Boi Gordo

Procurador desiste de atuar em ação da Boi Gordo por ser credor

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5 de março de 2002, 14h17

Para que se possa alcançar o ideal de Justiça, almejado pelos jurisdicionados, o sistema processual coloca à disposição dos interessados, normas que asseguram, não só às partes em conflito, como aos juízes e promotores de Justiça (nos juízos singulares ou monocráticos) e desembargadores e procuradores de Justiça (nos Tribunais colegiados) instrumentos para que possam dar a cada um o que é seu, distribuir Justiça com a certeza de imparcialidade e a segurança de regras imutáveis que serão seguidas e observadas em todo curso do processo.

No centro de todo o sistema que assegura às partes a certeza de uma decisão JUSTA estão normas que garantem a imparcialidade dos magistrados e membros do Ministério Público.

Por isso, Vicente Greco Filho doutrina afirmando que “a imparcialidade do juiz (1) é pressuposto de toda atividade jurisdicional. A imparcialidade pode ser examinada sob um aspecto objetivo e um aspecto subjetivo.

No aspecto objetivo, a imparcialidade se traduz na eqüidistância prática do juiz no desenvolvimento do processo, dando às partes igualdade de tratamento. Todavia, para que se consiga a imparcialidade é preciso que o juiz seja subjetivamente imparcial, isto é, que seja verdadeiramente um estranho à causa e às partes.(GN)

O juiz, que de qualquer modo esteja vinculado à causa, por razões de ordem subjetiva, tem comprometida a sua imparcialidade e, portanto, não deve atuar no processo”. (2)

Para garantir a imparcialidade do julgador, o artigo 135, do CPC, contempla a hipótese da parte argüir a suspeição de parcialidade do juiz, num rol em cujo elenco está a possibilidade de “alguma das partes ser credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau”.

A lei também dá ao julgador e ao representante do Ministério Público o direito de “declarar-se suspeito por motivo íntimo,” (3) nesta hipótese para resguardar sua autoridade, sua isenção de ânimo e imparcialidade.

Já foi decidido que “o juiz não é obrigado a declinar os motivos da suspeição por foro íntimo, porque estão no seu âmago” (4). São motivos de ordem pessoal que o juiz e procurador, quando desejarem ser imparciais, devem guardar só para si.

Digamos, por hipótese, dentre as muitas que podem ocorrer na prática, que uma parte ofereça ao julgador vantagens financeiras, perdoe dívidas, ou qualquer outro tipo de vantagens propostas, que geralmente são feitas às escondidas, sem testemunhas ou por intermédio de amigos ou pessoas próximas, insinuações maldosas, e isso faça com que o julgador se sinta numa situação de constrangimento de tal ordem que não possa expô-la ao público ou mesmo ao próprio Tribunal, sem deixar que sua imagem saia arranhada do incidente.

Realmente a lei é sábia; é uma providência salutar resguardar o Magistrado e o membro do Ministério Público do dever de expor os motivos da suspeição. A lei lhes dá o direito de manter no seu âmago os motivos que só a si interessam para que não se sintam constrangidos para julgar ou atuar em uma determinada causa, quando sentirem questões de foro íntimo. Nem mesmo ao Tribunal eles precisam dar os motivos. É um direito sagrado que a lei lhes dá; é o direito de calar para resguardar sua dignidade!

Pontes de Miranda nos ensina que “quem está sob suspeita está em situação de dúvida quanto ao seu bom procedimento” (5), motivo pelo qual aquele (juiz ou membro do Ministério Público) que se veja no elenco do art. 135 tem o dever moral de afastar-se do processo, “principalmente se tem ação idêntica a do autor contra o mesmo réu”.

Sabemos que o agente do Ministério Público, como doutrina Antonio Dall’Agnol, “no desempenho de sua atividade típica intervém no processo, isto é, nele atua como fiscal da lei (art. 82 e 83); outras vezes há, no entanto, em que atua como parte, substituindo ou não, quando terá os mesmos ônus e poderes que às partes (art. 81).

Ao custos legis se aplica toda e qualquer causa de impedimento ou suspeição, motivo pelo qual se há de repetir aqui, mutatis mutandis, as considerações feitas por ocasião do exame dos arts. 134, 135 e 136”. (6)

Os princípios normados em relação aos juízes e desembargadores, não passaram despercebidos aos olhos do legislador, que introduziu na lei processual a obrigatoriedade de se aplicar e respeitar os mesmos princípios aos membros do Ministério Púbico: promotor, no Juízo monocrático e procurador de Justiça nos Tribunais colegiados…

Assim, pelo art. 138 I, do CPC, “aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição ao órgão do Ministério Público, quando não for parte”, isto é, quando agir na qualidade de custos legis, como fiscal da lei (art. 82), quando tem atividade obrigatória (arts. 84 e 246) e responsabilidade por dolo ou fraude (at. 85).


