O preço da fofoca

Chico Buarque e Marieta Severo derrotam jornais e revistas na Justiça

Autor

26 de março de 2002, 12h42

O Superior Tribunal de Justiça deve publicar, nos próximos dias, acórdão em que a Corte rejeitou Agravo Regimental do jornal carioca O Dia. O diário queria reverter a decisão que o condenou a pagar 500 salários mínimos para o cantor Chico Buarque e 500 salários mínimos para a atriz Marieta Severo.

Esta é uma das decisões que condena a imprensa a pagar pela fofoca sobre a separação do casal. Segundo a fofoca divulgada, um suposto romance entre Chico Buarque e a cantora Daniela Mercury teria causado a separação.

Chico e Marieta alegaram que, em janeiro de 1997, O Dia publicou reportagem de capa com a seguinte chamada: “Chico troca Marieta por paixão nacional”. A reportagem desencadeou uma série de outras “do mesmo gênero sensacionalista”. Entre as publicações foram citadas as revistas Manchete e Amiga e até mesmo o jornal de Goiânia “Diário da Manhã”.

Além do jornal O Dia, o grupo Bloch também foi condenado a indenizar o casal. Chico Buarque deve receber 500 salários mínimos e Marieta Severo a mesma quantia. (Leia notícia sobre a condenação do Grupo Bloch).

O jornal de Goiânia, Diário da Manhã, foi acionado pelo casal. A Justiça o condenou a pagar 100 salários mínimos para cada um. Neste caso, a sentença também está em fase de execução.

O cantor e a atriz são defendidos pelo advogado Paulo Cezar Pinheiro Carneiro Filho, do escritório Paulo Cezar Pinheiro Carneiro Advogados Associados.

Veja a decisão que condena o jornal O Dia

Décima Câmara Cível

Apelação Cível n° 1999.001.13153 – Capital

Apelante 1: Francisco Buarque de Hollanda e outra

Apelante 2: Editora O Dia S/A

Apelados: os mesmos

Relator: Desembargador Sergio Lucio de Oliveira e Cruz

Imprensa. Dano moral.

Reportagem que atribui, como motivo de separação de casal, a existência de romance do varão com outra mulher ofende a honra subjetiva dos por ela atingidos.

Não sujeição aos limites estabelecidos na “lei de imprensa”, por não se tratar de ato culposo. Entendimento do art. 51 daquele diploma legal.

A liberdade de imprensa deve, sempre, vir junto com a responsabilidade da imprensa, de molde a que, em contrapartida ao poder-dever de informar, exista a obrigação de divulgar a verdade, preservando-se a honra alheia, ainda que subjetiva.

Indenização fixada em valor equivalente a 500 (quinhentos) salários, para cada autor, que se apresenta razoável.

Multa aplicada pelo culto Juiz monocrático, em embargos de declaração. Sua manutenção, pois evidente o caráter protelatório (no mínimo, infringente) dos embargos.

Sucumbência. Em ações indenizatórias, por dano moral, o pedido principal é o de reconhecimento da ocorrência da ofensa e da existência de dano, sendo, até, desnecessário que formule o autor pedido de condenação ao pagamento de quantia certa. Assim, procedente aquele pedido, seja qual for o quantum indenizatório fixado, o réu será, sempre, o único sucumbente.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível n° 1999.001.13153 – Capital, em que são Primeiros Apelantes Francisco Buarque de Hollanda e Marieta Severo da Costa, Segunda Apelante Editora O Dia S/A e Apelados os mesmos,

Acordam os Desembargadores que compõem a Egrégia Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar provimento aos recursos.

Trata-se de ação ordinária de indenização, ajuizada pelos primeiros apelantes em face da segunda apelante, alegando que houve divulgações ofensivas, através do jornal “O Dia”, dando conta da separação do casal, de maneira escandalosa, atribuindo um affair entre o apelante varão e a cantora conhecida como Daniela Mercury.

Alegam os primeiros apelantes que, no dia 04/01/97, o segundo apelante publicou reportagem de capa, apimentando-a com sugestiva foto dos “protagonistas”, com o seguinte texto: “Chico troca Marieta por paixão nacional”, sendo que essa reportagem desencadeou uma série de outras, do mesmo gênero sensacionalista, tais como nas revistas Manchete e Amiga e até mesmo no jornal de Goiânia “Diário da Manhã”.

Argumentam, ainda, que tal divulgação foi desmentida, tanto pelos primeiros apelantes, como pela própria cantora, mas que, no dia 13/01/97, por meio de reportagem, a segunda apelante insistiu com a ofensa, com o seguinte texto: “Temporada de caça ao Chico”.

Afirmam que, dias após, a segunda apelante, querendo macular a dignidade pessoal, a imagem e a vida privada dos primeiros apelantes, publicou na coluna de Fred

Fred Suter, a ratificação da notícia ofensiva, afirmando que o primeiro apelante e a cantora Daniela Mercury haviam viajado juntos para São Paulo, recentemente.


