Reforma da CLT

CUT pede ao MPF ação de improbidade contra Dornelles

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1 de março de 2002, 19h40

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) quer que a Procuradoria-Geral da República apresente ação de improbidade combinada com ação civil pública, com pedido de liminar, em caráter de urgência, para que seja suspensa a publicidade em favor da reforma da CLT.

A CUT pede a apuração da responsabilidade civil e criminal de todas as pessoas que contribuíram para a veiculação da propaganda, em especial o ministro do Trabalho, Francisco Dornelles e o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva.

De acordo com a entidade, representada pelo advogado João Roberto Egydio Piza Fontes, o governo está se utilizando do Erário público para veicular as propagandas com o objetivo de manipular a opinião pública em defesa de seus interesses.

Na representação, a CUT afirma que o governo quer “a promoção política de determinadas pessoas, partidos políticos e organizações sindicais que, no caso em concreto, atuam paralelamente aos interesses imediatos dos atuais ocupantes do Executivo Federal”.

Veja a íntegra da Representação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR DA REPÚBLICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DO DISTRITO FEDERAL

CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES – CUT – inscrita no CNPJ sob o número 60563731/0001-77, com sede na Capital do Estado de São Paulo, na rua Caetano Pinto, 575, por seu advogado que esta subscreve (doc. anexo), vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 37 “caput” e parágrafos da Constituição Federal; Lei n.º 8.429 de 2 de Fevereiro de 1.992 (Lei da Improbidade Administrativa) e demais dispositivos legais aplicáveis à espécie, apresentar a presente REPRESENTAÇÃO, através das razões de fato e de direito que passa a expor.

DOS FATOS ENSEJADORES DA PRESENTE REPRESENTAÇÃO

Preliminarmente, convém salientar, conforme se depreenderá da exposição que segue, pretende o Requerente esclarecer e alertar sobre as possíveis irregularidades perpetradas pelo Governo Federal lato senso e especificamente por seu Ministério do Trabalho e Emprego, do qual é titular o Sr. Ministro FRANCISCO OSWALDO NEVES DORNELLES, por ocasião de publicidade veiculada acerca do projeto de lei que trata da reforma de parte da Consolidação das Leis do Trabalho, de interesse de diversos partidos políticos e de dirigentes de algumas centrais sindicais, os primeiros componentes da base de sustentação do governo e os segundos além de apoiadores, candidatos declarados a cargos eletivos, vez que estes, salvo melhor juízo, vêm se utilizando do erário público para efeito de veicular as referidas matérias publicitárias na imprensa escrita, falada e televisiva, acerca do mencionado projeto apresentado pelo Poder Executivo e pendente ainda de aprovação do Senado Federal; objetivando assim, em tese, alcançar fins não autorizados pela Constituição Federal e repudiados pela Lei de Improbidade Administrativa.

Por estas razões, serve a presente para que Vossa Excelência, após o exame das provas em anexo apresentadas, e no uso das prerrogativas que lhe são atribuídas pela Lei Fundamental, tome as medidas legais cabíveis para efeito de apuração dos fatos e eventual responsabilização de seus agentes, na forma a seguir exposta.

DO FATO ESPECÍFICO QUE MOTIVA A PRESENTE REPRESENTAÇÃO

O Ministério do Trabalho e Educação e o Governo Federal, veicularam em diversos órgãos da imprensa nacional, matéria publicitária entitulada “REFORMA TRABALHISTA”, objetivando o aliciamento da opinião pública em prol da proposta governamental de mudança da sistemática das leis trabalhistas, cuja transcrição abaixo é apenas exemplificativa e deve ser analisada em conjunto com as demais provas, inclusive fitas de transmissão radiofônicas e televisivas, verbis:

REFORMA TRABALHISTA

A reforma trabalhista do Governo Federal mantém a CLT e oferece a alternativa de negociação entre empresas e sindicatos de trabalhadores. Mas o sindicato só negocia se quiser. Se preferir, fica com a CLT.

A reforma proposta não tira nem diminui direitos do trabalhador.

Direitos constitucionais, entre eles FGTS, licença-maternidade e 13º salário não podem ser negociados.

