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Transbrasil: TJ paulista julga na terça pedido de falência já extinto.

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22 de março de 2002, 21h19

A 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça paulista examina, na próxima terça-feira (26/3), o recurso em que a General Eletric (GE) pede a instauração do processo de falência da Transbrasil. O pedido foi declarado extinto pela 19ª Vara Cível, depois ser considerado improcedente no mérito.

Será apreciada também a apelação apresentada pelo advogado Gianfrancesco Genoso, em nome da Transbrasil, pedindo que a GE seja condenada por litigância de má-fé.

A seu favor, a companhia aérea tem o fato de a multinacional ter utilizado para justificar o processo um débito já quitado. Outro argumento de peso é o de que os créditos reivindicados pela GE, logo no início do litígio, já se encontravam lastreados por depósitos feitos nos Estados Unidos a título de garantia e de reserva de manutenção.

A Transbrasil tem ainda, contra a General Eletric, uma acusação documentada que pode mudar os rumos da disputa – que envolve também uma milionária ação indenizatória apresentado pela empresa brasileira. Trata-se dos relatos assinados por dois engenheiros que testemunharam uma alegada tentativa de coação por parte de executivos da GE.

As duas declarações têm o mesmo teor. Relatam as pressões dos americanos para que uma aeronave 737-400 que teve problemas no aeroporto de Porto Alegre (RS) fosse declarada como irrecuperável. Beneficiária do seguro, a GE ficaria com a indenização se a Transbrasil concordasse em atestar a perda total do avião.

O problema é que se admitisse que o incidente (o avião derrapou na pista) fora um acidente aeronáutico, o evento influiria na avaliação de risco da companhia.

Segundo a defesa, a negativa da Transbrasil criou a desavença que provocaria, em seguida, uma série de retaliações. A primeira, anunciada no mesmo dia em que os representantes da companhia brasileira deram sua resposta sobre o caso do seguro, foi o recolhimento dos seis aviões de propriedade da GE em uso pela Transbrasil.

O golpe fatal, contudo, consistiu no pedido de falência da empresa, considerado um ato de litigância de má-fé, uma vez que a legislação não admite que companhias aéreas – concessionárias de serviço público federal – sejam alvo de pedido de falência por dívida, antes de percorrer um itinerário que prevê, antes, os estágios da intervenção e da liquidação.

O impacto psicológico da ofensiva americana, porém, teria detonado a crise devastadora que sacudiu a companhia, levando-a à lona.

Procurado para defender a posição da General Eletric, o advogado Joaquim Manhães Moreira não foi localizado. Segundo sua funcionária, Eliana, ele viajara e só retorna na segunda-feira (25/3). A versão da GE será publicada tão logo seja possível.

Leia o relato feito pelo engenheiro Francisco Eustáquio

São Paulo, 17 de Julho de 2001

O texto que se busca resumir os fatos por mim presenciados, que se seguiram ao acidente da aeronave Boeing 737-300 de matrícula PT-TEO, ocorrido em fevereiro de 2000 no aeródromo de Porto Alegre.

Conforme a praxe internacional, as partes envolvidas no evento mantiveram estreito contato para definir as ações necessárias à recuperação da aeronave. Os participantes principais foram o Sr. H. Michael McKeemann – perito aeronáutico da Robins Aviation, representando as Seguradoras; o Sr. Brian Hayden – Vice-Presidente Sênior Técnico da General Eletric Capital Aviation Services – GECAS; e o relator desta declaração, à época Diretor de Engenharia e Manutenção da Transbrasil S/A – Linhas Aéreas.

O procedimento usual de avaliação da aeronave acidentada foi efetuado pelo próprio fabricante – a Boeing Commercial Airplane Company, e a determinação dos serviços necessários juntamente como custo dos mesmos foi transmitida a todas as partes. Tendo sido o custo de recuperação da aeronave inferior ao do valor do seguro, ficou claro que este seria o caminho a ser seguido.

Entretanto a colocação simplista apresentada acima aponta apenas o resumo do evento em si, uma vez que uma ocorrência mais significativa ocorreu em paralelo à definição da recuperação da aeronave.

O fato mais marcante foi o de ser o seguro da aeronave cerca de dez milhões de dólares maior que o respectivo valor de mercado da mesma, por imposição da GECAS. Esta prática é usual nesse tipo de negócio e geralmente os arrendadores de aeronaves estipulam valores de seguro que se situam entre 110% e 120% do valor de mercado de aeronaves.

