Exemplo argentino

Núcleo orienta jornalistas a investigar casos de corrupção

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13 de março de 2002, 9h48

Um astrolábio fabuloso, a apontar os países latino-americanos para onde mais se dilata o império da corrupção, e uma ferramenta indispensável a jornalistas investigativos – magnificando esses casos à enésima potência –, o núcleo argentino Periodistas Frente a La Corrupción, ou PFC , está completando o seu ano e meio de existência. Nascido de uma publicação (a revista Probidad), o sítio hoje conta com 575 correspondentes em toda a América Latina. A cada dois dias emite boletins com 50 notícias sobre corrupção e liberdade de imprensa.

O PFC trata também das disquisições dos processos contra jornalistas. E ainda, gratuitamente e num trabalho no mínimo singular, dá dicas para quem quer que se interesse em investigar algo – inclusive fontes de informação. Na semana passada, por exemplo, o PFC emitiu um detalhado estudo sobre os jornalistas mais perseguidos da América Latina, que pode ser encontrado em http://www.portal-pfc.org/libexp/informes/2001.html

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Vale lembrar que, segundo as Nações Unidas, as dez principais máfias do mundo, enraizadas em 23 países (o Brasil inclusive) movimentam por ano 3 trilhões de dólares –gerados a partir de mais de 100 bilhões de dólares que os cartéis da droga lucram por ano. Fazer jornalismo investigativo nesse terreno pantanoso é tarefa das mais árduas. Até porque, também segundo a ONU, a cada 4 dólares movimentados por hora em todo o mundo, pelo menos 1 dólar passa pelas mãos de mafiosos e esquemas de corrupção instalados nos governos democráticos.

E é nesse espírito de ajudar os jornalistas em tais investigações que o PFC prossegue, diz o seu responsável, o argentino Jaime López, destecendo os mistérios da sondagem acurada. Jaime López concedeu a seguinte entrevista ao Observatório da Imprensa.

Como se deu a fundação do PFC?

Jaime López – Periodistas Frente a la Corrupción, o PFC, é o resultado do convencimento de que a iniciativa mais efetiva no combate da corrupção, em relação a outros esforços governamentais ou da sociedade civil, tem sido e é a imprensa; e da compreensão de que os jornalistas e os meios necessitam de respaldo e serviços para fortalecer o seu papel fiscalizador, frente aos problemas internos e às pressões externas que enfrentam.

A Probidad, a organização que administra a PFC, antes de abril 2000 havia mantido múltiplos contatos com jornalistas da América Latina, que foram aproveitados para uma edição especial de seu periódico, a revista Probidad, e no papel fiscalizador deles frente à corrupção. Ao lançamento desta edição somou-se um evento sobre os meios de comunicação e a corrupção, que teve lugar na Costa Rica, em abril de 2000, e que, organizado pela Fundación las Américas, motivou o Centro Internacional para a Empresa Privada a procurar a Probidad e explorar a idéia de implementação, que servira aos jornalistas que investigam e reportam a corrupção.

Logo, então, a Probidad fez uma sondagem para averiguar o interesse que poderia existir em uma iniciativa deste tipo e quais seriam os serviços que os jornalistas necessitavam. Com base nos resultados desta sondagem se desenhou e iniciou-se, em agosto de 2000, o PFC.

Atualmente o PFC proporciona uma rede aos jornalistas que trabalham sobre o tema da corrupção, ou que têm interesse nele, rede esta integrada por mais de 575 membros de toda a América Latina; um centro de recursos com serviços, informação e referências úteis para esses jornalistas; e assistência investigativa, fazendo buscas e proporcionando informação, facilitando contatos e relações, ou propondo temas e enfoques para as investigações. Além disso, entre outros serviços, o PFC oferece respaldo aos jornalistas e órgãos que sofrem ameaças ou represálias em reação às suas investigações, ou ante às medidas dos governos, como as leis antiimprensa, que restringem o sufocam seus trabalhos.

Em que medida vocês empregam a mídia para monitorar casos de corrupção? Trata-se de um sistema?

J.L. – O PFC monitora diariamente a exposição sobre a corrupção e a situação da imprensa nos meios de comunicação latino-americanos. Compila reportagens e editoriais de mais de 50 fontes noticiosas, que são oferecidas através de seus sítios na web e serviços de correio eletrônico. Estas compilações têm diversos usos. Por exemplo, permitem conhecer e medir os tipos de corrupção que estão afetando os países e a resposta frente a ela por parte dos governos.