A reforma trabalhista fortalece os sindicatos, mantém postos de trabalho e cria empregos com carteira assinada. Ministério do Trabalho e Emprego – Governo Federal

É de conhecimento público e notório que a pretendida reforma da Consolidação das Leis Trabalhistas, foi, como de fato ainda é, muito discutida na esfera das organizações sindicais, empresariais e no seio da sociedade de um modo geral.

O Projeto de Lei n.º 5.483/2001, de iniciativa do Poder Executivo, defendido pelos partidos políticos que o apoiam, foi encaminhado em regime de urgência à Câmara dos Deputados para sua apreciação e, em 04 de dezembro de 2.001, levado à discussão, sendo ao final aprovado por 264 votos a favor, 213 votos contra e 2 abstenções.


Assim, nos termos do art. 65 da Carta Magna, o Projeto de Lei n.º 5.483/2001 do Poder Executivo, mais conhecido como “Reforma da CLT”, encontra-se, de fato, pendente de votação e aprovação pelo Senado Federal.

Todavia, em que pese ainda esteja em fase de discussão perante o Senado Federal, portanto tramitando na órbita do Poder Legislativo, é certo que a conduta do Poder Executivo, através do Ministério do Trabalho e Emprego, exteriorizada através da mídia falada, escrita e televisiva, custeada pelo erário, ultrapassou os limites determinados no art. 37, § 1º da Constituição Federal, na exata medida em que a referida publicidade visa criar na opinião pública ambiente favorável ao projeto governamental e via de conseqüência, pressionar os senhores membros da Câmara Alta, em ano eleitoral, a aprovarem-no.

Embora o subscritor da presente acredite na altivez e independência dos membros do Senado Federal, não resta dúvida que a referida publicidade poderá ainda promover e beneficiar – dado o seu conteúdo escrito, visual e falado consoante documentos ora oferecidos com a presente – determinadas pessoas físicas, organizações partidárias, categorias econômicas e seus dirigentes; o que por óbvio constitui conduta repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio.

Disciplina o § 1º, do artigo 37 da Constituição Federal que:

“A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou servidor público.”

Diante dos documentos que instruem a representação, nota-se, ilustre representante do Parquet Federal, que, pela via transversa da manipulação da opinião pública em defesa de seus interesses, visa, s.m.j., o Poder Executivo interferir na independência do Poder Legislativo, tudo às custas do erário público, violando via de conseqüência postulado republicano positivado em nossa Constituição Federal e as legislações infra-constitucionais, sejam de natureza civil ou penal.

Ademais, a publicidade das pretensões do Governo quanto à Reforma Trabalhista, incrementada até mesmo com “artistas sindicais” que rodeiam os bastidores do atual Governo Federal, é evidente e escandalosamente desarrazoada e tem fins outros, como por exemplo a promoção da figura pessoal de lideranças sindicais que também almejam carreiras políticas no próximo mês de outubro, fins estes que, em tese, caracterizam improbidade administrativa, desvio de finalidade e a má gestão dos recursos públicos, sem falar em eventuais ilícitos penais que podem, em tese, terem sido praticados; tanto mais porque não há que se dar conhecimento ostensivo acerca do juízo de valor à sociedade dos termos do projeto de lei, vez que aquela se encontra devidamente representada no Senado Federal.

Portanto, na primeira hipótese supra mencionada, vislumbra-se inquestionável ingerência do Poder Executivo no Poder Legislativo, ferindo-se assim a independência que deve existir entre os Poderes da República, consoante determina a Carta Constitucional em seu art. 2º.

Quanto à segunda hipótese – esta sim, de ocorrência evidente – apura-se que a publicidade realizada pelo Governo Federal e o Ministério do Trabalho, visou a promoção política de determinadas pessoas, partidos políticos e organizações sindicais que, no caso em concreto, atuam paralelamente aos interesses imediatos dos atuais ocupantes do Executivo Federal; sendo certo que aqueles que democraticamente se opõem aos desígnios governamentais não foram contemplados com verbas públicas para que pudessem, eventualmente, contrapor seus argumentos àqueles veiculados na milionária campanha publicitária.