O valor imposto pela GECAS estaria correto em 1991 – quando a aeronave PT-TEO foi originalmente arrendada. Mas com o passar dos anos esse valor deveria ter sido reduzido, com o que a GECAS não concordou durante as várias renovações que se seguiram ao arrendamento original.

Estando o seguro da aeronave tão expressivamente valorizado, era de se esperar que o arrendador preferisse a declaração de perda total da aeronave para que ele auferisse um lucro substancial na liquidação do sinistro. E isso foi tentado pela GECAS com argumentação original.


Estando o seguro da aeronave tão expressivamente valorizado, era de se esperar que o arrendador preferisse a declaração de perda total da aeronave para que ele auferisse um lucro substancial na liquidação de sinistro. E isso foi tentado pela GECAS com a argumentação técnica e psicológica.

Inicialmente fui insistentemente pressionado pelo Sr. Hayden a concordar com a simples condenação da aeronave, com o que obviamente não concordei. A avaliação da Boeing demonstrou que a aeronave era perfeitamente recuperável – o que efetivamente veio a acontecer meses mais tarde.

Entretanto o Sr. Hayden não aceitou minhas argumentações de que eu jamais poderia condenar uma aeronave, uma vez que a TransBrasil não era sua proprietária e que condenação só viria por razões econômicas, através de uma simples comparação entre o custo da recuperação e o valor segurado. Como esse último era muito elevado para o valor da aeronave, ficava muito difícil alguma seguradora concordar com essa decisão.

Enfatizo esse ponto mais uma vez porque a atitude do Sr. Hayden surpreendeu-me devido à sua insistência para que eu condenasse a aeronave, quando o mesmo – pela sua grande experiência no assunto, tinha que saber que somente as Seguradoras poderiam fazê-lo. Em mais de uma oportunidade o Sr. Hayden mencionou que a minha atitude era prejudicial à Transbrasil, o que foi veementemente refutado por mim com a mesma argumentação exposta acima.

Nessa época expus a insistência do Sr. Hayden ao Sr. McKeemann, perito aeronáutico que representava as Seguradoras no caso. Da nossa troca de idéias veio uma explicação que esclareceu-me um pouco sobre a atitude do representante da GECAS.

O Sr. McKeemann mencionou que apesar de incomum, às vezes as partes envolvidas num acidente aeronáutico negociavam um acordo para condenar uma aeronave por não ver razões técnicas e econômicas em mantê-la voando.

Mas no caso da aeronave PT-TEO, em face do elevado valor do seguro, seria muito difícil isso ocorrer, a menos que se negociasse uma substancial redução no valor do seguro com a correspondente redução do prêmio pago.

Expus ao Sr. McKeemann que eventuais negociações entre GECAS e as Seguradoras beneficiariam apenas essas entidades, prejudicando a Transbrasil que teria uma aeronave condenada, ficaria com sua credibilidade operacional comprometida e ainda futuramente com prêmios de seguro mais elevados em decorrência do prejuízo causados às Seguradoras.

O Sr. McKeemann entendeu esses pontos e alertou que a Transbrasil deveria buscar que seus interesses fossem preservados em qualquer eventual negociação que resultasse da insistência da GECAS em condenar a aeronave. Igualmente ele não compreendeu porque o Sr. Hayden insistia em algo que estava totalmente fora da minha alçada.

Nessa oportunidade o Sr. McKeemann deixou bem claro que os custos projetados pela Boeing em hipótese alguma levariam à condenação da aeronave e que sob nenhuma circunstância as Seguradoras pagariam a totalidade do seguro estipulado pela coordenação da aeronave. O Sr. McKeemann fez essa comunicação também para o Sr. Hyden.

Com essas posições definidas, marcou-se uma reunião decisiva no final de Abril/2000, quando no escritório da GECAS em Miami reuniram-se os representantes da GECAS, da Boeing, o Sr. McKeemann, o Eng. Rogério Araújo da Transbrasil e eu.

Todas as dúvidas técnicas sobre os procedimentos da recuperação da aeronave sobre as possíveis conseqüências de defeitos no reparo, foram esclarecidas. A GECAS colocou firmemente a questão de que ela duvidava que a aeronave após o reparo ficasse isenta de defeitos e tendências durante o vôo.

Esta posição da GECAS irritou profundamente a Boeing, a qual se comprometeu formalmente em garantir que a aeronave operaria após o reparo dentro das mesmas características de performance que possuía antes do acidente.

Diante dessa argumentação não restou outra alternativa para a GECAS que não concordar com o reparo da aeronave PT-TEO.

Estando encerrados nossos trabalhos, preparávamos para nos retirar do escritório da GECAS quando o Sr. Michael Lillis, Vice-Presidente Sênior de Marketing da GECAS para a América Latina, pediu-me para falar-lhes reservadamente.

