23.3.2002

Primeira Leitura: Bush usa espantalho nuclear para intimidar inimigos.

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24 de março de 2002, 10h47

Doutor Fantástico

Depois da retórica contra o “eixo do mal” (Irã, Iraque e Coréia do Norte), a ameaça nuclear: um relatório secreto do Pentágono sugere uma possível estratégia para impedir que um país hostil aos EUA obtenha armas nucleares ou biológicas – um ataque nuclear “preventivo”. O documento vazou há poucos dias para jornais americanos.

Jogos de guerra

O relatório, que lista situações nas quais armas nucleares podem ser usadas, observa que os EUA poderiam recorrer a artefatos nucleares durante “um ataque iraquiano a Israel ou seus vizinhos, ou um ataque norte-coreano à Coréia do Sul ou um confronto militar sobre o status de Taiwan”.

Perigo nuclear

Como nota David Corn, da revista The Nation, o documento levantou suspeitas de que o governo Bush esteja preparando guerras nucleares contra países que não possuem armas desse tipo. Ninguém espera que o Pentágono não se prepare para a catástrofe que seria uma guerra atômica contra outro detentor de armas nucleares. Mas, desde 1978, os EUA tentam convencer o mundo de que não lançariam ogivas nucleares contra uma nação que não pertencesse ao restrito clube atômico.

Argumento esvaziado

Essa garantia era o principal argumento para encorajar esses países a assinar e ratificar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Washington teria dificuldades para pressionar outros países a descartar armas atômicas se se reservasse o direito de dizimá-los com seu próprio arsenal. Até Bush tomar posse, a postura era: se um país não-nuclear que assinou o tratado de não-proliferação entrar em conflito armado com os EUA – sem estar aliado a alguma potência nuclear -, os americanos não usariam armas atômicas contra ele.

Entrave à direita

Segundo essa política, se Bush quisesse atacar, digamos, o regime de Saddam Hussein, não poderia usar armas atômicas contra o país, signatário do tratado. Essa restrição tem sido uma pedra no sapato da direita americana.

Questão de produtividade

Antes que o documento vazasse para a imprensa, o subsecretário de Estado para controle de armas e segurança internacional, John Bolton, sinalizou um afastamento dessa postura. Opositor histórico de muitos tratados que reduziram a corrida armamentista, Bolton deixou claro que não considerava esse tipo de política “a mais produtiva”.

“Papo furado”

Questionado sobre se o governo Bush se comprometeria a não usar armas atômicas contra Estados não-nucleares, Bolton foi evasivo. “Esse tipo de abordagem retórica (…) não me parece muito útil para avaliar quais são nossas necessidades de segurança no mundo real. O que estamos fazendo, em vez de bater papo, é promover mudanças nas estruturas das nossas forças.”

Virada histórica

As declarações de Bolton marcam uma significativa mudança de política em uma área muito delicada. Ao tentar negar uma nova postura, o porta-voz do Departamento de Estado acabou sinalizando que armas nucleares podem ser usadas não só para retaliar uma agressão, mas também para prevenir um suposto ataque aos EUA.

Na fila

Ou seja: se os EUA tiverem (ou disserem que têm) razões para acreditar que um país sem armas nucleares está preparando armas biológicas para usar contra alvos americanos, esse país poderá ser atacado com artefatos atômicos.

Unilateralismo

Bush descarta, assim, décadas de esforço diplomático internacional para conter a disseminação do arsenal atômico. Como mostraram as investidas contra o Tratado Antimísseis Balísticos, esse pessoal prefere recorrer a decisões unilaterais de força a se empenhar em iniciativas multilaterais de não-proliferação.

Assim falou. Richard Nixon

“Eu quero apenas que você pense grande.”

Do presidente norte-americano (1969-1974), em 25 de abril de 1972, tentando convencer seu assessor de Segurança Nacional, Henry Kissinger, de que usar armas nucleares no Vietnã era uma boa idéia…

Tudo é história

Houve outras oportunidades nas últimas décadas em que se tentou imaginar se um presidente americano lançaria mão de armas atômicas. Depois de ter jogado duas bombas no Japão, encerrando a Segunda Guerra Mundial, Harry Truman recusou o pedido do general Douglas MacArthur para que fizesse o mesmo na Guerra da Coréia. John Kennedy deve ter suado frio diante dessa perspectiva, na crise dos mísseis em Cuba. E gravações recentemente reveladas mostram que Richard Nixon flertou com a idéia de usar a bomba no Vietnã.

Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2002.

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