Uma vez atuando como custos legis, lembram Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, o Ministério Público está subordinado a dois princípios básicos que informam sua atividade: “o da unicidade e o da independência; o primeiro significa que a atuação do Ministério Publico é corporativa, podendo ser substituídos seus membros, um por outro, sem que exista qualquer alteração subjetiva nos processos; já o princípio da independência significa que a cada membro da instituição se exige atuação de absoluta submissão à lei.

O membro do MP é livre para agir, nos limites da lei, exclusivamente de acordo com sua consciência, inexistindo qualquer controle que não o disciplinar, da própria instituição”. (7)

Isto vale dizer que, v.g., num Tribunal quando o representante do Ministério Público (Procurador de Justiça) tiver de atuar em um determinado processo e nele se deparar com uma situação que se enquadre nas hipóteses elencadas no art. 135, do CPC, deve espontaneamente, de imediato, dar-se por suspeito e pedir ao Procurador Geral de Justiça que faça a redistribuição do processo a um outro Procurador de Justiça, sem que para tanto precise justificar os motivos de sua suspeição; é suficiente informar que se trata de questão de “foro íntimo”, resguardando sua dignidade e não se expondo à imputação de parcialidade.

Para José Frederico Marques, “como fiscal da lei é que a atividade do Ministério Público se apresenta múltipla e complexa, como nos processos de falência e concordatas…….. É ele aí a pars adjointe do direito francês, ou o titular de uma atuação processual acessória, como fala Carnelutti (8).

Cumpre-lhe ativar a jurisdição, suprindo omissões das partes e procurando fazer respeitada a ordem jurídica”; (9) por isso deve ser IMPARCIAL.

“Ministério Público é, em outros termos, o órgão constituído pro justitiae el legis tutela” (10); ele tem suas funções definidas na Constituição Federal (art. 127); é o fiel da balança que garante o respeito à Constituição, à lei e ao direito, assegurando às partes que seu direito será respeitado dentro das regras, das normas que direcionam à JUSTIÇA da questão controvertida.

Falando ainda sobre a importância e responsabilidade do Ministério Público nos Mandados de Segurança, Seabra Fagundes ensina que sua função é “a de custos legis para a defesa da ordem legal”. (11)

Alicerçados nestes princípios, como defensor da ordem legal e jurídica, o Ministério Público vai além de um simples parecerista, para ser o responsável por promover diligências tendentes à regularização do procedimento e ao melhor esclarecimento da lide, razão de se exigir que tenha total e irrestrita imparcialidade e impoluta isenção de ânimo para exercer sua árdua função de defensor e fiscal da lei, sem o que, dificilmente se terá JUSTIÇA.

Se assim não se sentir, deve deixar o processo para outro procurador.

Mas, se não o fizer, a parte poderá argüir a sua suspeição, para que atue no processo um representante do parquet totalmente isento de parcialidade. “Ao custos legis se aplica toda e qualquer causa de impedimento ou suspeição”, doutrina Antonio Dall’Agnol. (12)

No caso específico do Mandado de Segurança nº 2.607, impetrado por investidores das FRBG no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, cujo teor pode ser encontrado no site www.investidorboigordo.com.br, discute-se o foro competente para processar a Concordata da Boi Gordo, isto é, se o foro competente é o da Capital de São Paulo, como querem os investidores-impetrantes invocando em favor de sua tese, a lei, a farta doutrina e copiosa jurisprudência dos Tribunais, ou o de Comodoro-MT, como pretendem as FRBG, prejudicando os investidores para atender seus interesses escusos, alegando que lá existe a sua maior propriedade (extensão territorial) – (a matéria já foi objeto de artigo que publicamos na Revista Consultor Jurídico, sob o título “Conflito Geográfico”, (www.conjur.com.br), edição do dia 08-11-2001) instruído com a doutrina e jurisprudência a respeito.

O Mandado de Segurança nº 2.607, que já está quase em fase de julgamento, depende apenas da manifestação do Procurador de Justiça, isto porque a lei exige que um Procurador de Justiça do Estado de Mato Grosso receba os autos do MS, por distribuição legal, examine sua regularidade formal e intrínseca, verifique se há nulidades ou irregularidades e defenda a ordem legal, a ordem jurídica, emitindo um PARECER sobre o processado, dizendo com quem está o melhor direito: se com os investidores ou com as FRBG.

Esse Procurador tem a função de fiscalizar a lei e emitir um PARECER jurídico sobre a questão em discussão, razão pela qual deve ter total isenção de ânimo, sem nenhum interesse pessoal no processo; o Procurador não pode se enquadrar no elenco das hipóteses previstas no art. 135, do CPC.