Servem ainda de referência para alimentar novas reportagens, permitem reconhecer os jornalistas que mais se destacam na investigação da corrupção, ou medir o compromisso dos meios com seu papel fiscalizador, entre outros múltiplos usos. No tocante às compilações sobre a conjuntura jornalística, que são distribuídas entre organismos internacionais que promovem a liberdade de expressão e outros interessados, possibilitam estar em dia sobre os acontecimentos que afetam ou beneficiam a imprensa livre e reagir frente a eles.


Tal é o caso, por exemplo, quando um jornalista sofre uma agressão ou os governos anunciam uma nova lei de imprensa. Ao se conhecer essas notícias, muitas vezes por meio destas compilações, normalmente se gera uma mobilização internacional de respaldo ou de resistência à medida.

Como fazem para denunciar tais casos, além da revista Probidad?

J.L. – Freqüentemente o PFC está recebendo denúncias de corrupção. Depois de explorar as fontes, indagar se há mais informação ou se pode oferecer pistas sobre como obtê-la, o PFC compartilha a denúncia com os jornalistas do país respectivo – ou oferece à fonte os dados dos jornalistas que mais convenham para que esta se ponha em contato diretamente com eles.

Inclusive, muitas vezes, segundo constatamos, as pessoas que estão interessadas em oferecer informação sobre casos de corrupção vão diretamente ao diretório de jornalistas que temos no sítio na web, identificam os jornalistas que supõem poder ajudá-los e, então, estabelecem uma relação diretamente com eles.

Esta relação se dá também entre jornalistas de diferentes países, quando há casos transnacionais em que os jornalistas de um país oferecem a informação a outros de outro país, e juntos cooperam na investigação de tais casos. Inicialmente essas relações entre jornalistas eram intermediadas pela equipe administrativa do PFC, mas paulatinamente os jornalistas de distintos países foram se conhecendo e cooperando mutuamente de forma direta.

Vocês enfrentaram problemas como ameaças? Como tem sido a relação com os governos?

J.L. – Sim, desde cedo. Muitos dos jornalistas que integram o PFC e outros que investigam a corrupção enfrentam muitas dificuldades. Desde os bloqueios para acessar fontes públicas de dados, passando pelas querelas judiciais, até as agressões físicas que têm resultado em jornalistas feridos e assassinados.

Há poucos dias o PFC tornou público seu informe sobre as ameaças e violações à liberdade de expressão na América Latina relacionada com o papel fiscalizador frente à corrupção dos jornalistas e meios. Entre os numerosos casos de represálias contra os jornalistas e os meios, que a PFC identificou e difundiu durante o ano de 2001, 114 estiveram relacionados a investigações e reportagens sobre a corrupção. Desde o 1º de janeiro de 2002, foram registrados outros 24. Sete jornalistas foram assassinados pela mesma razão durante o ano de 2001 e nos dois primeiros meses de 2002, morreram mais dois.

As cifras reais logicamente são muito maiores, já que existem jornalistas que trabalham em zonas afastadas e sem conhecimento sobre a que podem recorrer para encontrar ajuda. Entre outros fatores, todos nós na América Latina conhecemos muitos jornalistas e veículos, perseguidos por seu trabalho sobre a corrupção, que se mantêm em silêncio por temor de represálias adicionais.

Com relação a problemas judiciais, cabe destacar a situação do Panamá, onde uns 90 jornalistas, dos 200 ativos, enfrentam atualmente denúncias por calúnia e injúria ou desacato, interpostos em muitos casos por reportagens em que se revelaram casos de corrupção.

Igualmente, cada vez com maior freqüência, há tentativas de governos de amedrontar ou inibir a imprensa através de leis e outras ações, como as de coligação obrigatória, delitos de imprensa, controle das freqüências de radiodifusão ou os conteúdos, ou a suspensão da publicidade governamental.

Há exemplos de denúncias do PFC que resultaram em prisões de corruptos?

J.L. – Cabe reiterar que o PFC é una iniciativa que oferece serviços e respaldo aos jornalistas e aos meios que investigam a corrupção, aberta para todos aqueles que desejam aproveitá-los e sem a necessidade de se estabelecer um vínculo formal ou alguma relação de dependência. É por isso que, no caso do impacto das reportagens sobre a corrupção, em lugar de referirmos a PFC há que se que abordar os resultados. Todos os jornalistas e os meios que estão trabalhando nesse campo.

