Venda casada

Advogado quer que MP investigue venda casada em São Paulo

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23 de maio de 2002, 10h22

O advogado Amaro Moraes e Silva Neto pediu para o Ministério Público investigar a responsabilidade civil e penal de diretores de empresas de computação, em São Paulo. Segundo o advogado, as empresas “somente vendem seus computadores se o consumidor comprar, concomitantemente”, outros produtos.

“Uma breve leitura das publicidades elencadas evidencia que seu direito de escolha é ignorado, haja vista que se preferir uma outra plataforma operacional não será atendido. Enfim, terá que comprar um software que não deseja para não ser utilizado”, disse o advogado no pedido.

Moraes lembrou que a venda casada fere o Código de Defesa do Consumidor.

Leia a representação 0041-581/2002

ILUSTRÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO:-

Eu, AMARO MORAES E SILVA NETO, brasileiro, casado, advogado, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, sob nº 38.203, com escritórios, nesta Capital, na avenida xxxx nº xxxx, conjunto xx, no bairro de Cidade Jardim, (CEP 01457-020), consoante as prerrogativas proclamadas pelo artigo 27 do Código de Processo Penal, VENHO PROVOCAR SUA INICIATIVA no sentido de serem apuradas as responsabilidades civis e penais dos diretores dos seguintes estabelecimentos comerciais:-

1) TODAY’S COMPUTERS, com sede, nesta Capital, na rua Vieira de Moraes, nº 763, no bairro de Moema;-

2) SP Informática, com sede, nesta Capital, na rua Belém, nº 105/109, no bairro de Belém;-

3) PRO STATIONS, com sede, nesta Capital, na rua avenida Iraí, 393, cj. 51, no bairro de Moema;-

4) DigyStore, com sede, nesta Capital, na Serra da Juréia, nº 134, no bairro do Tatuapé;-

5) Hard Leste, com sede, nesta Capital, na rua Henrique Sertório, nº 174, no bairro do Tatuapé (ao lado do Metrô);-

6) O Notebook, com sede, na Web, em WWW.ONOTEBOOK.COM (ou telefones: 5031-5995, 5032-0267 ou 5032-1451 – presumivelmente da Capital paulista) e

7) M.C. Grow Informática, com sede, nesta Capital, na rua Vargem Grande nº 14, no bairro do Tatuapé (esquina Radial Leste),

Esse pedido encontra respaldo nas razões de fato e nas alegações de direito a seguir questionadas:-

i – dos fatos

1) Aos 16 de maio de 2002 (quinta-feira passada), como costumeiramente o fazem, diversas empresas de São Paulo (SP), anunciaram a venda de computadores no Suplemento de Informática do Jornal da Tarde;-

2) Até aí, a princípio, nada de errado ou que fira a praxis comercial. Contudo, um pequeno detalhe transforma o regular exercício mercantil em uma prática vedada pelo Código Consumerista. ¿Por que? Porque somente vendem seus computadores se o consumidor comprar, concomitantemente, o sistema operacional Windows, desenvolvido pela Microsoft.(1)

Comprovemos isso através de alguns anúncios que estavam impressos no suplemento hebdomanário do Jornal da Tarde, ex vi:-

1) COMPAQ EVO N110

Pentium III 1.0 GHz, HD 20 GB, 256 MB,

DVD 8, Fax Modem 56K, tela 14.1″ TFT,

Windows ME(pré-instalado)

3 X (sem juros) de R$ 1.789,66

(à vista R$ 5369,00)

propaganda da TODAY’S COMPUTERS

(publicada às fls. 01, do JT de 17 de maio de 2002)

2) NOTEBOOK 1720 PRESÁRIO

Pentium III, 1000 MHz * 256Mb

* Hard Disk 20Gb

* Tela 14″ M. Ativa * DVD-ROM

*CD – RW * Windows XP

(à vista R$ 5.400,00)

propaganda da SP Informática

(publicada às fls. 03, do JT de 17 de maio de 2002)

3) NOTEBOOK TOSHIBA

[várias ofertas – várias ofertas e somente uma transcrita]

1000 S 157

CELERON – 1.06 Ghz

256Mb RAM

– HD 15 Gb – Tela TFT 14,1″

– Fax Modem 56 Kps – DVD 8X

– Windows XP inglês

+ placa rede = R$ 100,00

R$ 3.890,00

propaganda da PRO STATIONS

(publicada às fls. 03, do JT de 17 de maio de 2002)

4) NOTEBOOK

Toshiba Satélite 400 PRO

* Pentium III, 900 Mhz

* 256 Mb

* HD 20 GB

* DVD + CD-RW

* Tela Matriz Ativa 15,1″ TFT

* rede 10/100

* Fax Modem 56K V.90

* Windows 98 inglês

4X R$ 1.525,00

à vista R$ 6.100,00

propaganda da DigyStore

(publicada às fls. 08, do JT de 17 de maio de 2002)