Numa sala na qual estavam juntos o St. Lillis e o Sr. Hayden, recebi a chocante comunicação de que a GECAS exigiria dentro de dois dias a devolução de todas as suas aeronaves em operação na Transbrasil, o que efetivamente veio a acontecer.

Naquela reunião com o Sr. Lillis e o Sr. Hayden, perguntei o motivo de medida tão drástica e se a mesma era decorrência do intento fracassado da GECAS em condenar a aeronave PT-TEO. Ambos asseguraram-me que eram assuntos absolutamente distintos, sendo que a devolução das aeronaves fora provocada pela ausência de garantias reais da TransBrasil para o débito que existia entre essa Empresa e a GECAS, “fato novo para a GECAS então”, de acordo com o Sr. Lillis.


Estando ainda confuso com o ocorrido perguntei ao Sr. Lillis como tal poderia ser “novidade” uma vez que o escritório de advocacia da GECAS no Brasil os mantinham bem informados há anos sobre tudo o que se passava com os seus credores em geral no país, e com a TransBrasil em particular.

Por mais que se esforçasse o Sr. Lillis não produziu uma argumentação sólida para justificar a intempestividade da decisão e a minha impressão pessoal sobre o assunto ainda hoje é o de que realmente a TransBrasil foi prejudicada para beneficiar outra empresa aérea brasileira, igualmente cliente da GECAS e da mesma forma, devedora daquele arrendador.

A aeronave PT-TEO foi recuperada e continua voando com outro operador brasileiro – sem apresentar qualquer discrepância operacional após seu reparo pela Boeing.

Limitado ao exposto, coloco-me à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários.

Francisco Eustáquio Chaves Mendes

R.G. .793.685-SSP/SP

Leia o relato do engenheiro Rogério de Araújo

Declaro para os devidos fins que eu, Rogério Ribeiro de Araújo, portador da CI 526.320, no período de Março a Junho de 2000, acompanhei os reparos da aeronave B 737-400, marcas PT-TEO na condição de Coordenador de Reparos.

Neste período, assessorei diretamente o Eng. Francisco Eustáquio Chaves Mendes, na época, Diretor de Engenharia e Manutenção da Transbrasil S/A Linhas Aéreas.

A cronologia de eventos foi como segue:

27/02/2000 Aeronave marcas PT TEO se incidenta em Porto Alegre.

02/03/2000 Chegada do Evaluation Team da Boeing.

De 05/03/2000 a 10/04/2000 Avaliação dos reparos por conta da Boeing.

Agendada reunião entre GECAS (Iessor), GAB Robbins (seguradora), Boeing (reparadora) e Transbrasil (Iessee e operadora da aeronave) para 24/04/2000.

Neste ínterim, várias comunicações telefônicas foram feitas entre a GECAS, Seguradora, brokers da seguradora no Brasil, Transbrasil e Boeing, sugerindo um “total loss” da aeronave. Numa ligação telefônica, recebida na sala da Diretoria de Manutenção, entre o Eng. Eustáquio e um representante da GECAS, que aconteceu num momento em que eu estava presente, foi sugerido que se a Transbrasil não ajudasse no processo decisório de considerar o TEO uma perda total, a Transbrasil estaria “fucked”.

No entanto, em ligações posteriores esta postura não se repetiu e foi acordada a reunião em Miami para discussão dos aspectos técnicos da recuperação da aeronave. Havia uma preocupação excessiva da GECAS sobre a aeronavegabilidade e preservação do valor do bem.

Durante a reunião, realizada nas Instalações da GECAS em Miami, foram definidos os critérios técnicos de reparo da aeronave, tendo ficado acordado entre todas as entidades presentes que a aeronave era tecnicamente recuperável e que a Boeing, como reparadora e fabricante original da aeronave, garantiria a aeronavegabilidade da mesma.

Neste momento da reunião, o Sr. Michael Lillys, da GECAS, chamou o Eng. Eustáquio para uma reunião com o Senhor Bryan Hayden, também da GECAS. Continuei a discutir aspectos técnicos do reparo com os outros participantes.

Alguns momentos depois, o Eng. Eustáquio voltou e me falou em português: “continue sorrindo e mantenha a calma, como se nada tivesse acontecido, mas a GECAS vai tomar de volta os aviões deles. Precisamos voltar ao Brasil imediatamente” e ligou para a reserva Transbrasil nos marcando retorno para o vôo da mesma noite.

Rogério Ribeiro de Araújo

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Revista Consultor Jurídico, 22 de março de 2002.

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