Vaga no Supremo

Conheça a íntegra da Sabatina de Gilmar Mendes

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20 de maio de 2002, 20h19

A primeira pergunta é: V. Sª considera que a Suprema Corte alemã não tem legitimação política?

Segundo, V. Sª é exímio conhecedor da forma como se compõem as cortes alemã e austríaca, inclusive traduziu livros de juristas alemães. No entanto, na sua obra de doutoramento, V. Sª foi absolutamente lacônico sobre essa questão dos pré-requisitos para as indicações. V. Sª diz o seguinte sobre o juiz de tribunal constitucional: "Devem contar pelo menos 40 anos e preencher os requisitos exigidos para o exercício da carreira de juiz". Isso está no livro de V. Sª "Jurisdição Constitucional".

Ao contrário de V. Sª, o Professor Konrad Hesse, que é juiz aposentado daquele tribunal, relata em detalhes quais são os critérios, os pré-requisitos, as exigências para que alguém venha a ser aprovado como membro da Suprema Corte alemã.

V. Sª foi tão lacônico, por quê? V. Sª considera que essa questão é de importância menor, já que fez uma análise bastante rigorosa do Direito Alemão, inclusive com base na tese que defende no Brasil em relação à função do STF? No entanto, especificamente nesta questão dos pré-requisitos da indicação, no bojo da qual esta Comissão aprovou a quarentena, V. Sª foi absolutamente lacônico, inclusive chocando-se com o próprio rigor acadêmico que teve em diversas outras obras. V. Sª consideraria isso menos importante? É um caso de lapso? Ou V. Sª não deu importância a essa informação, que seria importante, inclusive do ponto de vista do Direito Comparado, do qual é V. Sª um dos papas no Brasil, porque poderia enfraquecer a convicção política que tem e expressou nesta Comissão ao responder ao Senador Jefferson Péres?

O SR. GILMAR MENDES – Eminente Senador, o texto que produzi, foi publicado primeiro em alemão, em 1990/1991, pela Editora Duncker & Humblot. O Professor Canotilho, que é de todos conhecido, especialmente dos estudiosos do Direito Constitucional no Brasil, ainda ontem me mandou uma carta extremamente carinhosa, dizendo que teve a honra de ler aquele trabalho ainda na versão alemã, porque o texto foi publicado na Alemanha em 1991, e a sua primeira edição em português, pela Editora Saraiva, uma tradução que eu mesmo fiz, em 1996.

A rigor, o texto é pretensioso, porque não posso interferir nos desenhos da própria editora, discorre sobre jurisdição constitucional. Mas tratei na Alemanha apenas do processo de controle abstrato de normas, que, como V. Exª sabe, é a nossa popular Adin. Na Alemanha, é o chamado Die Abstrakte Normen Kontrolle, e o título em alemão, inclusive, é fiel a isso, reflete a idéia do controle abstrato de normas perante a Corte Constitucional alemã e perante a Corte brasileira.

Logo, eu não tinha a pretensão de tratar da problemática da Corte Constitucional alemã. Há outras obras que tratam do assunto. Luiz Afonso Heck, um gaúcho, escreveu sobre o assunto sob a orientação do Professor Konrad Hesse, que tive até a honra de traduzir "A Força Normativa da Constituição", que V. Exª vê citada inclusive nas petições do PT no Supremo Tribunal Federal, é da minha lavra, Die Normative Kraft Der Verfassung, tão citado e considerado, inclusive, um clássico.

Portanto o que se fez foi apenas uma consideração introdutória tanto no que diz respeito ao Direito Alemão quanto ao Direito Brasileiro. Estou aqui diante do meu Professor, eminente Senador Bernardo Cabral, que sabe como se faz um recorte de tese. E, falando para alunos e ex-alunos, S. Exª sabe como trabalhamos a partir deste conceito.