5) NOTEBOOKS

[várias ofertas e apenas uma transcrita]

TOSHIBA 1800 S207

* CELERON 1.06 GHZ * 256 MB

* HD 20 GB – DVD CF-RW

*FAX MODEM 56K

* WINDOWS XP PRO

à vista 4.799,00

propaganda da Hard Leste

(publicada às fls. 08, do JT de 17 de maio de 2002)

6) WWW.ONOTEBOOK.COM

[várias ofertas e apenas uma transcrita]

TOSHIBA 1800 S-274

P3, 1.1 Ghz, 256Mb

20 Gb, DVD+CDRW

Fax 56K, Rede 10/100

Tela 15,1″ Ativa

R$ 5.299,00

propaganda da O Notebook


(publicada às fls. 10, do JT de 17 de maio de 2002)

7) TOSHIBA 1800 S207

* CELERON 1.01 Ghz * 256 MB

* HD 20 GB – DVD, MODEM 56K

* tela 14,1″ TFT. WINDOWS XP PRO

à vista 4.699,00

propaganda da M.C. Grow Informátiva

(publicada às fls. 12, do JT de 17 de maio de 2002)

Uma breve leitura das publicidades elencadas evidencia que seu direito de escolha é ignorado, haja vista que se preferir uma outra plataforma operacional não será atendido. Enfim, terá que comprar um software que não deseja para não ser utilizado.

Além disso, como verificamos nas propagandas transcritas, não existe um preço para o computador e outro para os softwares. Existe um único preço para o conjunto. Isso induz o consumidor em erro, fazendo que compre o que não sabe que está comprando.

Por fim, como os anúncios ressaltam, as empresas apontadas ab initio somente vendem os computadores se o cidadão/consumi-dor comprar também os softwares do sistema operacional.

Estes são os fatos;-

ii – da legislação ferida

3) A prática dos estabelecimentos comerciais a serem objeto de investigação infringe diversos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.

Pro primo é violado o artigo 6º, inciso II, CDC, uma vez que ao cidadão/consumidor não é deferido o direito de escolher o que pretende comprar.

artigo 6º – São direitos básicos do consumidor:

II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações.

Pro secundo, são violados os artigos 6º, inciso IV, e 37, §§ 1º e 2º, CDC, eis que a propaganda em questão é nitidamente enganosa, induzindo o consumidor em erro. Os consumidores, em razão dessa propagando enganosa, são impingidos a comprar o que não estão obrigados a comprar.

artigo 6º – São direitos básicos do consumidor:

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

artigo 37 – É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1º – É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 3º – Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Pro tertio e finalmente, há violação ao artigo 39, inciso I, CDC, por ocorrência da chamada “venda casada”.

artigo 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

i – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.

iii – da competência do Ministério Público para a apuração das presentes denúncias.

4) In casu, digníssimo membro do Ministério Público, defrontamo-nos com direitos difusos e coletivos.

Existem interesses e direitos difusos a serem protegidos porque os consumidores de produtos informáticos e telemáticos que possam vir a adquirir os produtos que questionamos são desconhecidos, não identificáveis e se encontram espalhados por toda a sociedade. Estão ligados apenas a uma circunstância fática.

Também existem interesses coletivos a serem tutelados, posto que existem consumidores identificáveis, uma vez que possível sua identificação (através das notas fiscais, por exemplo). Além da circunstância fática, estão ligados e, razão de uma relação jurídica (a compra dos produtos).

Em ambos os casos, o bem jurídico a ser protegido (em última análise, a fé pública) é indisponível e indivisível.

Dest’arte, de acordo com o determinado pelo artigo 81, § único, incisos I e II, CDC, a competência do Ministério Público é inquestionável para a apuração dos fatos aqui noticiados.

artigo 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

§ único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base;


iv – do pedido

5) Entendemos que os fatos aqui apresentados justificam sua apuração, haja vista que ao cidadão/consumidor é reconhecido seu lídimo direito de comprar apenas o computador (hardware) que deseja comprar, sem ter que levar juntamente os softwares que estão sendo lhe impostos – e que ele não deseja comprar.

E pode desejar não os comprar por singelas razões:: plataformas operacionais similares estão disponíveis, gratuitamente, com outros Sistemas Operacionais, como o sistema operacional Linux que, além de tudo, possui código aberto;-

6) Em sendo comprovadas as ações dos diretores das empresas que inicialmente declinamos, os mesmos não poderão deixar de ser punidos administrativa, em razão de sua propaganda enganosa e pelo fato de impingirem a venda de softwares operacionais quando da aquisição de computadores.

artigo 56 – As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

XII – imposição de contrapropaganda.

artigo 60 – A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do artigo 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.

