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STJ tranca ação penal movida por delegada contra radialista

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28 de maio de 2002, 15h23

O Superior Tribunal de Justiça trancou ação penal contra o radialista de Araraquara (SP), José Carlos Magdalena. O processo de calúnia e difamação foi movido pela delegada de polícia, Eleuza Maria Gaspar, porque o radialista disse em seu programa que ela tinha deixado de registrar um Boletim de Ocorrência em determinada situação. Durante o processo ficou comprovado que a delegada somente registrou o B.O depois que o fato foi noticiado.

Em primeira instância, o radialista foi condenado à pena de 10 meses e 26 dias de detenção, em regime semi-aberto, além do pagamento de 10 salários mínimos. A condenação foi baseada na Lei de Imprensa e no Código Penal. O radialista recorreu e o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo substituiu a pena do regime semi-aberto por prestação de serviços à comunidade.

José Carlos recorreu ao STJ para tentar trancar o processo. Ele foi representado pelos advogados Mário Sérgio Speretta e Luiz Eduardo Grenhandg. A defesa alegou que a condenação fere a liberdade de expressão e o direito de informar. “O radialista tem o direito de criticar os servidores públicos”, disse Speretta.

O relator do habeas corpus impetrado no STJ, ministro Gilson Dipp, acatou os argumentos e trancou a ação penal. O voto foi acompanhado por unanimidade.

Segundo Speretta, o radialista já respondeu cerca de 20 processos na cidade. Houve somente uma condenação por multa. Atualmente, tramitam quatro ações contra José Carlos em Araraquara.

Leia a decisão do STJ

HABEAS CORPUS Nº 16.634 0 – SP (2001/0052632-2)

RELATOR : MINISTRO GILSON DIPP

IMPETRANTE: LUIZ EDUARDO GREENHALGH E OUTROS

IMPETRADO: TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: JOSÉ CARLOS MAGDALENA

EMENTA

CRIMINAL. HC. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CALÚNICA. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO A RESPEITO DA FALSIDADE DAS AFIRMAÇÕES. DIFAMAÇÃO. ATRIBUIÇÃO DE FATOS GENÉRICOS E INDETERMINADOS. ATIPICIDADE DAS CONDUTAS. ORDEM CONCEDIDA.

I .Para a caracterização do delito de calúnia é necessária a configuração do elemento subjetivo, qual seja, a vontade livre e consciente de estar imputando, falsamente, a outrem, fato definido como crime.

II. Se evidenciado, nos autos, que o paciente não tinha condições de avaliar a veracidade das afirmações veiculadas no Jornal do qual era radialista, pois somente teria repassado notícias obtidas pela repórter, não há que se falar em crime de calúnia.

III. Se o paciente limitou-se a proferir, de forma genérica, expressões desrespeitosas em relação à vítima, sem, contudo, especificar as imputações, não se configura o delito de difamação, pois, para tanto, é necessário que o fato ofensivo seja preciso, concreto e determinado.

IV. Ordem concedida para, cassando-se o acórdão recorrido, determinar-se o trancamento da ação penal instaurada contra o paciente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem para, cassando o acórdão recorrido, determinar o trancamento da ação penal instaurada contra o paciente. Os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Edson Vidigal, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 19 de março de 2002 (Data do Julgamento).

MINISTRO FELIX FISCHER

Presidente

MINISTRO GILSON DIPP

Relator

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS 16.634 0 – SP (2001/0052632-2)

EXMº SR. MINISTRO GILSON DIPP

Adoto, como relatório, a parte expositiva do parecer ministerial de fls. 333/338, in verbis:

“Cuida-se de pedido de habeas corpus impetrado em face de acórdão proferido pela Quinta Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, que, por maioria de votos, dando parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa, manteve a decisão de Primeiro Grau que condenara o paciente JOSÉ CARLOS MAGDALENA pela prática, em concurso formal, dos delitos de calúnia e difamação contra funcionário público (artigos 20 e 21 da Lei de Imprensa, c/c 23, I, do mesmo diploma legal, e 61, I e 70, caput, ambos do Código Penal), substituindo-lhe, todavia, a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade.