Então, a rigor, o que fiz foi uma introdução para que se entenda o tema e teria que tratar propriamente de controle abstrato de normas na Alemanha e no Brasil. Logo, esse recorte é inevitável em qualquer trabalho acadêmico, especialmente em trabalho de doutorado. Quem tem alguma experiência na vida acadêmica alemã sabe do rigor com que se trabalha isso, até porque, do contrário, seremos acusados de não termos pontuado ou elucidados pontos que eram essenciais. O título tem que prometer aquilo que, de fato, está no conteúdo.


Portanto não tive nenhuma pretensão ideológica nem prevenção. Aqui estou diante de alunos que sabem da abertura com que eu trato de todos os temas. Ainda ontem, recebi de um ex-aluno que fez mestrado com brilhantismo nos Estados Unidos um elogio extremamente sensível. Dizia: "O senhor foi o meu orientador em matéria de medidas provisórias. Nós tínhamos posições contrapostas, mas o senhor nunca me tentou desviar do caminho e nós fizemos um trabalho de parceria. Eu o admiro por isso".

É essa dimensão acadêmica que procuro trilhar. E creio que a presença dos meus alunos aqui demonstra isso. Claro que eles têm divergências comigo do ponto de vista ideológico, mas sabem da honestidade intelectual e acadêmica que eu cultivo.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador José Eduardo Dutra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) – Ficou faltando a primeira parte. Primeiro, só um comentário: creio que o Dr. Gilmar Mendes foi extremamente modesto em relação à análise dessa sua obra específica, o que, aliás, não é muito sua característica.

Em relação à primeira parte da pergunta, que é: na conclusão de V. Sª, ao responder ao Senador Jefferson Péres, disse que, iniciado esse processo de quarentena da forma como está, a Corte poderia perder a sua legitimação política, eu queria saber se V. Sª considera que a Suprema Corte alemã não tem legitimação política.

O SR. GILMAR MENDES – Essa é a grande discussão em todo o sistema de Direito Constitucional no que diz respeito às cortes constitucionais. Que tipo de legitimação democrática devem ter? Porque essas cortes têm que ter alguma legitimação política ou democrática. Imaginar que possamos buscar para essas cortes juízes em Marte, creio que todos concordam que não faz nenhum sentido. Se começarmos a conceber fórmulas que só permitem que pessoas medíocres que não tenham notório saber jurídico ou que venham de corporações cheguem ao Supremo Tribunal Federal, certamente aquela Corte não poderá cumprir a sua função. Portanto devem-se combinar critérios, adotando os adequados.

Em geral, não se impõem restrições, que são de procedimento. Na Corte Constitucional alemã, exige-se que o Bundestag, o Parlamento, eleja oito juízes. O Bundesrat, que é uma Casa Federativa, ou com concepção federativa, elege os outros oito dentro de critérios os mais variados e políticos. Tanto é que ex-Ministros da Justiça, assessores jurídicos de partidos, professores eminentes vinculados a várias correntes chegam à Corte Constitucional alemã. Entretanto, o policiamento institucional da Corte Constitucional alemã, a doutrina rica sobre o assunto, as posições variadas que se tomam, a rica literatura crítica, tudo isso é elemento assegurador da independência da Corte Constitucional.

Nós não conhecemos. Em todos os modelos, em Portugal, na Espanha, há uma participação ativa do Parlamento dentre pessoas de notório saber jurídico, obviamente.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador José Eduardo Dutra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) – Dr. Gilmar, a Lei n° 9.882, de 1999, que tratava da argüição de descumprimento de preceito fundamental, foi vetada pelo Presidente da República no inciso II do art. 1°, que previa o acesso direto de qualquer cidadão ao STF na defesa de preceitos fundamentais lesados por ação ou omissão do poder jurídico. É a chamada queixa constitucional, que também existe no Direito Alemão. A alegação do Governo foi de que esse dispositivo congestionaria o STF.

