Liberdade de expressão

TJ-SP nega indenização de R$ 200 mil em ação contra Editora Globo

Autor

28 de maio de 2002, 18h02

A 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, rejeitou pedido de indenização por danos morais para a filha do tenente Hugo Reina, que já morreu. Na ação movida contra a Editora Globo, Regina Alvez Reina pediu R$ 200 mil por causa da reportagem publicada na revista Marie Claire sobre a “Turma do Barão”. A filha do tenente ainda pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.

A reportagem da revista relata alguns episódios vividos pelos integrantes da turma na capital paulista na década de 70. O seu irmão era um dos integrantes da “Turma do Barão”. Entre os fatos narrados na revista, estão histórias de brigas e envolvimento com drogas e sexo.

“A autora pode não concordar em ver o nome do pai ligado ao comportamento desregrado do irmão. Também pode entender que a complacência dele, pai, seria conivência com os eventuais delitos configurados e a impunidade. Todavia, não pode atribuir à reportagem o conceito de ofensiva, visto que não está desmentindo o conteúdo da publicação, nem provando que a reportagem extravasou da simples narrativa para a inclusão de considerações ofensivas”, disse o relator, Silvio Marques Neto.

Em 1999, um processo por danos morais referente à mesma reportagem foi extinto. Na época, o filho de Hugo Reina também pedia indenização de R$ 200 mil.

A Editora Globo foi representada pelo advogado Luiz de Camargo Aranha Neto. A decisão confirma entendimento da 32ª Vara Cível Central da Capital.

Leia o acórdão

PODER JUDICIÁRIO

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO COM REVISÃO n° 235823/4/0 da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante REGINA ALVES REINA, sendo apelada EDITORA GLOBO S/A:

ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, proferir a seguinte decisão: negaram provimento, de conformidade com o voto do Relator Sorteado, que fica fazendo parte do presente julgado.

O julgamento teve a participação dos Srs. Desembargadores Assumpção Neves e Nivaldo Balzano, com votos vencedores.

São Paulo, 22 de Abril de 2002

SILVIO MARQUES NETO

Relator e Presidente

PODER JUDICIÁRIO

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 235823/4/0

Comarca: SÃO PAULO – 32ª Vara

1ª Instância: Processo nº 466491/1008

Apelante: REGINA ALVES REINA

Apelada: EDITORA GLOBO S/A

ADVOGADOS: SILVANA DE JESUS LOPES MENDES

PEREIRA (APTE) e LUIZ DE

CAMARGO ARANHA NETO (APDO)

VOTO Nº 12672

EMENTA – Indenizatória de dano moral improcedente – reportagem simplesmente narrativa de fatos revelados por aqueles que deles participaram – inexistência de desmentidos ou prova em contrário – indevida invocação do CDC para inversão do ônus da prova – apelo improvido.

RELATÓRIO.

Trata-se de Ação de Danos Morais julgada improcedente pela r. sentença de fls. 234, cujo relatório fica adotado. Decidiu-se que não houve abuso no direito de e as poucas referências ao pai da autora não o envolviam com crime ou tráfego de drogas.

Tempestivamente apela a vencida às fls. 241 alegando que a reportagem é ofensiva, trouxe transtornos à família ao envolver seu falecido pai, honrado oficial do Exercito, com a chamada “Turma do Barão”. Quanto às provas, disse que o artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor determina a inversão, ficando a editora obrigada a produzi-las.

A apelada respondeu às fls. 264.

FUNDAMENTOS.

Em primeiro lugar registre-se que a invocação ao Código de Defesa do Consumidor fica afastada. Não existe relação de consumo no caso dos autos.

O fato é o seguinte. A revista “MARIE CLAIRE”, editada pela requerida, no número visto na íntegra às fls. 72 e seguintes, publicou urna reportagem às suas páginas 52/7 com inúmeras fotos. A matéria tinha os seguintes títulos e subtítulos: “CLUBE DA ESQUINA – OSSOS DO BARÃO – Tragédias dizimam a gangue que passou a juventude procurando violência e paixão“. Ao final de uma ementa aparece o nome do autor da reportagem George Alonso.

