Decisão unânime

Justiça acolhe denúncia contra juíza acusada de nove crimes

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15 de março de 2002, 16h55

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça recebeu, por unanimidade, denúncia do Ministério Público do Mato Grosso do Sul contra a juíza de Direito, Margarida Elizabeth Weiler, da comarca de Caarapó. Ela é acusada por crimes de abuso de autoridade, redução à condição análoga a de escravo (por três vezes), peculato, extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento, prevaricação (por dezesseis vezes), tráfico de influência, fuga de pessoa submetida a medida de segurança e exploração de prestígio. A decisão modifica o acórdão do TJMS que havia recusado a denúncia, alegando “fatos atípicos e delitos não configurados”.

Segundo o MPF, a acusação de abuso de autoridade engloba a nomeação e exoneração de juízes de paz desmotivadamente, e a decretação, por parte da juíza, de decreto de prisão civil sem que constasse título executivo nos autos. “Ainda que estivessem mencionadas as datas em que ocorreram os fatos típicos, a denúncia não pode ser recebida, neste ponto, por inexistência de representação…”, afirmou o acórdão, ao afastar a denúncia.

O TJ também não aceitou a tese de crime de peculato (apropriar-se ou desviar bem móvel a fim de obter proveito próprio ou alheio) no fato de a juíza deferir cautela de um veículo apreendido à filha. “Pelos depoimentos colhidos e segundo o narrado pela própria denunciada, o Saveiro fora colocado sob cautela em nome da filha, a fim de que dele se utilizassem os servidores do fórum na prestação de serviços àquele Juízo”, rebateu o Tribunal.

Ao examinar o ponto referente ao crime de redução à condição análoga à de escravo, pelo fato da denunciada ter mantido três detentos trabalhando em sua residência com a remuneração de meio salário mínimo, a conclusão do TJ não foi diferente. “O estado de fato em que se encontravam, de semi-liberdade, e recebendo alguma paga pelos serviços prestados àquela que deveria mantê-los presos, criou uma situação fática punível administrativamente, mas, a toda evidência, não se constitui o crime mencionado na denúncia”, afirmou o desembargador, ao votar.

Sobre a acusação de facilitar a fuga de um dos presos que trabalhava na casa da juíza, o TJ também foi taxativo. “Este mesmo preso, que estava naquele dia sob a custódia do carcereiro, visto que se encontrava na cadeia pública, onde foi visto, e dali fugiu sem qualquer apoio da juíza que até mesmo não se encontrava na comarca, no dia em que ocorreu a fuga”, afirmou a Câmara julgadora, ao concluir que “o fato não se amolda ao tipo penal a que a denúncia se reporta”.

A decisão não foi diferente para a denúncia de tráfico de influência. “Impõe àquele que denuncia demonstrar em que consistiria a ‘venda da fumaça’ (antigo nome deste crime) utilizada pelo agente que pretende obter a vantagem almejada. E este pormenor não foi relatado na peça acusatória inicial”, enfatizou o Tribunal.

A decisão foi a mesma para a acusação de extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento. “Sou forçado a reconhecer que, se estivesse caracterizado, em tese, algum dentre os inúmeros delitos imputados à juíza, a denúncia não tem como ser recebida por ausência de precisão do dia, do mês e do ano em que teria ocorrido cada um dos fatos noticiados na peça de acusação”, afirmou o desembargador-relator. “E, a teor da previsão do art. 41 do Código de Processo Penal, não especificadas tais circunstâncias, segundo a doutrina e a jurisprudência, a denúncia não pode ser considerada apta a ensejar o início da ação penal”, concluiu.

“Sem qualquer razão a decisão recorrida”, discordou o ministro Edson Vidigal, relator do recurso no STJ. “Consoante entendimento firmado pelo STJ, ao receber ou rejeitar a denúncia, o juiz deve explicitar tão-somente porque a recebe ou rejeita, sem adentrar ao mérito da acusação”, observou. “No caso em exame, cumpria à Corte local apreciar, exclusivamente, se presentes os requisitos formais da denúncia, jamais o próprio julgamento, mediante análise de fatos e provas, da causa ainda não decidida”, lembrou.

Ainda segundo o ministro, em se tratando de crime de abuso de autoridade, a falta de representação do ofendido não impede a instauração da ação pública, a teor do que dispõe a Lei 5249/67. “Não procede, pois o entendimento adotado pela origem, no sentido de que ausente condição essencial de procedibilidade para a Ação Penal”, defendeu o relator.

Edson Vidigal rebateu, ainda, o argumento de falta das datas dos delitos. “Os requisitos formais necessários ao oferecimento de uma denúncia são aqueles tratados, especificamente, no exclusivo rol do CPP, art. 41, lá não incluída a expressa menção à data em que ocorridos os fatos. Eventual omissão, aliás, pode ser suprida a qualquer tempo, desde que antes da sentença final (CPP, art. 569)”, esclareceu.

Ao dar provimento ao recurso do Ministério Público, o ministro entendeu que não é possível rejeitar uma denúncia se a peça descreve crime em tese, facultando ao acusado o pleno exercício de defesa. “Fazê-lo seria, no mínimo, cercear a pretensão acusatória do Estado, em ampla ofensa ao princípio constitucional do devido processo legal”, concluiu Edson Vidigal.

Processo: Resp 305285.

Revista Consultor Jurídico, 15 de março de 2002.

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