Como já disse, há um instrumento análogo do Tribunal Constitucional da Alemanha. A média de ações desse tipo no ano, no Tribunal Alemão, é de dez mil por ano. Nem por isso se cogita a sua supressão.

Queria saber qual é o entendimento de V. Sª sobre isso e se V. Sª é ou foi o mentor desse dispositivo por parte do Presidente da República.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Tem a palavra o Dr. Gilmar Ferreira Mendes.

O SR. GILMAR MENDES – Obrigado, eminente Senador. V. Exª me dá até a oportunidade para esclarecer publicamente essa questão.


Todos sabem que tive uma participação direta, efetiva, na concepção do projeto que resultou na Lei n° 9.882. Estávamos naquela discussão sobre guerrilha de liminares quando um dia Celso Bastos me ligou, dizendo: precisamos encontrar uma saída, precisamos discutir essa questão com a dimensão adequada. Eu lhe disse: em termos de Supremo Tribunal Federal, a meu ver – e nesse ponto quase que coincidíamos -, só há um espaço normativo ordinário – e o Presidente Bernardo Cabral me corrigirá, se for caso -, que é a argüição de descumprimento de preceito fundamental, que, como V. Exª sabe, está prevista na Constituição para ser regulada em lei. Então podemos discutir isso.

O Professor Celso Bastos elaborou um texto, encaminhou-me aquele texto. Fiz uma revisão, porque já estava na outra comissão que tratava do Projeto de Lei que resultou na Lei 9.868, que trata da Adin e da ADC, que V. Exª também conhece muito bem. Fiz uma nova proposta e criamos uma comissão maior, com a presença de Wald, Oscar Corrêa, de Ives Gandra, e discutimos o texto. Chegamos a um texto básico que encaminhamos ao Supremo Tribunal Federal.

Lá houve uma discussão interessante. O Professor Oscar Corrêa queria exatamente que o cidadão pudesse encaminhar a proposta ao Supremo Tribunal Federal, de forma direta. Logo se disse: mas isso é complicado, porque vamos entulhar o Supremo se não criarmos um filtro. Como fazer isso uma vez que já estávamos abrindo para todos os entes e órgãos do art. 103? Sabemos que, na verdade, funciona um pouco como filtro. O sujeito bate à porta da OAB ou de uma confederação sindical e esta entidade avalia. Isso certamente foi muito bem concebido na sua relatoria com essa idéia. Democratiza-se o acesso, mas estabelece-se um filtro, uma intermediação, fazendo com que esses agentes do art. 103 funcionem como advogados da questão constitucional. Foi esse o pensamento.

Então surgiu uma outra idéia: por que não fazer com que esse cidadão represente ao Procurador-Geral da República?

Haveria aqui também um outro problema: e se ele não encaminhasse? Iria ressuscitar-se aquela discussão antiga sobre os anos 70, que discutimos intensamente, de forma infindável. O Procurador-Geral não encaminha; o Procurador-Geral encaminha. Então alguém sugeriu uma representação ao Supremo se o Procurador-Geral da República não encaminhasse. Mas o Supremo ficaria entulhado de representações nesses casos de arquivamento pelo Procurador-Geral. O assunto não se resolvia.

Esse projeto é até feliz do ponto de vista legislativo, alguns atribuem a mim uma obra maquiavélica. Do ponto de vista legislativo, eu diria que isso é um milagre, porque, como V. Exª sabe, isso resultou de uma proposta da Deputada Sandra Starling, que regulava a argüição de descumprimento de preceito fundamental apenas em relação a um dispositivo, apenas para aquelas discussões regimentais e constitucionais.

O Deputado Prisco Viana, conhecendo o nosso artigo, fez um substitutivo e incorporou esse espírito que resultou nesse projeto do qual creio que V. Exª foi até Relator no Senado.

