Jogo eleitoral

PF cresceu punindo adversários do governo, diz Garisto.

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19 de março de 2002, 16h05

Quem procurar estudar o que motivou a criação do Departamento de Polícia Federal poderá descobrir que os militares golpistas que governavam o país em 1967 precisavam de um “cartório” civil para poder apurar e punir através de “rigorosos” inquéritos policiais as atividades consideradas terroristas. A Polícia Federal foi criada aproveitando policiais da antiga Guarda Especial de Brasília e do Departamento Federal de Segurança Pública.

Esses policiais reaproveitados como agentes e inspetores faziam parte de uma polícia do governo, polícia que servia aos governantes de plantão. O costume é mantido desde o descobrimento do Brasil e sempre em detrimento da população, das minorias e para atender as “autoridades” federais e estaduais nas apurações. A população morria de medo dessa polícia mas respeito não tinha nenhum.

Os concursos públicos apenas começaram, em 1973, seis anos depois da criação. Tinham como idealizadores e fiscalizadores os militares, tanto na direção geral do órgão, como na Academia Nacional de Polícia, metade das vagas era destinada a pessoas comuns e a outra metade para quem tivesse vínculo, amizade, passagem e história de vida junto a militares e a mentalidade voltada contra comunistas e outros adversários do regime.

Somente uma característica era necessária: ser fiel ao governo e aos governantes. Um ex-policial de qualquer Estado que tivesse trabalhado na repressão política tinha ingresso certo. Ex-militar estava dentro, colaboradores dos organismos de informação eram perfeitos e tinham suas vagas garantidas. Assim, a mentalidade de “segurança nacional” estava preservada através da “nova” polícia federal, mas a mentalidade era a pior possível.

Sindicalismo era crime, reunião era complô e qualquer escrita contrária aos militares ditadores era subversão. Para a Polícia Federal da época, o governo não errava nunca. Estava sempre certo, mesmo que esse governo roubasse verbas públicas e se afundasse na corrupção. Investigar membros do governo era impossível. Assim, a Polícia Federal cresceu e se desenvolveu, reprimindo e punindo sempre os adversários do governo.

O primeiro diretor geral foi um general que nunca tinha visto uma delegacia de polícia na vida, mas não era necessário saber nada de segurança pública o que interessava era a “segurança nacional”. O Serviço Nacional de Informação – SNI – era o todo poderoso serviço de informação da nação, comandado por militares que chefiavam as polícias em todo o país. A Polícia Federal nada fazia sem que os arapongas militares soubessem, nada.

Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal atual e nela o ministério Público ganhou poderes especiais de investigação, a função da Polícia Federal também fica clara na nova constituição e nela também se contempla a sindicalização dos policiais federais.

Os sindicatos começam a se proliferar por todo o país e neles policiais federais autênticos, democráticos e históricos começam a questionar a vinculação da Polícia Federal aos militares, aos serviços de informações e aos governantes. Nascia a Polícia Federal do Estado e não do Governo.

O diretor-geral da época, Romeu Tuma, com vínculos com a repressão política de sabedoria pública, ainda tenta manter a PF atrelada ao governo e aos serviços de informação. Um plebiscito é feito pela Federação Nacional dos Policiais Federais e ele é rejeitado na corporação por 94% dos policiais federais de todo o país.Tuma sai e entra em seu lugar o primeiro delegado da polícia federal , Amaury Aparecido Galdino, antigo colaborador do SNI e presidente de inquéritos contra opositores do governo militar. Não era propriamente dito um policial federal da casa, era escolha ainda dos militares e dos membros das comunidades de informação. Para eles, perder as informações privilegiadas da PF seria fatal e impensável para o governo federal.

Sai Galdino por conta da fuga do caixa de campanha de Collor – PC Farias. A FENAPEF denuncia à imprensa que Paulo Lacerda (presidente do inquérito policial) avisou Galdino que a prisão de PC estava saindo. Mesmo assim ele não montou uma campana para evitar a fuga de Paulo César Farias.

No lugar de Galdino é nomeado o Coronel Romão, ex-membro do SNI e repressor de carteirinha. Durante uma greve legal, liderada pela FENAPEF, ele manda o exército invadir as dependências da Polícia Federal para acabar com um direito constitucional. A greve não acaba com a invasão. O governo de Itamar é que acaba e leva com ele o coronel repressor.