Todavia, ao ser distribuído o Mandado de Segurança nº 2.607 na Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, foi sorteado para nele atuar o procurador de Justiça Luiz Alberto Esteves Scaloppe. Ele teve a dignidade, a independência e a imparcialidade digna de um Membro do Ministério Público de considerar-se suspeito para atuar e emitir PARECER no MS nº 2.607, despachando nos autos que o fazia pelo fato de também ser investidor e credor da concordatária FRBG, pela importância total de R$ 188.746,88 e recebeu proposta de terceiros para compra de seu crédito (sic).

Efetivamente os impetrantes ao comprovarem a relação dos credores, dela puderam constatar que ele é titular de dois (2) contratos, sendo um de R$45.039,38 e outro de R$143.707,50), conforme está comprovado às fls. 034, 13ª e 14ª linhas, do ANEXO 04 (K-Z) que instrui referido Mandado de Segurança nº 2.607.

O procurador teve um comportamento exemplar, que só dignifica e enaltece o Ministério Público do Estado de Mato Grosso, mostrando e comprovando a grandeza da instituição e a importância de ser honesto, imparcial.

Ele sequer precisaria ter justificado os motivos de sua recusa, mas como as provas se encontram nos autos, mostrou a lisura de seu comportamento consignando expressamente nos autos os motivos que o levaram a deixar o processo.

Está de parabéns o Ministério Público do Estado de Mato Grosso; aliás, sob o comando do procurador-geral de Justiça Guiomar Borges, cujo caráter e imparcialidade são sobejamente reverenciados por todos que o conhecem, só poderíamos esperar daqueles que estão sob sua direção a mesma postura impoluta que enleva e engrandece a Instituição, que é exemplar na Federação. O Ministério Público ainda é um dos órgãos mais respeitados e íntegros na Republica.

Pelos arts. 135, II c/c art. 138, do CPC haveria fundada suspeição de parcialidade do Procurador de Justiça designado, por ser credor das FRBG; mas ele sequer esperou que alguém a argüisse, motivo pelo qual teve a coragem de reconhecer sua suspeição, afastando-se do processo. Poderia alguém, apressadamente, criticá-lo por ter levado quase vinte (20) dias para reconhecer sua suspeição, mas não se pode olvidar que muitas vezes os processos passam primeiro pelas mãos de assessores e só quando chegam às mãos do Procurador é que ele tem oportunidade de ter o contato direto com os autos e verificar sua suspeição ou impedimento, quando presentes.

Espera-se que o novo procurador sorteado, leve em conta que a matéria questionada é simples e está fartamente comprovada nos autos. Por outro lado existem quase 30.000 investidores aguardando ansiosamente o Julgamento do Mandado de Segurança nº 2.607, para definir a competência do foro onde irá se processar a Concordata das FRBG e não pretendem ir ao STJ pleitear seus direitos, que certamente encontrarão no grandioso Estado de Mato Grosso.

Continua-se mais uma vez confiando na integridade, imparcialidade, competência e rapidez do Ministério Público em defesa da lei, quando age como custos legis, assegurando um julgamento digno da integridade moral de seus pares, não pairando nenhuma dúvida sobre a total isenção de ânimo e imparcialidade de conduta do Ministério Público do Mato Grosso, como já foi demonstrado, mantendo imaculada sua tradição de respeito à lei, bom senso, sabedoria e imparcialidade, sem o quê será impossível obter JUSTIÇA.

Notas de Rodapé

1 – Leia-se também: e dos Membros do Ministério Público”

2 – Direito Processual Civil Brasileiro, 1º vol., ed. Saraiva, p. 229, pág. 36)

3 – CPC, art. 135, parágrafo único: “Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo”

4 – RTRF – 1ª Reg. 10/267. No mesmo sentido: RT 754/432. Idem THEOTÔNIO NEGRÃO, CPC, 32ª Ed. RT, Saraiva, Nota 7 ao art. 137 do CPC,

5 – Comentários ao Código de Processo Civil, ed. Forense, Tomo II, pág. 399

6 – Comentários ao Código de Processo Civil, ed. RT, 2000, vol. 2, pág.175

7 – Curso avançado de Processo Civil, 2ª ed. RT, vol. I, 2º tiragem, pág. 213.

8 – FRANCESCO CARNELUTTI, Istituzioni Del Nuovo Processo Civile Italiano, 1951, vol. I, págs. 198 a 200)

9 – Instituições de Direito Processual Civil, Vol. II, 4ª ed. Forense, Rio, pág. 171, nº 370

10 – GIUSEPPE SEBATINI, Il Pubblico Ministero nel Diritto Processuale Penale, 1943, vol. I, pág. 54.

11- Ob. Cit. págs. 45 a 47

12 – Comentários ao Código de Processo Civil, vol.2, ed. RT 2000, pág. 175.

Revista Consultor Jurídico, 5 de março de 2002.

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