Penso que, de qualquer forma, demos um passo extremamente feliz. Claro que deve ter havido discussões – não sei quais foram – quanto à economicidade, e o próprio Supremo Tribunal Federal, por vozes qualificadas, deve ter se manifestado, temendo que houvesse uma enxurrada de ações. Mas aqui temos um espaço normativo – e eu tenho trabalhado nisso – para que eventualmente logremos combinar essa ação com o recurso extraordinário, produzindo, assim, um incidente que resolverá milhares de questões de uma vez só.

Portanto, V. Exª pode ficar tranqüilo. Não estive por atrás desse veto. Estou preocupado com essa questão e acredito que, se encontrarmos uma forma de filtragem, sim temos que inserir o cidadão nessa discussão, é fundamental, mas é claro que não podemos fazer isso – e essa é uma preocupação do velho Kelsen também – entulhando a Corte e inviabilizando o seu funcionamento.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador José Eduardo Dutra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Dr. Gilmar Mendes, V. Sª, na sua tese de doutorado, considera que a prerrogativa do Senado de suspender a eficácia de leis declaradas inconstitucionais pelo STF é uma fórmula obsoleta, sobretudo em razão do peculiar significado atribuído ao controle abstrato de normas, ao contrário de Pontes de Miranda, que entende essa questão como uma motivação democrática, no sentido de fortalecer o sistema de pesos e contrapesos.


V. Sª, na reunião passada, manifestou um repúdio à Ditadura Militar. V. Sª considera correta a decisão administrativa do STF, publicada no Diário da Justiça em 16 de maio de 1977, época em que o Congresso Nacional estava fechado pela Ditadura, de não submeter à consideração do Senado as suas declarações de inconstitucionalidade em controle abstrato?

O SR. GILMAR MENDES – Senador, V. Exª me honra muito com a pergunta e também fico honrado com a menção e a comparação a Pontes de Miranda, mas é claro que vivemos em épocas diversas. Pontes de Miranda escreveu não sobre a brilhante Constituição de 1988, mas, no limite, sobre a Constituição de 1967 e 1969. Eu parto de pressupostos acadêmicos e dogmáticos diversos. Já disse isso em minha exposição.

Com a ampliação da ação direta, na verdade continuamos a ter um modelo misto de controle de constitucionalidade, mas a ênfase não mais reside no sistema difuso ou incidental, e sim no sistema concentrado. Essa é a mudança de perspectiva. Seu Partido inclusive constrói isso positivamente, dá uma construção importante à jurisdição constitucional, à medida que impugna continuadamente os atos e permite que o Supremo Tribunal Federal discuta democraticamente a legitimidade ou não das medidas.

A toda hora estamos a discutir isso já em sede de cautelar. Veja que a concepção da divisão de poderes e de democracia mudou significativamente. Esse instituto da intervenção do Senado – o Presidente Bernardo Cabral me corrigirá se quiser e se puder – foi concebido em 1934, quando estávamos a iniciar a discussão sobre a jurisdição constitucional. Havia um temor reverencial à idéia da democracia. Eram temas importantes a questão da jurisdição constitucional e democracia.

No que se refere ao controle abstrato, permitir que o Senado intervenha seria até um absurdo do ponto de vista lógico. No que se refere ao controle concreto – aqui estão eminentes juristas que sabem disso – o que ocorre? O Supremo Tribunal Federal afasta a aplicação da lei "a", por considerá-la inconstitucional, e resolve o caso concreto. O Senado estende para os demais casos, não para aquele caso concreto que está resolvido. No controle abstrato, se houvesse a intervenção do Senado Federal, o que ocorreria? A decisão só valeria depois de o Senado se pronunciar. Colocaríamos o Supremo Tribunal Federal como um órgão secundário. Então há aqui uma incompatibilidade técnica e isso nada tem a ver, portanto, com aspectos ligados à Ditadura, mas ao controle abstrato de normas.

O controle abstrato de normas pressupõe, sim, a eficácia erga omnes. Isso decorre de um modelo técnico. Eu diria, para usar uma expressão alemã, que os objektivenverfahren, os processos chamados objetivos, aqueles que defendem o interesse público, têm que ter como resultado uma decisão com eficácia geral.