Requereram, como verba indenizatória, a título de dano moral, o valor total da venda do jornal, nos dias 04/01/97, 13/01/97 e 17/01/97, conforme sua tiragem, mais o preço correspondente ao espaço de publicidade utilizado no referido jornal, naqueles dias.

Citada, a segunda apelante contestou, às fls. 116/131, argüindo, como preliminares a nulidade da citação por via postal, tendo em vista que quem recebeu não foi nenhum dos seus representantes legais, e que a lei aplicável a espécie seria a Lei de Imprensa, não podendo a ação embasar-se na Constituição Federal e no Código Civil.

No mérito, sustenta que a vida privada de personalidades de renome nacional é de interesse público, sendo, até, do seu próprio interesse que suas fotos e imagens sejam divulgadas, não existindo qualquer ilícito em noticiar-se fatos com elas ocorridos.

O tratamento dado à matéria teria sido exclusivamente jornalístico, noticiando o jornal fatos que chegaram ao seu conhecimento, sem qualquer ofensa aos envolvidos, o que é constitucionalmente garantido, em face da reinante liberdade de imprensa.

Diz, ainda, que os fatos noticiados foram verdadeiros e que as pessoas que os comunicaram iriam depor, provando-os.

Réplica às fls. 170/199.

Foi rejeitada a alegação de nulidade de citação, sendo designada a audiência de conciliação (fls. 200), que resultou infrutífera (fls. 226).

Audiência de Instrução e Julgamento conforme assentada de fls. 240, sendo tomado o depoimento dos primeiros apelantes, às fls. 242 e 243, e de duas testemunhas, às fls. 241 e 244/245.

Memoriais às fls. 250/259, da segunda apelante, e às fls. 269/295, dos primeiros apelantes.

Juntada feita pela segunda apelante de cópias do processo em que os primeiros apelantes ingressaram em face da Bloch Editores S/A e TV Manchete Ltda. (fls. 299/311).

Sentença às fls. 342/346, condenando a segunda apelante a pagar, para cada um dos primeiros apelante, importância equivalente a 500 (quinhentos) salários mínimos, pelo valor vigente na época do efetivo pagamento, acrescidos de juros de mora de 0,5% ao mês, desde 04/01/97, bem como as despesas processuais e honorários advocatícios, esses fixados em 15% sobre o total da condenação.

Embargos de declaração da segunda apelante às fls. 348/354, sendo rejeitados às fls. 356 e fixada multa de 1%, sobre o valor da causa, em desfavor da embargante.

Sobreveio o primeiro apelo, às fls. 362/378, tempestivo e devidamente preparado, requerendo a majoração do quantum indenizatório, especialmente pela repercussão da ofensa e o caráter punitivo da condenação, representando apenas 2,83% do lucro que aufere a segunda apelante, apenas com a vendagem de seu jornal, sem contar com a verdadeira fonte de lucro, que é a publicidade.

Segundo apelo às fls. 381/404, tempestivo e preparado, incluindo, inclusive, a multa dos embargos de declaração, requerendo a reforma in totum do julgado, eis que as matéria publicadas não teriam causado dano moral indenizável aos primeiros apelantes, sendo os mesmos, até hoje, alvo das mais elogiosas notícias. Pretende a recorrente que, no caso de ser mantida a sentença guerreada, seja reduzida a verba indenizatória, pois, como fixada, constituiria evidente enriquecimento ilícito, em clara violação do art. 159 do Código Civil, e dos arts. 4° e 5° da LICC.

Pede que seja aplicado o disposto no art. 21 do Código de Processo Civil, entendendo ter ocorrido sucumbência recíproca, já que a indenização fixada na sentença é bem inferior àquela pretendida, e, por último, fosse excluída a multa cominada pela apresentação dos embargos de declaração.

Contra-razões do primeiro apelo, às fls. 424/427, aduzindo, como preliminar a falta de interesse dos autores-apelantes em recorrer.

Contra-razões do segundo apelo às fls. 429/462, requerendo o desprovimento do segundo apelo e provimento do primeiro apelo, ajustando a condenação aos critérios apontados e elementos probatórios colhidos durante o processo.

É o relatório.

Em um Estado Democrático de Direito, há de existir a liberdade de comunicação, prevista na Constituição Federal, mas, essa deve ser exercitada com responsabilidade, não podendo violar outro direitos também garantidos constitucionalmente, como, por exemplo, o patrimônio moral do indivíduo.

No caso sub censura, indubitavelmente houve ofensa moral em face dos primeiros apelantes.

O fato da separação do casal é verdadeiro, não havendo, quanto a isso, veiculação falsa por parte da segunda apelante.

As notícias publicadas deveriam limitar-se ao fato da separação do casal e, nesse caso, não haveria lesão ao direito de imagem dos autores-primeiros apelantes, mas, quando “noticiaram” um relacionamento amoroso e extraconjugal com a cantora Daniela Mercury, o feriram.