Sustentam os impetrantes, em síntese, que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal, eis que a decisão vergastada teria negado vigência aos artigos 20 e 21 da Lei 5.250/67. Em relação ao crime de calúnia, argumentam que ele não sabia que os fatos divulgados em seu programa de rádio – ausência de providências por parte de delegada de polícia ao receber notitia criminis – não era verdadeiro, e que, ademais, comprovou-se depois, o era, uma vez que o boletim de ocorrência – providência exigida – somente foi lavrado após a divulgação imputada caluniosa e difamatória. Em relação ao crime de difamação, alegam que as expressões transcritas na denúncia, além da descontextualizadas, não atribuem qualquer fato determinado à delegada de polícia, não se amoldando, pois, àquele tipo penal.

A medida liminar foi indeferida à fl. 137.

Informações às fls. 141/142″

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela concessão da ordem (fl. 338).

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

MINISTRO GILSON DIPP

RELATOR

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS 16.634 0 – SP (2001/0052632-2)

VOTO

O EXMº SR. MINISTRO GILSON DIPP (RELATOR):

Trata-se de habeas corpus contra acórdão proferido pelo E. Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo que, deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto em favor de JOSÉ CARLOS MAGDALENA, tão-somente para substituir a pena privativa de liberdade por prestação de serviços.

O paciente foi condenado como incurso nas sanções dos artigos 20 e 21, c/c o artigo 23, inciso I, todos da Lei de Imprensa (5.250/67), e art. 61, inciso I, c/c o art. 70, caput, ambos do Código Penal, à pena de 10 meses e 26 dias de detenção, em regime semi-aberto, além do pagamento de 10 salários mínimos.

Em razões, sustenta-se, em síntese, que, quanto ao delito de calúnia, o paciente não teria conhecimento de que os fatos imputados à suposta vítima – Delegada de Polícia – seriam falsos.

Quanto ao crime de difamação, o impetrante refere que as expressões utilizadas pelo paciente, transcritas na denúncia, não teriam atribuído qualquer fato determinado à Delegada de Polícia, razão pela qual a conduta do acusado não poderia se adequar ao tipo penal referido.

Pugna-se, assim, pelo trancamento da ação penal.

Merece prosperar a irresignação.

Os autos dão conta de que o paciente, em 28/08/1997, na condição de radialista do programa Grande Jornal Falado da Manhã, na Rádio Cultura de Araraquara, teria feito afirmações no sentido de que a Delegada de Polícia ELEUSE MARIA GASPAR MARTINS, ao ser procurada pela família de uma criança que, em tese, estaria sendo mantida em cárcere privado, não teria tomado qualquer providência para a elaboração do boletim de ocorrência, encaminhando os familiares para o Conselho Tutelar de Menores.

Consta da exordial acusatória que, no mesmo programa de rádio, o paciente teria afirmado que “mulher tem que provar capacidade para ser delegada de polícia”; “… prá que a polícia civil? Acaba com ela que nós vamo fazê uma economia disgramada”; “Eu não sei se mulher tem talento para ser delegada. Mulher tem ta, pelo menos não está provando”: que a vítima “tem mania de sempre empurrar com a barriga”; e, “… agora, pra mim isso chama-se priguiça, não quero trabalha” (fls. 144/145).

Assim, o i. representante do Ministério Público imputou ao paciente os delitos de calúnia e difamação, tipificados nos artigos 20 e 21, respectivamente, da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa).

No entanto, tenho que as condutas praticadas pelo paciente são atípicas, ensejando o trancamento da ação penal contra ele instaurada.

Inicialmente, quanto ao delito de calúnia, o cerne da questão orienta-se no sentido de o paciente ter noticiado que a Delegada de Polícia não teriam elaborado boletim de ocorrência para apuração do crime de cárcere privado, sendo que tal afirmação seria falsa, eis que a indicada vítima teria tomado as devidas providências para a apuração do delito.