O SR. RELATOR (Lúcio Alcântara) – Senador Dutra, permite-me um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) – Pois não.

O SR. RELATOR (Lúcio Alcântara) – Desejo apenas colher a opinião do Ministro Gilmar Mendes com relação a uma situação que já tem sido motivo até de debate na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Durante esse debate, interveio, sempre com muita competência e sabedoria, o saudoso Senador Josaphat Marinho. Na eventualidade de o Senado não declarar essa inconstitucionalidade, o que ocorreria?

O SR. GILMAR MENDES – Isso só se aplica – vamos partir desse pressuposto – nos casos incidentais. O que acontece? O Supremo Tribunal Federal fica a proferir decisões repetidas em todos os casos que lá chegam. Portanto perdemos um instituto de economia processual. Por isso defendo a equalização dessa situação, ou seja, a decisão do STF proferida pelo Plenário passa a ter eficácia erga omnes. Isso não é nenhum demérito para o Senado.

Gostei imensamente, Senador Lúcio Alcântara, da menção ao Prof. Josaphat Marinho, meu caro professor, professor de muitos de nós, que foi uma das vozes liberais na Universidade de Brasília, nos anos 70, quando estávamos sob a Ditadura e sob a censura.


O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Esta sala terá seu nome mediante projeto já aprovado por todo o Senado Federal.

Continua com a palavra o Senador José Eduardo Dutra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) – V. Sª se consideraria impedido de atuar nos feitos em curso perante o STF que, nos termos do § 3º do art. 104, da Constituição e da Portaria nº 224, de 29 março de 2000, já tenham sido acompanhados por V. Sª?

O SR. GILMAR MENDES – Que tenham sido acompanhados ou nos quais me manifestei?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Acompanhados ou nos quais tenha se manifestado.

O SR. GILMAR MENDES – A pergunta sobre acompanhar pode escapar para um mundo espiritual.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT -SE) – Então em que V. Sª tenha se manifestado.

O SR. GILMAR MENDES – V. Exªs sabem da dimensão do trabalho da AGU. Administramos diretamente um milhão de processos. Portanto é claro que faço um acompanhamento espiritual, mas, naqueles casos em que eu tiver me manifestado como Advogado-Geral da União, certamente estarei impedido.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT- SE) – E com relação a medidas provisórias em que V. Sª tenha sido consultado ou que tenha rascunhado?

O SR. GILMAR MENDES – Acredito que nem haverá, Senador, porque acredito que com a diligência com que todos os partidos de oposição impugnam medidas provisórias, praticamente todos esses casos já estarão decididos, mas, se as houver e se houver um caso de eventual conflito, essa questão será resolvida pelo plenário do próprio Supremo Tribunal Federal, que já tem até uma jurisprudência inicial sobre esse assunto.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador José Eduardo Dutra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Tendo em vista as atribuições do Ministério Público, previstas nos arts. 127 e 129 da Constituição, quais são os motivos para que a Advocacia-Geral da União não tenha levado ainda ao conhecimento da Procuradoria da República do Distrito Federal o rol dos provimentos de cargos no âmbito da AGU, em face de denúncias de que alguns cargos teriam sido preenchidos por servidores de carreira?

O SR. GILMAR MENDES – V. Exª sabe, Senador José Eduardo Dutra, que trabalho com a maior transparência e essa é inclusive a minha fortaleza. Se eu não trabalhasse com essa transparência, certamente já teria sido atingido, mas, de qualquer forma, sou um rigoroso cumpridor da lei.