O primeiro apelante autor teve sua imagem atacada, como homem infiel, namorador, sendo pejorativos tais adjetivos, e a segunda apelante, autora também, ficou como se fosse uma controladora e trocada por outra, sendo que qualquer mulher se sentiria exposta e indignada com tal situação.

Diga-se que a apelante sustentou, em sua resposta, que os fatos eram verdadeiros e que apresentaria testemunhas que os roborassem, o que não fez, por certo por não existirem essas testemunhas.

II

A sentença afastou, expressamente, a incidência da “Lei de Imprensa” à espécie e condenou a primeira apelante nos ônus, integrais da sucumbência.

Apesar disso, ela apresentou embargos de declaração, indagando se, nos termos da “Lei de Imprensa”, deveria proceder a depósito, para recorrer e alegando haver “contradição” na sentença, por entender ter havido sucumbência recíproca.

Ora, esses embargos eram, à evidência, meramente protelatórios e, quando muito, tinham, no que tange à sucumbência, caráter infringente.

Logo, correta a aplicação da multa pelo MM. Juiz de primeiro grau.

III

Debate-se se essa lei ainda é aplicável, no que tange aos valores nela postos, após o advento da Constituição de 1988. Tal discussão, no caso sub censura, é desnecessária, porque, ainda que aplicável fosse esse diploma legal, a fixação do quantum condenatório não estaria adstrito ao limite posto no seu art. 51, por não ter havido um ato meramente culposo do apelante, mas sim, ato de má-fé, doloso, conscientemente voltado no sentido de denegrir a imagem dos apelados, sendo aplicáveis, portanto, as disposições dos artigos 49, § 2º , e 53.

Nesse sentido já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 39.531-3 – SP, sendo Relator o Ministro Nilson Naves (Registro nº 93.0028129-1, julg. de 27.09.94, 3ª Turma, unânime):

“EMENTA: Imprensa. Indenização por dano moral.

1. Julgamento antecipado da lide. Caso em que não era necessária a produção de prova em audiência, estando a petição inicial instruída, quanto o bastante, com o exemplar do jornal que publicou a notícia.

2. Não é de ser indeferida a petição inicial, se o autor deixou de arrolar testemunhas. A prova não será realizada, simplesmente.

3. Aplica-se o art. 52, no caso de ato culposo; não, em hipótese diversa (“ato intencional, de má-fé…”).

4. Súmulas 282 e 356/STF, quanto às outras questões.

5. Recurso especial não conhecido.”

(Os grifos não são do original).

Nesse caso, esclareceu o eminente Relator em seu voto:

“É que, na verdade, a ofensa à honra do autor resultou de “ato intencional, de má-fé, na divulgação apressada do relatório sigiloso e reservado da C.P.I. do narcotráfico” (fls. 10). Não se pode falar, então, em “ato culposo” do repórter, senão em dolo seu na veiculação dos fatos alusivos à pessoa do autor, até porque não cogita a Lei de Imprensa da modalidade culposa dos crimes de calúnia, difamação e injúria (artigos 20, 21 e 22). No arbitramento da indenização, portanto, não se aplica o artigo 52 da Lei de Im-

Imprensa, e sim os artigos 49, par. 2º, e 53 do mesmo diploma, além do artigo 159 do Código Civil, de modo que, sendo a lesão à honra ato ilícito absoluto, o ressarcimento deve ser o mais completo possível (Constituição da República, artigo 5º, X; Código Civil, artigos 948 e 1.547; Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, tomo 7, par. 737, n. 1, pág. 44, e tomo 54, par. 5.536, n. 2, pág. 63; RJTJESP 96/345; R.T. 533/71 e 659/143).”

Neste processo, vê-se que, mesmo após o primeiro apelante e a cantora envolvida terem remetido correspondência desmentindo os fatos que lhes atribuía o jornal, persistiu ele, insistentemente, na manutenção da versão que inventou, demonstrando sua cabal vontade de continuar a macular a honra daqueles.

Logo, não se há de falar em conduta culposa, já que, se houvesse sido levado a erro por terceiros, o desmentido recebido deveria ter sido suficiente para fazê-lo cessar as matérias, o que, porém, não ocorreu.

IV

Os primeiros apelantes foram vencedores, integralmente, na tese principal, em que pleiteavam o reconhecimento de ter havido a ofensa moral e dever ser o segundo apelante condenado a indenizar.

O montante da indenização é efeito secundário daquele reconhecimento e, por isso, não importa o valor que tenha sido pleiteado na exordial. Quem logra ver reconhecido seu direito, será sempre vencedor integral.

V

Em relação ao primeiro apelo, em que se requer a majoração do quantum indenizatório, ele não deve prosperar, estando seu montante fixado em valor razoável, bastando que se examine o que foi fixado em outras ações semelhantes, movidas pelos primeiros apelantes, onde foram estabelecidos valores até inferiores. Logo, correta a douta sentença monocrática.

Por estas razões, nega-se provimento a ambos os recursos.

Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1999

Desembargador Sylvio Capanema

Presidente e Revisor

Desembargador Sergio Lucio de Oliveira e Cruz

Relator

Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2002.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!