônicos, é possível auferir de sua ilegalidade, verificando-se a identificação do responsável, e se têm autorização para divulgação dos e-mails.

Se, no entanto, encararmos a hipótese aventada de ofensa identificável e direta, mister seria aquilatar o tipo de dano ou do bem jurídico ofendido, para se caracterizar a infração perpetrada, para perseguir as sanções aplicáveis. Assim, por exemplo, se se tratar de mensagem ofensiva à honra, por atos ofensivos à privacidade, etc., a investigação dar-se-ia de forma específica, à luz da legislação própria. Caso contrário, resultariam as diligências em um atirar pedras no oceano.

Nessa perspectiva é que algumas investigações foram instauradas para apurar a autoria de oferta de serviços, por exemplo, de “acompanhantes” com imagens pornôs de beldades do ramo, mandadas para a casa da vítima, sem que houvesse solicitação ou autorização. Aqui há como perseguir o remetente, detentor do e-mail, pela prática perniciosa, não autorizada.

Como já referido, por enquanto não está o direito preparado para resolver uma situação recentíssima conseqüente da evolução tecnológica, mesmo porque há questionar se a lei ou o direito que deva fazê-lo. A tolher a práticas temos que devam ser aplicados instrumentos próprios, também tecnológicos, com o objetivo de impedir tais infortúnios.


A própria informática permite certa flutuosidade da prática, pois mesmo cercando-se de um lado, as ações migram-se para outro, ou seja, há possibilidade de que os malfeitores, uma vez investigados, possem a agir de outra forma, com novos endereços eletrônicos. Muita facilidades existem para que se criem endereços eletrônicos, sem que haja um controle mais rígido da identficação do interessado. Veja-se a hotmail, por exemplo (www.hotmail.com.br) que oferece e-mail grátis, oferecendo outros benefícios como recompensas (v. páginas impressas, em anexo).

Em abono ao entendimento, há meios de se implementar tal desiderato, conforme a informação da coordenação do setor de informática deste Ministério Público. Vejamos:

“Existe algumas ferramentas “Softwares” que podem ser utilizadas para minimizar o recebimento de mensagens indesejadas, por exemplo o programa de correio eletrônico “Outlook Express” pode ser configurado para descartar endereços ou domínios indesejados, desde que detectados e o navegador “Internet Explorer” pode ser configurado para bloquear determinados Domínios ou Sites utilizando o Supervisor de Conteúdo.

Existem também diversos softwares no mercado que fazem o controle de entrada de e-mails e acesso a Sites que podem ajudar as tarefas de bloqueio, que também são feitos com maior eficiência diretamente nos equipamentos dos Provedores de Acesso. Outra medida importante é possuir um Provedor de Acessos que possua um “firewall” eficiente, que tenha a segurança mínima necéssária e não forneça seu catálogo de endereços para terceiros evitando com isso o recebimento de Spam” (Euclides França Camargo, Coordenador de Informática – fls. 91).

A título de exemplo, o site www.hotmail.com.br , já referido supra, que oferece ferramenta que possibilita filtrar os spams indesejados, quando esclarece:

“Use o novo Filtro de lixo eletrônico do MSN Hotmail

Quando ligado, o Filtro de lixo eletrônico examina mensagens recebidas e filtra as mensagens identificadas como “lixo eletrônico” para a pasta Lixo eletrônico. Você pode, então, escolher seu próprio nível de proteção: desligado, baixo, alto ou exclusivo; cada um com graus variados de proteção. Uma vez que uma mensagem for enviada para a pasta Lixo eletrônico, as mensagens serão excluídas automaticamente após o número de dias especificado ou ser você usar a nova Opção de exclusão de lixo eletrônico do MSN Hotmail, você pode escolher para que elas sejam excluídas assim que chegarem na pasta Lixo eletrônico”.

Considerando essa prática genérica de spams indesejados, sem que se identifique a infração de natureza consumerista ou não, caso a caso, só pela prática em sí, não há como desencadear, portanto, uma averiguação com mínimas chances de êxito.