A Lei Complementar que V. Exªs aprovaram diz que as matérias afeitas ao gabinete de Ministro de Estado só podem ser investigadas ou requisitadas por parte do Procurador-Geral da República. É uma medida salutar também em relação ao próprio Senado Federal. Há, portanto, uma providência que requer uma observância procedimental, um critério de procedimento. O que o procurador que carece dessa informação tem que fazer? Peticionar ao Procurador-Geral da República, que encaminha. De resto, isso é comum também nos parlamentos. Muitas requisições só podem ser feitas pela mesa. Portanto, não se trata de uma capitis diminutio para ninguém. No âmbito da AGU muitos pedidos só podem ser formulados pelo Advogado-Geral da União.

Nesse caso, o que se está a exigir é tão-somente isto: que se remeta o pedido de informações pela via adequada, que haverá a resposta adequada. Agora, não se pode usar esse tipo de instrumento com fito ou caráter retaliatório. Isso não pode ocorrer. Porque alguém está sendo processado ou sofreu uma representação por ter invadido o gabinete do secretário-geral, ele não pode instaurar um inquérito. Isso é abuso de autoridade e todos conhecem, sabem o nome disso. Isso é crime, não pode ocorrer. Não é aceitável que um Procurador da República instaure um inquérito para atingir pessoas que representaram contra ele. Isso é contra os desígnios básicos da idéia de democracia. Isso é prática totalitária que não é compatível com a idéia de estado de direito que V. Exª tão bem subscreveu no nosso Texto Constitucional.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador José Eduardo Dutra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Por ocasião do debate que estava se travando no Congresso a respeito da instalação da chamada CPI da Corrupção, foi divulgado que V. Sª teria visitado a CNBB, com a intenção de que ela não desse apoio àquela CPI. A primeira pergunta é se isso é verdade. Em sendo verdade, se V. Sª considera que isso é uma atribuição do Advogado-Geral da União.


O SR. GILMAR MENDES – Senador, acho que há um equívoco em relação a isso. Tenho muitas conversas com a CNBB. Questões indígenas… V. Exª sabe que fui um dos pioneiros dessa controvérsia, embora esse fato hoje esteja escondido. Como me atribuem a pecha de ser um homem conservador e há a idéia de que a questão indígena é tema da área esquerdista, seja lá o que for, não me atribuem nenhum mérito. Fui eu, com a minha atuação como Procurador da República, quem evitou que o Parque Nacional do Xingu, se tornasse, a rigor, terra de particulares, por isso enfrentei processo na honrosa presença do hoje Ministro Sepúlveda Pertence. S. Exª foi processado por isso também, com queixa-crime.

Nessa época passei a cultivar relações muito fortes com a Igreja Católica, especialmente com esse segmento, depois de discutir aspectos vários da institucionalização da Igreja Católica. Até recentemente, participei de um almoço, na casa do Vice-Presidente, com a cúpula da Igreja Católica, tendo em vista a sua relação especial com o Estado brasileiro.

Devo ter tido muitas conversas com a CNBB ou com segmentos da CNBB, mas não com o objetivo de evitar CPI da Corrupção, até porque esse não seria o foro adequado.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador José Eduardo Dutra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Sr. Presidente, terminei minhas perguntas, quero apenas fazer, para alívio do Líder do Governo – que está aqui ao meu lado… Aliás, descobri por que S. Exª se sentou aqui. Foi para derrubar um copo de água para me dar um banho e me desestabilizar.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, votamos favoravelmente às indicações do Dr. Nelson Jobim e da Drª Ellen Gracie, que foram os dois Ministros do Supremo Tribunal Federal indicados pelo Senhor Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Registramos, inclusive, que a performance dos dois Ministros no STF tem dado margem a jocosas manifestações no meio jurídico de que seriam líder e vice-líder do Governo no STF.

Como disse, no início da minha intervenção, reconhecemos o notório saber jurídico do Dr. Gilmar Mendes, mas naturalmente a escolha por parte dos Parlamentares relaciona-se com a avaliação da visão, inclusive de Direito, que os candidatos têm.

Na minha opinião o Dr. Gilmar Mendes, para usar um jargão jurídico, está sendo indicado quase que como uma espécie de longa manus do Presidente Fernando Henrique Cardoso no Supremo Tribunal Federal.

