'Brasileiras e brasileiros'

Deputado quer mudar títulos da página da Câmara na Internet

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

20 de março de 2002, 16h25

O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR) apresentou requerimento nº 371/03, em 11 de março, para que o site da Câmara dos Deputados seja modificado. À primeira vista, parece tratar-se de uma iniciativa usual, já que o site, importante instrumento democrático e de transparência, possibilita o acompanhamento pelo cidadão dos trâmites parlamentares, e então precisa ser rotineiramente modernizado e implementado.

Mas o propósito parece não ter sido exatamente esse. Hauly solicitou à Mesa que determine, ouvido o Plenário nos termos regimentais, a alteração na página da Câmara dos Deputados na Internet, bem como nas demais publicações, dos títulos “Deputados” para “Deputadas e Deputados”, de “Deputados 52ª Legislatura” para “Deputadas e Deputados 52ª Legislatura” e “Atendimento ao Cidadão” para “Atendimento ao Cidadão e Cidadã”.

Segundo justificou o parlamentar, “ao comemorarmos a ampliação da participação da bancada feminina na Câmara dos Deputados nas eleições de 2002 e após o dia 8 de março, consagrado como o Dia Internacional da Mulher, a Câmara dos Deputados precisa aprimorar a sua página da internet e demais publicações especificando a participação feminina na sua vida cotidiana”. Para ele, a terminologia empregada está incorreta ao não incorporar o feminino na designação de suas atividades, tanto para as deputadas como para as cidadãs que utilizam dos serviços de atendimento ao público e publicações.

Politicamente correto

O professor Pasquale Cipro Neto, do “Nossa Língua Portuguesa”, cita em seu site que muitos leitores escrevem perguntando sobre o uso da palavra “poeta” para mulheres. Acham estranho que se diga “uma poeta”, “a poeta”. Ele leciona que dicionários e gramáticas sempre deram “poeta” como palavra exclusivamente masculina (“um poeta”, “o poeta”) e “poetisa” como o feminino. “Diz-se que uma escritora (talvez a grande Cecília Meireles) reclamou da diferença, com o argumento básico de que poeta é poeta, independentemente do sexo. E a forma “poeta”, para o feminino, ganhou corpo, a ponto de ganhar registro no Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras”, explicou.

O jornalista Giordani Rodrigues, editor do site sobre segurança e privacidade InfoGuerra, abordou o tema em seu “log” pessoal sob outro prisma: “Antes do politicamente correto, e de sua vasta gama de palavras e expressões censuradas, as feministas mais radicais já reclamavam do machismo na linguagem. (…) Além do mais, as mulheres que tentaram aplicar este conceito, esqueceram-se de que nem sempre é vantajoso para o homem ter a maioria dos coletivos no masculino. Por exemplo, se há um grupo composto por homens e mulheres que praticam atos ilegais, todo mundo irá se referir ao grupo como ‘os marginais’, ‘os criminosos’, e não ‘as marginais’ ou ‘as criminosas’.” Giordani ainda observa que até a Microsoft aderiu ao movimento do politicamente correto em seus boletins de segurança.

Eficácia duvidosa

O próprio deputado Hauly demonstra que o seu requerimento já é uma conseqüência da “ampliação da participação da bancada feminina na Câmara dos Deputados nas eleições de 2002”. Ou seja, mesmo com a melhor gramática apontando a formação do plural no masculino, as mulheres estão ocupando o seu merecido espaço. E essa participação se dá pela disponibilização de meios sociais e materiais para tanto, e não pela inserção de palavras femininas em um texto ou página web.

“Os homens distinguem-se pelo que fazem; as mulheres, pelo que levam os homens a fazer.” (Carlos Drummond de Andrade)

Teria sido o parlamentar mais uma vítima do politicamente correto? Em tempos de “Fome Zero”, e levando-se em conta o tempo dispendido para a elaboração e aprovação do requerimento, o nobre legislador poderia ter se servido dos recursos colocados à sua disposição em prol de iniciativas que trouxessem benefícios mais diretos, tanto para as mulheres como para a população carente em geral.

Revista Consultor Jurídico, 20 de março de 2003.

Autores

  • é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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