No início do primeiro governo FHC é nomeado Vicente Chelotti, delegado da Polícia Federal, amigo do Ministro da Justiça, Nelson Jobin. Chelotti com o apoio da Federação Nacional dos Policiais Federais, associações e sindicatos procura fazer uma administração democrática e voltada para o Estado e não para o governo.

A Polícia Federal passa a investigar qualquer um que cometesse crime, até que é obrigada a investigar membros da Agência Brasileira de Informação- ABIN, criada por FHC para ser uma agência de coleta de informações democráticas para nortear as decisões do presidente. Mas antigos membros do extinto SNI são aproveitados na nova agência e os costumes passam a ser os mesmos de outrora, investigar inimigos do governo, a velha prática de volta.

A Polícia Federal descobre a participação de agentes da ABIN em grampos no Rio de Janeiro envolvendo o BNDES e as privatizações. O General Cardoso, militar todo poderoso, com sala ao lado de FHC, ao ser pressionado pelo inquérito da PF diz que achou as fitas do grampo embaixo de uma ponte de Brasília, o sub-chefe de operações cai e o chefe da ABIN do Rio de Janeiro perde o cargo. A Polícia Federal cumpria seu papel.

O temor dos dirigentes antigos da Polícia Federal em transformá-la em uma Polícia de verdade eram verdadeiros e mesmo nos dias atuais a repressão volta contra quem ousa investigar o próprio governo. Chelotti toma menos cuidado e é flagrado em um grampo clandestino dizendo que mandava mais que FHC e que era o Hoover tupiniquim. Caiu. A Vendeta deu certo. Chelotti deixava a direção da PF, mas deixava também um legado, a carta de alforria dos órgãos de informação e do governo federal.

A PF enquanto chefiada por ele não deu bola para os militares das famosas e deletérias “comunidades de informações”, tão presentes hoje quanto na época do Capitão Lamarca. Só são mais lights.

Saindo Chelotti, é indicado para o cargo o delegado Campello, policial competente e querido por todos. Mas era da época antiga da repressão e vem um padre dizendo que apanhou de Campello quando era amigo dele no seminário que fizeram juntos. A denúncia não é baseada em provas mas a caça as bruxas havia se invertido (graças a Deus).

Durante a crise da nomeação de Campello, aparece o tucano Pimenta da Veiga e indica o nome do delegado tucano Agílio Monteiro Filho, mineiro, comportado que nunca deu um tapa em um preso. Até porque para se fazer isso é necessário chegar perto de um.

Com Agílio, parece que a democracia policial vai às alturas. Pura ilusão. Aos poucos, os policiais federais de verdade, aqueles que arriscaram tudo para que a Polícia Federal fosse independente, começaram a perceber que a comunidade de informação do General Cardoso e de outras autoridades passaram a mandar novamente na PF, em pleno ano 2002.

A mania de contar tudo ao chefe de governo passa a ser obrigação e aí vem investigações contra um monte de inimigos do governo federal. Para esses, os famosos inquéritos são rápidos e rigorosos. Mas contra o governo, como o caso do BNDES e Caixa Econômica Federal, só para ficar nesses (tem muito mais), os delegados encarregados são afastados sem qualquer explicação.

Por fim, na operação Roseana a preocupação maior do tucano diretor-geral não era saber se os policiais estavam bem. Era sim informar o presidente da República, o ministro da Justiça e até o ajudante de ordem do Planalto, membros do seu partido, que Roseana estava frita. Informar que uma dinheirama havia sido encontrada e que o mandato de busca era quente e legal. A operação tinha segredo de Justiça, mas isso era apenas um pequeno detalhe para o tucano Agílio que acabou comprometendo a operação legal da equipe policial.

A Polícia Federal volta no túnel do tempo, desembarca em 1967, em plenos 2002. FHC vira Costa e Silva e o tucano Agílio Monteiro Filho vira o coronel Moacir Coelho num piscar de olhos.

A Polícia Federal volta a ser o famoso e velho Bombril de mil e uma utilidades. Agora com uma novidade ruim para eles. A Federação Nacional dos Policiais Federais não vai ficar calada. Tem o apoio de 12 mil policiais federais de todo o país e não deixará que a instituição seja utilizada para ajudar esse ou aquele candidato.

Vamos fazer o que fizemos desde 1988: fiscalizar e denunciar aqueles que estão entrando no túnel do tempo e esquecendo que a Polícia Federal é uma instituição TÍPICA DE ESTADO E NÃO DE GOVERNO. O governo dura apenas quatro anos e a Polícia Federal têm que durar para toda a vida da Nação.

Revista Consultor Jurídico, 19 de março de 2002.

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