Alerte-se contudo, evidentemente, que não se pretende com a presente consagrar-se, pelo respeito ao princípio da isonomia, a ilegalidade perpetrada pelos representados, mas apenas salientar que o erário público advém de contribuição de todos os cidadãos brasileiros que pagam os seus tributos, sejam eles pró referido projeto de lei ou contrários a ele.

Para demonstrar a inconstitucionalidade e ilegalidade da, permissa vênia, tosca ação governamental, que nada mais é do que a consagração do ditado popular, fazer-se mesura com o chapéu alheio, vale declinarmos acórdão proferido pela 4.ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Vejamos:

“A previsão legislativa limita e impede que a publicidade oficial possa, por diferentes disfarces, encobrir velada propaganda pessoal dos administradores, especialmente em período pré-eleitorais, de tal modo que o dinheiro público não venha a ser empregado na promoção de eventuais candidatos (TJSP, 4º Civ., Ap. 232.433-1, rel. Des. Olavo Silveira, ADV 77.968; RJTJSP 182/13).”


E mais, o entendimento dos nossos Tribunais, é pacífico no sentido de que o agente público responsável pela veiculação de matéria publicitária com o intuito exclusivo de fazer promoção político partidário e custeado pelo erário púbico, tem a obrigação de ressarcir os valores retirados dos cofres públicos indevidamente. Vejamos:

Tribunal de Justiça de São Paulo

Apelação cível – ação popular – sentença que julgou o pedido – preliminares afastadas – inobservância do artigo 37, § 1º da constituição federal e dos princípios: da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade – informe publicitário (filme) pago pelos cofres públicos caracterização efetivada da responsabilidade dos demandados, pois promovido o mesmo com verba que pertence aos cofres públicos, com intenção única e exclusivamente de promoção político partidária – evidenciamento de infringência do regramento sagrado no parágrafo 1º do artigo 37 da constituição federal – devendo, induvidosamente os réus ressarcirem os valores retirados dos cofres públicos indevidamente – cabal confirmação do r. julgado recorrido inclusive quanto à honorária advocatícia sucumbencial imposta – recurso não provido. (apelação cível n. 59.665-5 – Taubaté – 7ª câmara de direito público – relator: Prado Pereira – 27.03.00 – v. u.)

Tribunal de Justiça do Distrito Federal

processo: apelação cível apc5287299 df

acórdão: 136467

órgão julgador: 1a turma cível data: 09/10/2000

relator: Eduardo de Moraes Oliveira

publicação: diário da justiça do df: 10/04/2001 pág: 18

referências legislativas: constituição federal art-37 par-1

ramo do direito: direito constitucional direito processual civil

ementa

Ação popular – anúncios publicitários na imprensa escrita na campanha “paz no trânsito” com ataque pessoal em desfavor de adversário político – descaracterização da propaganda educativa e informativa – uso do dinheiro público que malfere os arts. 37, § 1º, da constituição federal, arts. 18, inciso iii e 22, inciso v, da lei orgânica distrital – rejeição das preliminares – recurso conhecido e improvido, maioria – 1) o estado, conquanto o maior interessado na procedência da ação popular e na volta aos seus cofres do dinheiro tido por dissipado, pode, no entanto, estar em juízo para defesa dos atos praticados pelos seus agentes, assim transbordantes, no eventual, o interesse e as demais condições da ação. 2) quem não é parte no processo, nem é terceiro interessado, não pode, pois, estar em juízo, ao tempo do recurso e por isso o seu apelo não é de ser conhecido, por óbvio. 3) a ação popular prospera se transparente, a olhos vistos, a ilegalidade e a lesividade do ato praticado, máxime quando o administrador usa recursos financeiros do erário para, em nome de uma campanha sócio-educativa-informativa ou no rasto desta, num indesculpável desvio de finalidade, alcançar objetivo político em confronto com a norma constitucional.

Decisão: conhecer e improver os recursos, por maioria, acolhendo a preliminar de ilegitimidade do DETRAN e rejeitando a preliminar de ilegitimidade do Distrito Federal, à unanimidade.

