Busca e apreensão

Advogado diz que apreensão na Lunus não deveria ser feita por PF

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15 de março de 2002, 15h14

“Enquanto eu for ministro da Justiça, a polícia cumprirá os mandados judiciais!” Com esta frase, o dr. Aloysio Nunes Ferreira defendeu a atuação da Polícia Federal no caso de busca e apreensão contra a empresa Lunus, no Maranhão. A explicação visou mostrar que o governo não estava fazendo política eleitoral ao mandar a polícia cumprir diligência determinada por juiz de direito. Muita gente acreditou e, porque a ordem vinha de um juiz de Tocantins, bateu palmas.

Mas é verdade? Claro que não. Em diligências desse tipo, quem cumpre mandado judicial deprecado é oficial de Justiça (art. 355, par. 2º, do CPP). E a polícia, a da comarca, somente pode e deve ser requisitada se houver resistência contra a busca e a apreensão.

E há mais um detalhe, materializando a ilegalidade: o mandado judicial, expedido em Palmas, estava em carta precatória ao juiz do Maranhão e era este quem deveria, se necessário, requisitar a Polícia Federal de lá para cumprimento da diligência. E existem oficiais de Justiça lotados naquela jurisdição, que não podia ser invadida por autoridades de outra, porque não havia perseguição nos termos do art. 250 da lei processual. A perseguição era somente política.

Os policiais federais envolvidos não eram de Palmas nem de São Luís. Eram de Brasília, todos diretamente subordinados ao superintendente da Polícia Federal, que se proclama legitimamente filiado ao PSDB, e que obedece ordens do ministro da Justiça. De Brasília foram buscar a precatória em Palmas (logo, não estavam em diligência) e levaram-na para São Luís, agora, sim, em diligência de “perseguição”. Ali o juiz despachou: “Cumpra-se”. E os próprios estafetas invadiram a empresa. Nenhum oficial de Justiça.

Os delegados executores da “diligência” até declarações deram, de que “estávamos atrás de ouro, mas encontramos ouro, pedras preciosas, pérolas e diamantes”. Confessaram que foram garimpar.

A história de cumprir mandado judicial é ridícula porque a polícia de Brasília não faz plantão em Tocantins. Ela, sim, foi mandada. O mandado foi mandado. Tudo foi mandado. E para o espaço também mandaram a lei processual.

Quando a Procuradoria da República e o Judiciário concluírem o exame dos documentos apreendidos, ver-se-á que Roseana nada tem que ver com o desvio de verbas da Sudam, obra de estelionatários conluiados com funcionários do governo federal. E o dinheiro, que não estava no mandado, mas foi apreendido não se sabe para provar o quê? Este sim representa as pérolas a que se refere o policial federal. Em princípio não há crime, mas em política é um prato cheio. Dinheiro fotografado, ou filmado pela televisão, é impactante. Parece coisa de seqüestro. E veio a pergunta: tudo isso?

Agora o marido de Roseana admite ter recolhido, antes da hora, doações para a campanha eleitoral. Admitiu e demitiu-se. E a pergunta muda: mas só isso para uma campanha presidencial? Qualquer pessoa sabe que a campanha de candidatos a presidente terá montanhas de valores que somente os bancos, como, por exemplo, o BNDES, suportam guardar; e que não cabem em cofres e nunca serão fotografadas. Como não foi fotografada – nem será – a quantia, muito maior, e de verba do Ministério da Saúde, que José Serra gastou com a contratação de uma empresa privada especializada em grampos de telefones.

Sou amigo de José Sarney há mais de 40 anos. Vi Roseana crescer. Sei de sua formação moral e de sua tenacidade em lutar pelo bem de seu país. Quando a menina, culta e estudiosa, que conheci foi eleita deputada federal e liderou a deposição constitucional de Fernando Collor, tive, por ela, medo das reações de banditismo e das vinganças.

Hoje, se ela me pedisse um conselho, diria que se candidatasse a senadora e saísse da campanha presidencial, porque não desejo vê-la alvo de atrocidades morais sob ataques de tantas e cruéis falsidades, que viram verdades provisórias ao menos até as eleições.

Depois, quando tudo estiver passado a limpo – se é que em política ainda se pode falar em limpeza – , ficarão as dolorosas cicatrizes, que não desejo para Roseana, pois ela cultiva a honra e a honestidade como preceitos religiosos. Nem desejo tantas feridas para sua alma jovem, pura e de comovente idealismo e que deve estar sofrendo fundo, embora tenha admirável coragem.

Se ela me disser que não pode recuar porque grande parte do povo, tanto quanto ela própria, acredita em sua luta pelo Brasil, eu lhe direi que reflita um pouco mais. O governo usou uma barulhenta motosserra na árvore de seus ideais e, em poucos dias, passou dengosamente, isto é, cheio de dengues, a serrar de cima.

Claro que o país merece o sacrifício de todos nós, mas para tudo há limite. O Brasil está pleno de tocaias, além das tocaias em Tocantins, e, sob palmas ou sob vaias, se gasta com grampos telefônicos verba que poderia ser usada no combate à dengue porque tudo se justifica nesse vale-tudo eleitoreiro.

Mas vale também a pena lutar contra essas poderosas forças da indústria da difamação? Fernando Pessoa diria que sim, tudo vale a pena se a alma não for pequena. E Roseana tem a alma enorme. Que os santos e poetas orem por ela. Que o povo diga amém e que Deus a proteja, já que, por teimoso patriotismo, recusará o meu conselho.

* artigo publicado na Folha de S. Paulo

Revista Consultor Jurídico, 15 de março de 2002.

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