Segundo destaca José Geraldo da Silva, em sua obra “Leis Penais Especiais Anotadas”, no crime de calúnia previsto no artigo 20 da Lei 5.250?67, “o elemento subjetivo do tipo é o dolo, que consiste na vontade livre e consciente de atribuir falsamente a alguém fato definido como crime, com a intenção de ofender a sua honra(1)

Como bem ressaltado pela Subprocuradoria-Geral da República, consta dos autos que o paciente apenas repassou a notícia de que a Delegada teria se recusado a lavrar boletim de ocorrência, informação esta que foi obtida pela repórter que esteve no local dos fatos.

Vê-se que o acusado não tinha condições de avaliar a veracidade da noticia veiculada, isto é, se a Delegado de Polícia procedeu, efetivamente, à elaboração do boletim de ocorrência quanto ao delito de cárcere privado na ocasião referida pela repórter ou não.

Ademais, apesar da exordial acusatória afirmar que a Delegada teria tomado as providências pertinentes no mesmo dia em que procurada pela família da criança e, somente depois disto, encaminhado os familiares ao Conselho Tutelar de Menores, o próprio Magistrado prolator da sentença condenatória afirma não ter certeza quanto à data em que foi feito o boletim de ocorrência, conforme se depreende do seguinte trecho:

Tudo indica que o boletim de ocorrência n. 630/97 (fls. 06), com data de 27 de agosto de 1997, foi de fato elaborado depois desta data, porque os de n. 627.628 e 629 datam de 28 de agosto (fls. 221/223)” (fl. 179).

Dessarte, se o paciente não tinha a noção da falsidade da afirmação veiculada no Jornal do qual seria radialista, não há que se falar em crime de calúnia, eis que não restou caracterizado o dolo, consistente na vontade cônscia de estar atribuindo, falsamente, a outrem, fato definido como crime.

Por outro lado, quanto ao crime de difamação, da mesma forma, não deve prosperar a ação penal.

Isso porque, para a configuração do delito de difamação, é necessário que o fato ofensivo seja preciso, concreto e determinado, sendo que o paciente limitou-se a proferir, de forma genérica, expressões desrespeitosas em relação à Delegada de Polícia, sem, contudo, especificar as imputações.

Nesse sentido, leciona o Professor Paulo José da Costa Júnior, que a conduta típica da difamação “consiste na divulgação de um fato concreto, ofensivo à reputação de alguém(2)

A esse respeito, adoto, ainda, as conclusões do parecer ministerial, que elucidaram de forma clara a controvérsia, baseando-se, inclusive, em precedente desta Corte:

“(…) O paciente não imputou nenhum fato determinado à suposta vítima, mas, tão-somente, limitou-se a proferir palavras e opiniões desrespeitosas em relação à Delegada de Polícia, sobretudo acerca da sua capacidade profissional, inclusive em virtude da sua condição de mulher (…). Nesse sentido é a seguinte decisão dessa egrégia Corte Superior:

HABEAS-CORPUS – CRIME CONTRA A HONRA – DIFAMAÇÀO – ATIPICIDADE.

Para que se caracterize a figura da difamação, não basta que a denúncia narre, genericamente, procedimento tido como lesivo à reputação do imputado. Mister se faz que o fato seja determinado e com o propósito de ofender.

Ordem concedida para trancar a ação penal de que se trata”.

(HC 667/MG – STJ, 5a Turma. Rel. Min. CID FLAQUER SCARTEZZINI, julg. 20/05/1991, p. 8.646 – grifei)” (fls. 335/336).

Diante do exposto, concedo a ordem para, cassando o acórdã recorrido, determinar o trancamento da ação penal instaurada contra o paciente.

É como voto.

MINISTRO GILSON DIPP

RELATOR

Notas de rodapé

1- SILVA, J. g. da (Coord) Leis Penais Especiais Anotadas, 2ª ed. São Paulo: Millennium, 2001, p. 346

2- COSTA JÚNIOR, P. J. da. Direito Penal. Curso Completo. 5ªed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 290

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