Ementa

Auditoria realizada junto ao Banco Central do Brasil. Multa ao ex-Diretor de Administração do Banco Central do Brasil, em função da prática de atos que se enquadram no disposto no inciso II, do art. 58, da Lei n.º 8.443/92. …

Resumo

Auditoria. BACEN. Verificação da economicidade, eficiência e eficácia dos gastos com publicidade e propagando do Governo Federal e apuração de denúncia acerca do assunto. Veiculação de campanhas desconectadas dos objetivos institucionais da autarquia. Campanhas comemorativas do Plano Real sem o conhecimento das peças básicas orientadoras dos gastos dos recursos pelo BACEN e sem autorização expressa da Secretaria de da Presidência da República. Utilização de meios de comunicação de massa inadequados ao esclarecimento do programa PROER, com o objetivo de direcionar a opinião pública no sentido de amenizar a imagem negativa do programa. Celebração de termo aditivo para pagamento de diárias e passagem vedado pelo contrato original. Celebração de termo aditivo para prorrogação da vigência de contrato para realização de serviços que já dispunham de valor global para execução. Acolhimento das justificativas apresentadas por alguns responsáveis. Alegações de defesa do ex-Diretor Administrativo do BACEN rejeitadas, em parte. Multas. Determinação. Juntada às contas. (Tribunal de Contas da União, Acórdão 293/2000, Plenário, processo 000.526/1988-3).

Vale ainda a pena conferir, tendo em vista encaixarem-se como verdadeira luva ao caso em concreto, os seguintes julgados parcialmente transcritos:

Tribunal de Justiça de São Paulo


matéria: ação popular

recurso: ac 156487 1

origem: sp

órgão: cciv 8

relator: Franklin Nogueira

data: 25/03/92

ementa

Ação popular – objetivo – devolução das importâncias gastas com publicidade, pela prefeitura, relativa ao projeto “tarifa zero” – hipótese de manifesto desvio de finalidade – recurso provido para julgar procedente o pedido. Os gastos com publicidade em torno do projeto “tarifa zero”, que, realizado em época de eleições, e sob o disfarce informativo, não trouxe benefício direto aos administrados, mas antes revelou uma tentativa de ajudar os candidatos do partido dos trabalhadores.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal

processo: agravo de instrumento agi918797 df

acórdão: 105513

órgão julgador: 5a turma cível data: 16/04/1998

relator: Adelith de Carvalho Lopes

publicação: diário da justiça do df: 03/06/1998 pág: 69

referências legislativas: código de processo civil art-527 inc-3 constituição federal art-37 par-2

ramo do direito: direito administrativo

ementa

Agravo de instrumento – ação popular publicidade institucional do governo do distrito federal – promoção pessoal do governador – deferimento da liminar – preliminar de nulidade do recurso – rejeição. 1. rejeita-se a preliminar de nulidade do recurso, por não ter sido intimada a parte agravada, se a relação processual não restou completa na primeira instância pela citação, ficando impossibilitado o recorrido de contraminutar o agravo. 2. embora o princípio da publicidade confira à administração pública o dever de informar à comunidade do que se passa no âmbito da ação estatal, é imprescindível que essa publicidade tenha caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos (art. 37, § 1º, da constituição federal). 3. agravo provido para confirmar a liminar antes deferida, determinando-se a suspensão da publicação do nome do governador nas publicidades institucionais do governo do distrito federal. 4. decisão por maioria.

decisão: conhecer e dar provimento ao recurso. maioria.

Desta forma, caso o Ministério Público Federal conclua que as matérias veiculadas nos jornais, na televisão e no rádio visam promover ou beneficiar política e economicamente determinadas pessoas, o que se impõe é a tomada de medidas judiciais cabíveis visando a responsabilização dos agentes públicos, pelo uso inadequado do erário, com a condenação dos mesmos ao ressarcimento aos cofres públicos dos gastos indevidos; sem prejuízo das sanções decorrentes da improbidade administrativa e de eventuais ilícitos praticados tanto pelos agentes públicos propriamente ditos quanto por aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para tal.

DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A Constituição Federal dispõe em seu artigo 37, § 4º que:

“A administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

(……)

Parágrafo 4º: os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

Sob o manto constitucional foi editada a Lei 8.429/92 que disciplina as sanções aplicáveis aos agentes públicos pela prática de atos de improbidade administrativa, como também classifica tais atos em três categorias, bem delineadas: a) os atos lesivos ao erário; b) os que importam em enriquecimento ilícito e, c) os que atentam contra os princípios da administração.

Assim, no caso da irregularidade na veiculação da matéria publicitária – até mesmo independentemente da análise acerca da comprovada ingerência do Poder Executivo no Poder Legislativo – diante das provas ora apresentadas, é certo, s.m.j., que os agentes públicos em questão cometeram atos lesivos ao erário ou geraram algum benefício indevido às partes envolvidas. É público e notório que tais agentes cometeram atos que afrontaram flagrantemente os princípios da administração, sendo portanto imperiosa a apuração dos fatos ora narrados, tanto mais porque os mesmos caracterizam, em sua essência, a inobservância dos princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade dos atos administrativos, além de um gritante desvio de finalidade. Trata-se portanto de grave violação dos princípios gerais de direito, posto que:

“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais…”


De outro bordo, impõe-se verificar, também, o real significado da expressão improbidade administrativa e diferenciá-lo da moralidade administrativa, embora ambos os conceitos estejam intimamente ligados entre si.

Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, p. 431, ensina que o vocábulo improbidade “revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignadamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral.”

Assim, com base no significado imprimido ao vocábulo, conclui-se que a improbidade administrativa constitui-se um desvio de caráter do agente público, que atua na via inversa daquilo que tem-se como moralmente correto, e contrariamente aos ditames constitucionais normatizadores do exercício da função pública.

Já o princípio da moralidade administrativa inserido na norma constitucional (art. 37, caput), segundo análise dos doutos, encontra um significado e alcance maior, qual seja, o de inibir que o administrador conduza perante a administração “de modo caviloso, com astúcia ou malícia preordenadas.” (in Direito Administrativo na Constituição de 1988, Rev. Tribunais, 1.991, p. 3)

No mesmo sentido é o entendimento de Marcelo Figueiredo, em seu livro “Probidade Administrativa” (Malheiros Editores, São Paulo, 1.995, página 21), quando ensina:

“Entendemos que a probidade é espécie do gênero “moralidade administrativa” a que alude, v.g o art. 37, caput, e seu § 4º da CF. O núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa, verdadeiro norte à administração em todas as suas manifestações. Se correta estiver a análise, podemos associar, como o faz a moderna doutrina do direito administrativo, os atos atentatórios à probidade como também atentatórios à moralidade administrativa. Não estamos a afirmar que ambos os conceitos são idênticos. Ao contrário a probidade é peculiar e específico aspeto da moralidade administrativa.”

Por outro lado, o art. 10 da Lei n.º 8.429/92 considera atentatório à probidade administrativa, qualquer ação ou omissão dos agentes públicos, seja ela dolosa ou culposa, que causa lesão ao erário, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbarateamento ou dilapidação dos bens ou haveres da entidades referidas no art. 1º da lei em referência. Isto porque, sob o aspecto econômico, a conduta do funcionário deverá ser adequada e compatível ao bom gerenciamento e uso do dinheiro público, sob pena de, uma vez ultrapassado os limites desse padrão, afrontar à honestidade e dignidade da função pública.

No caso, por tratar-se de matéria publicitária veiculada em diversos órgãos de comunicação, com o intuito de promover política e economicamente terceiros às custas do erário público, é inequívoca a afronta aos princípios constitucionais da moralidade e da publicidade, dispostos no artigo 37 da Carta Magna.