Há vários exemplos de reportagens que resultaram na prisão para os corruptos, mas em geral a impunidade nos sistemas judiciais latino-americanos continua sendo um enorme freio para o combate efetivo da corrupção. A exposição jornalística dos casos serve como uma sanção moral para os funcionários argüidos que, quando os promotores ou os juízos retomam os casos, e os cidadãos pressionam para que não fiquem impunes, dão-se destituições de cargos, embargos ou a abertura de causas judiciais contra estes.

Quantos jornalistas trabalham para vocês no continente?

J.L. – Como mencionamos, os jornalistas não trabalham para o PFC – o PFC trabalha para e por eles, por meio do oferecimento de serviços e apoio. Os jornalistas que integram a rede do PFC (mais de 575 de toda América Latina) muitos deles são os mais conhecidos em seus países. Adicionalmente, muitos mais se beneficiam dos serviços do PFC através de seu centro de recursos (sítio na web), que recebe uma freqüência de uns mil visitantes diários.


Há a colaboração de políticos e empresários para manutenção das atividades do PFC?

J.L. – Claro. Um dos objetivos do PFC é desenvolver e facilitar as relações entre jornalistas e funcionários, organizações da sociedade civil, empresários, peritos e organismos internacionais que possam apoiá-los em suas investigações e oferecer-lhes respaldo quando sofrem represálias. Constantemente o PFC está desenvolvendo relações com esses atores, sistematizando referências e informação de contatos sobre eles, e estimulando o aproveitamento dos seus conhecimentos ou serviços por parte dos jornalistas. No sítio na web do PFC(www.portal-pfc.org) e da Probidad (www.probidad.org) encontram-se essas referências e diretórios, que também incluem projetos de jornalistas investigativos ou de liberdade de expressão, organismos financeiros ou de desenvolvimento, iniciativas contra os narcóticos ou a lavagem de dinheiro, oficinas anticorrupção do governo, ONGs ou grêmios empresariais com componentes anticorrupção, e muito mais.

Você crê que sem esses serviços de imprensa a corrupção seria pior?

J.L. – Definitivamente. Na maioria dos países os agentes fiscalizadores governamentais e os sistemas judiciais têm falhado no combate da corrupção, e nos casos extremos terminaram a encobrindo e alimentando. Por outro lado, as iniciativas anticorrupção na sociedade civil na maioria dos casos não têm tido a suficiente eficiência frente aos casos de corrupção.

Praticamente o único freio para que os funcionários não cometam mais atos de corrupção, ou para pressionar para que sejam investigados e punidos, tem sido a imprensa. Atualmente, a imprensa é talvez o único recurso com que contam os cidadãos para expor as condutas antiéticas dos funcionários, os abusos de poder e dos recursos do Estado e outras formas de corrupção. E na medida em que os veículos são mais independentes, e que os jornalistas têm melhores condições – oportunidades e garantias – para investigar, o poder fiscalizador da imprensa aumenta e também a sua capacidade para obrigar a que os casos sejam resolvidos e que seus responsáveis sejam punidos.

Como a imprensa argentina tem se comportado em denunciar a corrupção?

J.L. – A imprensa argentina, claro que com exceções, tem um alto nível em relação à investigação da corrupção. O jornalismo investigativo que se pratica na televisão é excelente. Por exemplo, o desenvolvimento das extensas investigações que terminaram em livros, como La delgada línea blanca, escrito por Juan Gasparini y Rodrigo de Castro, e que foi considerado como um elemento de prova pela Comissão Legislativa que investigou uma rede de lavagem de dinheiro.

Da mesma forma, muitos meios provinciais e locais fazem um trabalho incrível, que lamentavelmente nem sempre é reconhecido.

Bem agora, com a crise que está sofrendo a Argentina, faltam os sinais que têm manchado a credibilidade de um setor da imprensa, especialmente contra alguns dos grandes veículos que se presume tenham se beneficiado em suas dívidas com o sistema financeiro. Oxalá, pelo bem da imprensa argentina, que todos esses sinais sejam clareados.

*artigo publicado no site Observatório da Imprensa

Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2002.

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