Herança em jogo

Filhos fora do casamento têm direito à herança, decide STJ.

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1 de março de 2002, 10h27

O Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, reconheceu o direito de dois filhos gerados fora do casamento à partilha de bens de um testamento feito em 1975. Na época, a legislação ainda fazia distinção entre filhos tidos durante a união legal (legítimos) e os fora do casamento (ilegítimos).

A votação na Quarta Turma do STJ foi por 3 a 2. O relator da questão polêmica foi o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que liderou a tese vitoriosa.

De acordo com o processo, o paranaense R.F.M. (testador) deixou bens em favor dos “filhos legítimos” de seu neto R.M.N, inclusive aos que viessem a nascer.

O testador morreu em junho de 1976. Na ocasião, o neto R.M.N. tinha um único filho, C.R.M., nascido em 1972 de uma relação conjugal. Entretanto, no mesmo ano estava separado de fato da esposa e mantinha uma relação de concubinato. Desse relacionamento nasceu um casal de filhos, L.H.M., em 1977, e A.F.M., em 1978.

O testamento previu a transmissão de imóveis localizados na Praça Tiradentes, em Curitiba. O testador também estabeleceu a seu neto R.M.N. o usufruto vitalício dos imóveis. Assim, a transferência definitiva dos imóveis “aos filhos legítimos” ficou condicionada à morte de R.M.N.

Em 1985, R.M.N morreu e sua ex-companheira, representando os filhos nascidos fora do casamento, solicitou judicialmente a partilha dos bens previstos no testamento redigido dez anos antes.

O pedido foi questionado em juízo por C.R.M. (o primeiro filho de R.M.N.) sob o argumento de que, mesmo reconhecidos pelo pai, os demais não faziam jus ao legado do bisavô. O primeiro filho argumentou que a vontade do testador foi a de beneficiar apenas os filhos que viessem a nascer durante o casamento.

C.R.M. propôs ação declaratória para que fosse reconhecida a inexistência de direito dos irmãos (L.H.M e A.F.M) aos bens deixados. Pediu pelo menos a exclusão de A.F.M. da partilha, já que nasceu depois da morte do bisavô. Argumentou que a legislação em vigor à época da abertura do testamento estabelecia a diferença entre filhos tidos durante a união legal (legítimos) e os fora do casamento (ilegítimos).

A primeira instância reconheceu o direito exclusivo de C.R.C. aos bens. Porém, o Tribunal de Justiça do Paraná reverteu a decisão e reconheceu o direito dos três filhos à partilha de bens ao julgar apelação.

Segundo o TJ-PR, “a disposição de última vontade beneficiou indistintamente todos os filhos sangüíneos, inclusive os que viessem a nascer, pouco importando serem frutos de casamento ou concubinato”.

“Quando faleceu o testador, o primeiro réu (L.H.M.) estava concebido e ainda não nascido e a segunda (A.F.M.) sequer havia sido gerada, mas tinha capacidade sucessória, porque filha de pessoa (R.M.N.) determinada no testamento”, disse o relator.

O ministro Barros Monteiro, que pediu vista da matéria, concordou com a argumentação do ministro Sálvio de Figueiredo. “A interpretação de disposição testamentária, envolvendo o espírito que norteou a sua edição situa-se meramente no plano dos fatos”, afirmou.

O terceiro voto que assegurou a validade da decisão de segunda instância e o acesso indistinto dos filhos foi dado pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar. “Na atual ordem constitucional, não existe a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Esta distinção é hoje ilícita, pois não permitida pela Constituição. Daí não ser possível causar prejuízo aos filhos”.

Os ministros César Asfor Rocha e Aldir Passarinho Jr. entenderam que o testador quis contemplar apenas os filhos legítimos de seu neto e ao tempo da celebração do testamento a legislação fazia tal distinção. “Não vejo como dar outra interpretação ao caso”, afirmou o ministro César Asfor Rocha.

Revista Consultor Jurídico, 1º de março de 2002.

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