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Veja jurisprudência sobre o monitoramento de e-mails de empregados

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27 de maio de 2002, 14h14

A revolução cibernética tem gerado uma série de mudanças nas relações sociais que afetam necessariamente os vínculos empregatícios. Nesse bojo, uma série de questões afloram envolvendo empregados e empregadores no que concerne a utilização dos meios eletrônicos no ambiente de trabalho.

Como não poderia deixar de ser, ao refletirem na desenvoltura da relação de emprego esses acontecimentos trazem algumas conseqüências que lesionam direitos de ambas ou de apenas uma das partes e que desenbocam no Judiciário.

Porém, por serem questões novas ainda suscitam uma série de discussões quanto à aplicação da legislação vigente pois a mesma não possui redação específica e contundente que solucione o caso concreto de maneira desejada e eficaz.

No entanto, através de estudos anteriores e alguns em formação procuramos idealizar uma ciência contendo institutos e princípios norteadores específicos que noticiem as questões envolvendo o Direito e a Informática.

Um deles é o princípio da subsidiariedade segundo o qual as legislações tradicionais podem ser aplicadas desde que de forma adequada e compatível. Os ideais eram que fossem criadas normas legais sobre o assunto, no entanto enquanto as mesmas não surgem deveremos aplicar as vigentes mesmo que não se adequem e solucionem de forma correta a questão factual.

Direito à intimidade

O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo deparou-se com um caso interessante sobre a utilização indevida do e-mail pelo empregado em horário de trabalho e pelos meios de produção oferecidos pelo empregador. Referido acórdão conclui que:

Ementa

Justa Causa. “E-mail” caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII). Um único “e-mail”, enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa. Recurso provido.

Dois pontos foram analisados. O primeiro diz respeito à violação da intimidade do empregado e o segundo diz respeito à proporcionalidade da pena aplicada pelo envio de apenas um e-mail.

A primeira é extremamente contundente quando assevera que o “e-mail” caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII)”.

Ora, uma afirmação desse tipo é extremamente temerável pois dá carta branca ao empregado que, escudado no princípio da intimidade assegurado na Constituição, poderá utilizar-se do e-mail para qualquer fim, pois o empregador não terá o direito de filtrá-lo para investigação e correta aplicação dos bens utilizados para a produção.

Referida conclusão não soluciona de maneira eficaz o problema, trazendo a nosso sentir maior insegurança nas relações trabalhistas. Lembramos ainda que o direito a intimidade, é igual aos demais direitos fundamentais não sendo absoluto e podendo ceder ante os interesses constitucionalmente relevantes, sempre que seja necessário para lograr um fim legítimo, proporcionando o respeito ao conteúdo essencial do direito.

Não devemos permitir que o advento das novas tecnologias provoque o desaparecimento de algumas características, implicações ou abrangências da privacidade dos empregados, uma vez que as mesmas são cada vez mais freqüentes e essenciais para o intercâmbio de informação.

Não possuímos, ainda premissas legais sobre o assunto no direito atual que viabilizem uma correta aplicação do Direito, pois o mais correto seria uma reestruturação do direito à intimidade, adequando-o às novas tecnologias da informação para que não permitam decisões radicais que pendam apenas em beneficio de uma das partes.

Acreditamos que não há como não vulnerar os direitos constitucionalmente protegidos, devendo no entanto o empregador, optar, sensata e ponderadamente, por políticas adequadas de controle da atividade que favoreçam um ambiente de trabalho relaxado e confiável que proporcione autonomia e intimidade, evitando o receio, a pressão e o mal-estar dos trabalhadores por meio de condutas excessivas derivadas do poder empresarial.

Entendemos que o empregador poderá exercer o controle tecnológico sobre seus trabalhadores, desde que seja analisado caso a caso e atendendo a estritos critérios de idoneidade, necessidade e proporcionalidade, a utilização de medidas de vigilância e controle que sirvam aos fins a que se pretendam, causando o menor impacto possível sobre a intimidade e a dignidade do trabalhador.

Justa causa


O segundo aspecto diz respeito à proporcionalidade da falta. Conclui o acórdão que “Um único “e-mail”, enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa“.

Devemos reconhecer que o trabalhador deve ter direito a uma comunicação externa durante o horário de trabalho, inclusive dentro da empresa. O empregador tem que aceitar o que se denomina direito ao uso social do e-mail. Logicamente, dentro do ambiente de trabalho também pode haver o uso pessoal, não abusivo e justificado, dos meios e comunicação da empresa.