§ 1º – A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, freqüência e dimensão e preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva.

Entrementes, além das sanções administrativas, deverão ser aplicadas penas restritivas de liberdade.

artigo 66 – Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena – Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

§ 1º – Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.

§ 2º – Se o crime é culposo:

Pena – Detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.

artigo 76 – São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste

Código:

II – ocasionarem grave dano individual ou coletivo;

V – serem praticados em operações que envolvam alimentos, medicamentos ou quaisquer outros produtos ou serviços essenciais.

Finalmente, quando trânsita a sentença, sejam os responmsáveis condenados em publicar, às suas expensas, a notícia dos fatos e sua condenação.

v – conclusão

EX POSITIS, aguardo que Vossa Senhoria remeta a presente provocação de sua iniciativa à competente Promotoria de Defesa do Consumidor para que essa, por sua vez, requeira a citação dos Indiciados. Relativamente às questões penais, aguardo que o presente procedimento seja desdobrado, enviando-se-o para o Centro de Apoio competente.

¡Altiloqüente Senhor Doutor Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo!

Uma vez pontuado meu ponto de vista e as razões que, s.m.j., justificam a instauração de procedimentos civis e penais para a apuração dos responsáveis que acabam com a livre concorrência e que fazem com que poucas softwarehouses alienígenas dominem o mercado brasileiro, só me resta aguardar a ação deste órgão defensor da cidadania para que valham não apenas os direitos do consumidor (que é menos), mas que valham os direitos do cidadão (que é a base).

SÃO PAULO, 20 de maio de 2002

AMARO MORAES E SILVA NETO

OAB/SP Nº 38.203

Nota de rodapé

SDE PEDE CONDENAÇÃO DA MICROSOFT NO BRASIL

Empresa é acusada de abuso de poder econômico na venda casada de software

“BRASÍLIA – A Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, concluiu processo que sugere ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que condene a Microsoft do Brasil por abuso do poder econômico. Em um processo que se arrasta desde 1998, a empresa é acusada de infringir a Lei de Defesa da Concorrência pela venda, de forma associada, dos softwares Money, de gerenciamento financeiro, e Office Small Business Edition – que inclui programas como o Word e Excel, e que ocorreu por um período de quatro meses em 1998.

“De acordo com o SDE, isso fez com que a Microsoft alcançasse o domínio do mercado de programas de gerenciamento financeiro.

“Depois de julgado o caso, a Microsoft poderá ter de pagar multa entre 1% e 30% do faturamento que a empresa obteve no Brasil no ano anterior ao início do processo, ou seja, 1997. A reclamação para a instauração do processo administrativo partiu da concorrente Paiva Piovesan Engenharia, que desenvolve o software Finance. A empresa se sentiu lesada por não estar conseguindo vender seu produto no mercado por causa da estratégia adotada pela Microsoft.

“O secretário de Direito Econômico, Paulo de Tarso Ramos Ribeiro, lembrou que a prática de vinculação de produtos feita pela Microsoft se assemelha àquela envolvendo a venda conjunta dos programas Internet Explorer e Microsoft Windows, nos Estados Unidos. Essa atitude levou a empresa a responder processo perante os órgãos de defesa da concorrência nos EUA. “Há fortes indícios de que essa estratégia permitiu à empresa dominar o mercado no Brasil, e isso foi considerado abusivo, do ponto de vista da livre concorrência do mercado”, disse o secretário.

“Nota oficial – No fim da tarde ontem, a Microsoft encaminhou à imprensa uma nota oficial, na qual “sustenta a firme convicção de não ter cometido qualquer irregularidade ou conduta anticoncorrencial na venda do software Money em 1998”. Segundo a empresa, um parecer elaborado pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda, corroborado pelo laudo técnico elaborado pela Universidade de Campinas (Unicamp), a pedido da própria SDE.

“Ainda de acordo com o comunicado, “este processo vem se estendendo há mais de três anos e cumpre mais uma etapa com o parecer da SDE”. “Infelizmente, mesmo após estes três anos de investigação e em posse dos pareceres favoráveis da Seae, Unicamp e Ministério Público, a SDE inovou, usando considerações subjetivas sobre o poder de mercado da Microsoft, usando, inclusive, em seu parecer, análise de decisão em primeira instância nos EUA, ainda em fase de discussão, que não guarda qualquer correlação com o caso discutido no Brasil.”

“A empresa acrescenta que, com esse processo, o principal prejudicado será o consumidor brasileiro. Coincidentemente, o mesmo argumento de que sua matriz se valeu no processo dos EUA.

“O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal também estão investigando a venda de 360 mil cópias do pacote Microsoft ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Os órgãos compraram os produtos sem licitação e forneceram gratuitamente a seus clientes.” (vide jornal O Estado de São Paulo, caderno de Economia, fls. 03, edição de 19 de maio de 2001)

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