Na capa, sem destaque especial, vinha a chamada “Triste fim da turma mais temida dos anos 70”. No índice consta “Memória: o balanço amargo da turma do barão“.

Até aí não existe nada que possa ligar a reportagem ao pai da autora, ou que demonstre a exploração dele e sua honra com o fito de lucro.

A matéria é iniciada com um breve resumo do que se passava no Brasil naquela data e depois volta 18 anos para relatar como apareceu a tal “turma do barão” e descrever o comportamento violento, agressivo e desregrado de seus componentes. Também faz um breve apanhado de como se encontram os remanescentes da “gang” na data da reportagem. Também não há nenhuma referência ao pai da recorrente.

Nas inúmeras fotos, obtidas com os próprios membros da “turma”, segundo anotado, não existe identificação do pai dela.

A reportagem passa a narrar acontecimentos, brigas, invasões de festas, uso de drogas, agressões e mortes narradas ao repórter pelos próprios “barões de sangue” ou suas meninas, também parte do grupo. Confrontando-se a narrativa publicada com as notas transcritas de degravações às fls. 163/202, não se vislumbra algo inventado pelo repórter. Para isso seria necessário que algum dos componentes da “gang” viesse desmentir ou oferecer versão diferente. Aliás, comparando-se algum caso contado por mais de um membro da “gang” chegar-se-á à versão da reportagem.

Ao contrário do alegado pela autora apelante, a matéria é até bem branda em relação ao que foi contado. Muita coisa não foi publicada, como sexo dentro do grupo, uso de drogas, falsidade em processo judicial e na maior parte violência em geral.

Chega-se, então, ao caso do pai da apelante.

Ele entrou na reportagem porque foi referido pelo próprio irmão da apelante, membro destacado da gangue. A violência dele fez com que granjeasse o apelido de “Valdir demônio” (fls. 185) que acabou perdendo um braço em um ato de desatino (fls. 189).

Introduzindo um episódio contado pelo irmão da autora, o repórter falou que a turma do barão se considerava super protegida. Eram filhinhos de papai que não se preocupavam com dinheiro. Eram briguentos despreocupados porque sempre que iam parar na delegacia do bairro, o 23° Distrito, também encontravam proteção da parte dos pais, empresários importantes ou militares graduados.

“Valdir demônio” contou ao repórter, e este publicou, que o pai, Hugo Reina, oficial do Exército e integrante da “Operação Bandeirante”, certa vez esmurrou a mesa do delegado de policia e liberou os jovens.

Nem a apelante, nem seu irmão desmentiram esse fato. Se ele aconteceu, e não está demonstrado o contrário, não importa qual a ilação que dele se tira, pois aconteceu realmente. Se Valdir quis vangloriar-se com a história, o problema é dele. Nesse caso, não há como dizer que a publicação foi mentirosa ou ofensiva. A autora deve cobrar do irmão.

A autora pode não concordar em ver o nome do pai ligado ao comportamento desregrado do irmão. Também pode entender que a complacência dele, pai, seria conivência com os eventuais delitos configurados e a impunidade. Todavia, não pode atribuir à reportagem o conceito de ofensiva, visto que não está desmentindo o conteúdo da publicação, nem provando que a reportagem extravasou da simples narrativa para a inclusão de considerações ofensivas. Além do mais, pode não ser correto, mas é comum a presença de pais nas delegacias tentando livrar os filhos de indiciamento e prisão em face da própria condição de pais.

É possível até que a família, como o próprio País, tenha evoluído nesses 20 anos a ponto de não aceitar mais gangues como a do barão e comportamentos como o do irmão e do pai da apelante. Entretanto, nem por isso pode ser considerada ofensiva a simples e fiel narrativa de um acontecimento do passado, baseada no relato de seus participantes.

Correta a r. sentença.

Destarte, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

SILVIO MARQUES NETO

Relator

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!