Mercado de capitais

Advogada alerta empresários sobre uso de informação privilegiada

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9 de março de 2002, 15h54

A partir de fevereiro, os acionistas controladores e administradores de companhia aberta deverão redobrar seus cuidados ao fazer uso de informação privilegiada de que tenham conhecimento por força de suas atribuições na gestão da companhia.

Com a vigência da Lei nº 10.303/01, que alterou a Lei das Sociedades Anônimas, está tipificado como crime contra o mercado de capitais o uso de informação relevante ainda não divulgada ao mercado, com o intuito de obter para si ou para terceiros vantagens na negociação de valores mobiliários. Pena de reclusão de 1 a 5 anos e multa de até três vezes o montante da vantagem obtida ilicitamente.

A Instrução CVM nº 358, de 3 de janeiro de 2002, reforça a tentativa de impedir que acionistas controladores e administradores se utilizem de informações privilegiadas para comprar ou vender ações. Como princípio fundamental de boa governança corporativa, os administradores da companhia deverão informar a CVM, a companhia e a bolsa de valores ou mercado de balcão organizado, conforme o caso, os valores mobiliários de que sejam titulares, bem como quaisquer alterações em suas respectivas posições.

Vedações à negociação de valores mobiliários também foram abordadas pela Instrução 358. Acionistas controladores, administradores, bem como a própria companhia, estarão impedidos de transacionar seus valores mobiliários emitidos pela companhia, antes da divulgação de ato ou fato relevante a ela relacionado, regra esta que também será aplicada aos administradores que se afastarem da companhia, pelo período de seis meses contados do seu afastamento. A vedação à negociação ainda se aplicará ao período de 15 dias anteriores à divulgação das informações trimestrais (ITR) e anuais (IAN e DFP), relativas à companhia aberta.

Embora a Instrução 358 tenha sido publicada em 28 de janeiro deste ano, com sua vigência a partir de 28 de abril, conselheiros de administração, acionistas minoritários e profissionais do mercado financeiro já começaram a se posicionar. As novas vedações à negociação poderão tornar mais criteriosa a efetiva participação de profissionais do mercado nos conselhos de administração e conselho fiscal das companhias abertas. Os profissionais que passarem a ocupar cargos nos órgãos de administração da companhia ficarão sujeitos à divulgação de sua posições acionárias à CVM, bem como às regras de vedação à negociação de suas ações.

Na qualidade de acionistas minoritários de várias companhias abertas, alguns investidores institucionais temem pela aplicação dessas regras aos acionistas não controladores, que vierem a eleger um membro do conselho de administração. Sob a alegação de que tais acionistas de fato possam ter acesso às informações privilegiadas, através do membro do conselho de administração por eles eleito, poderia a CVM exigir desses investidores a não negociação de suas ações durante os períodos críticos apontados pela própria Instrução 358?

Os investidores desde já sofrem com a possibilidade de uma resposta afirmativa, muito embora essa não nos pareça a posição da Comissão de Valores Mobiliários, para a qual a Instrução 358 não terá o condão de prejudicar a liquidez do mercado acionário.

O administrador da companhia deve em qualquer circunstância agir no interesse da companhia, exercendo seu dever de lealdade, previsto no artigo 155 da Lei nº 6.404/76, e mantendo reserva sobre os seus negócios, estando proibido de utilizar em benefício próprio ou de terceiro, qualquer informação privilegiada, com ou sem prejuízo da companhia. Assim, o direito de eleger um membro do conselho de administração não deverá conferir automaticamente ao acionista minoritário o acesso às informações privilegiadas de que tem conhecimento o conselheiro eleito, em decorrência de suas atribuições.

O dever de lealdade deve ser exercido pelo administrador em defesa dos interesses da companhia, e não do acionista ou grupo de acionistas que o elegeu. Portanto, poderá o acionista minoritário, mesmo tendo eleito um membro do conselho de administração, negociar livremente suas ações, desde que não tenha conhecimento de informação privilegiada relativa a ato ou fato relevante, ainda não divulgada ao mercado. O conselho de administração, bem como seus membros no exercício de suas funções, devem agir de acordo com os interesses da companhia e não conforme os interesses próprios dos acionistas.

Grande inovação trazida pela Instrução 358 é o ônus que recairá sobre a companhia, no sentido de estabelecer uma política de divulgação de ato ou fato relevante, contemplando procedimentos relativos à manutenção de sigilo de informações privilegiadas. A política de divulgação deverá estar cuidadosamente descrita em documento a ser aprovado pelo conselho de administração da companhia.

Será necessária a adesão formal dos acionistas controladores e administradores e o respectivo documento permanecerá arquivado na sede da companhia enquanto a pessoa mantiver com a companhia seu vínculo e por cinco anos contados de seu desligamento.

A aprovação da política de divulgação deverá ser efetivada até 27 de junho de 2002, por força da Instrução 358. Dessa forma, poderá a companhia se salvaguardar de eventual responsabilização pelo vazamento de informações relevantes ainda não divulgadas ao mercado, respondendo cada uma das pessoas signatárias pelo não cumprimento das obrigações estabelecidas pela companhia em sua política de divulgação.

Mais um importante avanço rumo ao fortalecimento do mercado de capitais: a divulgação de ato ou fato relevante agora passa a ser também responsabilidade dos acionistas controladores e de quaisquer administradores da companhia.

Muito embora a Instrução 358 ainda atribua ao diretor de relações com investidores a competência pela comunicação à CVM e divulgação de ato ou fato relevante, aos acionistas controladores e demais administradores da companhia também competirá comunicar qualquer ato ou fato relevante de que tenham conhecimento.

No caso de omissão do diretor de relações com investidores em relação ao seu dever de comunicação e divulgação, deverão os acionistas controladores e administradores da companhia comunicar à CVM tal ato ou fato relevante, sob pena de igual responsabilidade pela não divulgação.

Revista Consultor Jurídico, 9 de março de 2002.

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