É verdade que os “spams” são perniciosos, há reconhecer, a ponto de haver notícias de que em outros países providências judiciais tenham sido tomadas, mas, ao que se sabe, pelas vítimas interessadas e que demonstraram efetivo prejuízo.

Portanto, pela só fenomenologia da remessa de spams, genericamente considerados, e por algumas, dentre milhares de detentores de endereços eletrônicos não se legitimaria o interesse social, ou público, a mover o Ministério Público na empreitada.

Da mesma forma, outra não é a conclusão, no que se refere à prática do delito do artigo 265 do Código Penal, que reza:

Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública

Art. 265. Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Aumentar-se-á a pena de um terço até a metade, se o dano ocorrer em virtude de subtração de material essencial ao funcionamento dos serviços.

– Parágrafo acrescentado pela Lei n.º 5.346, de 03 de novembro de 1967

O tipo penal trata de “atentado” contra a segurança de serviço de “utilidade pública”.

Segundo informação dada pela ANATEL (fls. 94/95), o serviço de

acesso à internet não constitui serviço sob tutela daquele órgão, pois se trata de Serviço de Valor Adicionado, por não se constituir serviços de telecomunicações. Por isso, também, no enfoque da agência reguladora, não constitui serviço de utilidade pública, ao menos pela legislação posta atualmente.

Outrossim, não vemos como configurar o delito em questão, pois os desregrados “spams” podem causar, e isso se tem notícia, até o travamento do aparelho, o computador, de modo que o acesso aos endereços eletrônicos restem interrompidos, porém sem que isso importe em “atentado”, na definição do tipo legal do art. 265 do CP.

Inexiste atentado, pela mera “interrupção” dos serviços. Para a configuração do tipo penal, mister haver “atentado” que, na lição de Julio Fabbrini Mirabete, in “Código Penal Interpretado”. Ed. Atlas, SP, 1999, p. 1469 pode consistir:

“… tanto na destruição, danificação ou inutilização dos meios de produção ou captação (usinas, oficinas, construções, aparelhos, depósitos, represa), como na distribuição (postes, fios, encanamentos) dos serviços de água, luz, força, calor e todos os demais que são serviços de utilidade pública (gás, limpeza pública, assistência hospitalar etc)”.

Não há, pelos entraves causados ao uso da internet, pela remessa de mensagens indesejadas em número elevado, destruição, inutilização ou danificação da rede, ou do aparelho. É crível que ocorra a interrupção do serviço que a rede proporciona.

Segundo a jurisprudência, a só interrupção não constitui elemento do tipo do artigo 265 do Código Penal, por isso, a ação seria atípica:

“Para a tipificação do delito de atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública, é imprescindível que a conduta do agente seja idônea a perturbar a segurança ou o funcionamento do serviço e que o ato “atentatório” resulte ao menos em “perigo” presumido, por exemplo danificação ou inutilização de usinas, aparelhos etc. na hipótese os acusados teriam apenas “desligado” os aparelhos retransmissores do sinal de emissora de televisão em determinado momento, comportamento que importa em interrupção do serviço, figura não ajustada ao art. 265 do CP que requer ato “atentatório” ” (TJSC – AC 10.844 – Rel. Ayres Gama Ferreira de Mello – RT 697/332) in Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 7ª ed., RT, SP, vol. 2, p. 3431.

Do exposto, por não vislumbrar a possibilidade de medidas eficazes, dentro do ordenamento jurídico, pela remessa generalizada e inespecífica de “mensagens” por e-mails, no âmbito do Ministério Público, não se infere interesse de agir em eventual Ação Civil Pública, ou mesmo em propor ajustamento de conduta, nem sendo caso do crime do artigo 265 do Código Penal, determinamos o arquivamento do presente procedimento ad referendum do Egrégio Conselho Superior do Ministério Público.

Curitiba, 21 de março de 2002.

Ciro Expedito Scheraiber

Promotor de Justiça

Revista Consultor Jurídico 27 de março de 2002.

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