Assim, evidentemente que não foi extrapolado somente o padrão comportamental dos agentes públicos, mas houve sim, infringência de preceitos legais e constitucionais. Acrescenta-se ainda que, os Agentes Públicos não poderiam, como não podem, se utilizar dessa condição para praticar ato diverso daquele previsto na regra de competência utilizada, sob pena da busca de um dado fim jurídico por meios inidôneos caracterizar o vício de “desvio de poder”. Daí porque, não importa que a finalidade buscada o seja com boa intenção ou em si mesma honesta – o que não é o caso. Basta que não seja aquela atingível pelo meio utilizado. Sobre este aspecto, disse SEABRA FAGUNDES in “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 5ª ed., Editora Forense, página 72-73):

“Nada importa que a diferente finalidade com que tenha agido seja moralmente lícita. Mesmo moralizada e justa, o ato será inválido por divergir da orientação legal.”

E nesse diapasão, é patente que restaram violados vários dispositivos, os quais, ora se transcreve:

Constituição Federal

Art. 37, § 1º: A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou servidor público.

§ 4º: Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Lei 8.429/92 – Lei da Improbidade Administrativa

ART.10 – Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, mal barateamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1 desta Lei, e notadamente:

II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1 desta Lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;


Art. 12 – Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

…..

II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

E para a configuração da improbidade administrativa é dispensável a existência do dolo, sendo suficiente a culpa genérica. Nesse sentido, já dissertaram Marino Passaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior, na obra “Improbidade Administrativa”, Ed. Atlas, São Paulo, 1.996.

“Em princípio pode parecer de excessivo rigor legal, a punição do agente público que laborou culposamente para a consumação de lesão ao erário. Todavia, assim não é.

Os agentes públicos em geral, inclusive os que servem empresas estatais ou que de qualquer modo envolvam dinheiro público, têm a obrigação de se conduzir com diligência no desempenho de suas funções, sendo incompatível com a natureza delas a imprudência e a negligência.

Agente público imprudente é o que age sem macular as conseqüências, previsíveis para o erário, do ato que pratica. Negligente é o que se omite no dever de acautelar o patrimônio público. Tanto um como outro descumprem dever elementar imposto a todo e qualquer agente público, qual seja, o de zelar pela integridade patrimonial do ente ao qual presta serviços, à medida que trata-se de patrimônio que, não sendo seu, a todos interessa e pertence.

De modo que o “deixar passar” esta ou aquela irregularidade, o “não examinar” determinado documento, ou “não cuidar” de uma ou outra providência jamais poderiam justificar a falta de diligência, a imprevisão do previsível, enfim, o desdouro do trato da coisa pública.

Por outro lado, o julgador certamente saberá diferenciar a fixação da sanção conforme seja o ato de improbidade praticado com culpa ou dolo, estabelecendo para o primeiro caso reprimenda menos severa, dentro dos parâmetros máximo e mínimo ofertados pelo art. 12, inciso II.” (pág. 70)

Diante do exposto, conclui-se que as ações dos representados ofenderam princípios constitucionais explícitos e ainda normas infraconstitucionais, por isso, podendo estar os agentes públicos em referência incursos nas penas do art. 12, inciso II, por prática de atos descritos no art. 10, incisos II, IX, XI e XII da Lei de Improbidade Administrativa, dentre outros dispositivos legais, requer se digne V. Exa. de receber e processar a presente REPRESENTAÇÃO, determinando:

a – imediata apuração dos fatos alegados na presente;

b- a interposição da competente ação de improbidade combinada com ação civil pública, com pedido de liminar, em caráter de urgência, para o fim de serem suspensas todas as veiculações das matérias publicitárias veiculadas na mídia, quer a escrita, a falada e a televisiva, com a condenação dos representados na forma da lei.

c – seja também apurada a responsabilidade civil e criminal de todas as pessoas que contribuíram para a veiculação das matérias publicitárias, sem exceção, especialmente dos Srs. FRANCISCO OSWALDO NEVES DORNELLES, atual Ministro do Trabalho e Emprego, PAULO PEREIRA DA SILVA, E DEMAIS DIRIGENTES DE ORGANIZAÇÕES SINDICAIS QUE PARTICIPARAM DA CAMPANHA PUBLICITÁRIA.

São Paulo para Brasília, 27 de fevereiro de 2.002.

João Roberto Egydio Piza Fontes

OAB/SP 54.771.

Revista Consultor Jurídico, 1º de março de 2002.

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