Referidos acontecimentos são cada dia mais usuais, proporcionados pela evolução da nova organização do trabalho. Da mesma maneira que o empregador pode exigir, em determinadas circunstâncias, que o trabalhador não somente opere no âmbito da empresa, senão também de seu domicílio – o que se conhece como teletrabalho – é lógico também que o empresário permita uma determinada permeabilidade, não abusiva, como o uso pessoal dos meios de comunicação.

É um intercâmbio moderno: se em uma empresa flexível corresponde a um trabalhador flexível, é lógico que o trabalho estritamente profissional e o pessoal terão fronteiras muito mais flexíveis, difíceis de separar de maneira absoluta.

É muito difícil que um empresário moderno, que se preocupa com os aspectos concernentes à qualidade na relação de trabalho, à participação dos trabalhadores e à identificação com os objetivos da empresa, seja um empresário que direcione, de maneira absoluta, seus próprios meios de comunicação para um determinado uso de caráter trabalhista. Seria muito difícil e cremos que seria uma opção retrógrada.

O empresário que opte por isso, é um empresário que não teria nenhuma justificação para exigir uma cota pessoal ao próprio trabalhador, mais além do que estritamente profissional. Hoje em dia, os empresários modernos entendem que tudo que seja de conhecimento pessoal do trabalhador redunda em benefício da eficiência da empresa. O problema está em ver que o uso social, o uso extra profissional, não tem elementos de abuso e prejuízo objetivo para a empresa e é ali onde temos que intentar lograr um equilíbrio.

Assim, o correio eletrônico pode ser utilizado no âmbito da empresa, porém de forma moderada e que não implique em prejuízos funcionais ou de qualquer outra ordem à empresa. A ótica a ser observada não deve ser limitada à quantidade de e-mails e sim à prejudicialidade que sua utilização possa ocasionar à empresa.

Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região- São Paulo

E-mail – invasão de privacidade – Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

JUSTA CAUSA. “E-MAIL. ENVIO POR COMPUTADOR DA EMPRESA. NATUREZA DE CORRESPONDENCIA PESSOAL. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. VIOLAÇÃO À INTIMIDADE. EXEGESE.

Ementa

Justa Causa. “E-mail” caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII). Um único “e-mail”, enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa. Recurso provido.

Acordam os juízes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, por unanimidade dos votos, em dar provimento ao recurso para julgar a ação procedente em parte, condenando a reclamada ao pagamento de aviso prévio, 40% de indenização do FGTS, 2/12 do décimo terceiro. Deverá a reclamada proceder à entrega das guias para liberação do FGTS e do seguro desemprego, ficando condenada a indenizar o equivalente a quatro parcelas, cada uma no valor do último salário do reclamante, caso mostre-se, na execução, impossível o recebimento do seguro-desemprego. Correção monetária e juros na forma da lei. Ficam determinados os descontos previdenciários, nos termos do Provimento 01/96, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Arbitrados à condenação e às custas, respectivamente, os valores de R$ 3.000,00 (três mil reais) e de R$ 60,00 (sessenta reais), sendo estes em reversão ao reclamante.

Ciente, com vista dos autos, o Ministério Público do trabalho, por sua representante legal, Dra. Márcia de Castro Guimarães

São Paulo, 3 de agosto de 2000.

Maria Aparecida Duenhas

Presidente

Fernando Antônio Sampaio da Silva

Relator

Márcia de Castro Guimarães

Procuradora

Cândida Alves Leão

Procuradora (ciente)

Acórdão n° 2000000387414 – Tribunal Regional do Trabalho da 2a. Região – Acórdão publicado no DO. SP de 08.08.2000.

Processo TRT/SP n° 2000034734-0

Recurso Ordinário da 37 VT de São Paulo

Rito Sumaríssimo


Ementa: Justa Causa. “E-mail” o se caracteriza como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII). Um único “e-mail”, enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa. Recurso provido.

Voto

I – Do conhecimento.

Trata-se de ação distribuída em 20.03.2000, processada pelo rito sumaríssimo, tendo em vista que os pedidos são totalmente líquidos, no total de R$ 2.773,49, sendo atribuído R$ 3.000,00 como valor da causa. Recurso tempestivo. Custas recolhidas. Representante processual regular. Conheço.

II – Da justa causa.

O poder de comando do empregador corresponde ao direito potestativo de organizar a empresa e dirigir a prestação de serviços. Como corolário é conveniente que o empregador puna a falta com advertência didática, suspensão e, só então, com o despedimento, a menos que a gravidade da conduta do empregado possa autorizar a rescisão imediata do contrato de trabalho, em razão da completa perda da confiança depositada no colaborador da empresa. Outrossim, entende-se que não é dado ao judiciário decidir acerca da gradação da pena para modifica-la; excessiva a penalidade, deve cassá-la e deferir os consectários legais cabíveis.

De acordo com a comunicação da dispensa de fl.99, foi o reclamante sumariamente dispensado por “utilizar-se no dia 02 de fevereiro p.p , durante o horário normal de trabalho, do canal da INTERNET, para fins outros diferentes daqueles exigidos do serviço ( item 1.2 do Aditivo ao Contrato de Trabalho), embora advertido anteriormente.”

A contestação, por sua vez, alude à instalação de “softwares” não ligados ao trabalho, cujos exemplos estariam às fls. 94 e 97/98. Há que se ponderar, contudo, que tal alegação não corresponde à conduta faltosa imputada ao reclamante, devendo-se a lide ficar adstrita aos fatos expostos no documento de fl.99. Tampouco se fez prova concreta da advertência que teria sido dada ao reclamante pois a tanto não se presta o documento de fl. 90.

Restou evidenciado que o reclamante retransmitiu um “e-mail” às 13 horas, 15 minutos e 20 segundos do dia 02.02.2000 (fl.91), que era do tipo “corrente”, ou seja, prometia um ganho com o reenvio da mensagem para um certo número de pessoas. No caso, a Microsoft pagaria US$ 5,00 a cada “e-mail” enviado, conforme o documento de fl. 91. Trata-se, em suma, de promessa de ganho fácil. Inócuo o conteúdo da carta eletrônica, não representando nenhum risco a atividade empresarial.

Na audiência de fl. 24, declarou a reclamada que havia horário de café, nos horários das 15:00 às 15:15 ou das 15:15 às 15:30 horas. Isso leva a crer que o empregado enviou o e-mail na proximidade ou dentro do horário de intervalo, o que enfraquece a gravidade da falta. Atente-se que o reclamante depôs que enviou o e-mail no horário de café. Como a boa fé está presumida entendo do empregador o ônus da prova em contrario.

De outra parte entendo que houve violação ao direito à intimidade do obreiro. Com efeito, “e-mail” nada mais é que correio eletrônico. Ou seja, correspondência enviada pelo computador. Ainda que se utilize o computador da empresa, o endereço (eletrônico) pertence ao reclamante. Manifesta a violação de correspondência, ainda que eletrônica, fere a garantia à intimidade (Constituição Federal, art. 5°, inc.VIII). Por analogia, o caso equivale à escuta de conversa telefônica, conduta essa que é sabidamente reprimida pela jurisprudência.

Não se trata, a toda evidência, de falta grave cometida pelo empregado, com mais de três anos no emprego, sendo inadmissível o rigor da reclamada.

Provejo, assim, o apelo para deferir as verbas rescisórias pleiteadas, a saber: aviso prévio, 40% de indenização do FGTS, 2/12 de décimo terceiro salário, bem como a liberação do FGTS e do seguro-desemprego, nos termos do pedido, cujas guias serão entregues pela reclamada, pena de execução direta pelo equivalente. Nos termos do art. 159 do Código Civil, autoriza-se a conversão do seguro-desemprego em indenização equivalente a quatro parcelas cada uma no valor do último do último salário do reclamante, caso seja inviável o recebimento do seguro-desemprego.

A multa pelo atraso no pagamento e a dobra salarial (art.467) não se justificam, ante o oportuno depósito em conta corrente do valor incontroverso (fl.100). Observe-se que o reclamante não pleiteou férias proporcionais.

(…)

Isto posta, conheço do recurso do reclamante e, no mérito, dou provimento, para julgar a ação procedente em parte, condenando a reclamada ao pagamento de aviso prévio, 40% de indenização do FGTS, 2/12 do décimo terceiro. Deverá a reclamada proceder à entrega das guias para liberação do FGTS e do seguro desemprego, ficando condenada a indenizar o equivalente a quatro parcelas, cada uma no valor do último salário do reclamante, caso mostre-se, na execução, impossível o recebimento do seguro-desemprego. Correção monetária e juros na forma da lei. Ficam determinados os descontos previdenciários, nos termos do Provimento 01/96, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Arbitrados à condenação e às custas, respectivamente, os valores de R$ 3.000,00 (três mil reais) e de R$ 60,00 (sessenta reais), sendo estes em reversão ao reclamante.

Fernando Antônio Sampaio da Silva

Relator

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