Também, na minha opinião, a visão que o Dr. Gilmar Mendes tem da Constituição, a julgar por diversas manifestações e posicionamentos que S. Sª tem adotado ao longo da vida – e não avalio que uma parte dela seja especificamente em relação à função de Advogado-Geral da União, até porque a União não se confunde com governos -, não é aquela que Sir Edward Kolk, no Século XVII, defendia: o escudo dos pobres contra os ricos e poderosos. Na minha avaliação a visão que o Dr. Gilmar Mendes tem é que a Constituição deve se adaptar aos governos, quando deveria ser o contrário.

Portanto, reafirmando que essa não é uma postura meramente oposicionista, porque registro que votamos favoravelmente à indicação do Dr. Nelson Jobim e da Drª Ellen Gracie pelo Presidente da República, a partir dessa avaliação que particularmente tenho a respeito do posicionamento jurídico do Dr. Gilmar Mendes, embora reconhecendo o seu notável conhecimento, faço questão de registrar que o meu voto será contrário à sua indicação.

E reafirmo que, infelizmente, o Senado tem adotado uma postura meramente homologatória. O próprio incômodo dos colegas com relação à demora das perguntas, à demora das intervenções mostra que infelizmente o uso do cachimbo tem feito a boca torta. O Senado Federal, na minha opinião, não tem estado à altura daquilo que o Constituinte estabeleceu como prerrogativa desta Casa ao aprovar nomes indicados pelo Presidente; isso não apenas em relação ao STF ou à CCJ, mas vale para as indicações a Presidentes do Banco Central, diretores de agência, ministros indicados para o Poder Judiciário.


Lamento. Não é só o PT, Senador Artur da Távola. Penso que cumpri a tarefa que entendo como minha obrigação, minha prerrogativa constitucional. Não significa, de forma alguma, como disse aqui o Senador Artur da Távola, que eu considere que só o PT é superior, até porque senadores de diversos partidos têm adotado a postura, tanto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quanto na Comissão de Assuntos Econômicos, de exercitar aquilo que é prerrogativa do Senado.

Estou dizendo que conjunto da obra do Senado em relação a esses procedimentos, a meu ver, não ter sido o mais adequado. É a minha modesta opinião, da qual o Líder do Governo poderá, com certeza, discordar.

Reafirmo o meu voto contrário por aquilo que discorri.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador Dutra, apenas um reparo. Quando V. Exª se refere ao incômodo dos colegas em relação às suas perguntas, restrinja-o a alguns colegas, porque a Presidência está-lhe dando a atenção que todos os colegas merecem.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) – De alguns colegas, então.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador Renan Calheiros, Líder do PMDB.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB-AL) – Senador Bernardo Cabral, Presidente desta Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Srs. Senadores, o Professor Gilmar Ferreira Mendes, natural de Diamantina, Mato Grosso – há pouco exaltávamos esse fato com o Senador Antero e, anteriormente, com o Senador Carlos Bezerra – indicado pelo Presidente da República para exercer o honroso cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, é um jurista de reconhecida competência e de indiscutível idoneidade. Possui um excelente currículo: Mestre em Direito pela UnB e Doutor em Direito por uma das mais conceituadas universidades da Alemanha. É autor – o País todo sabe e esta Comissão também – de obras importantíssimas, especialmente em matéria de Direito Constitucional.

À frente da Advocacia-Geral da União, o Dr. GILMAR MENDES consolidou um moderno sistema de defesa do interesse público, obtendo vitórias várias em inúmeras causas importantíssimas para a União. Portanto, o Dr. Gilmar prestou relevantes serviços ao País, daí dissabores e até resistências.

Quando fui Ministro da Justiça, participei de várias reuniões, de inúmeras conversas com o Dr. Gilmar Mendes. Sem dúvida, conheço de perto a sua capacidade de trabalho, o seu temperamento equilibrado e, sobretudo, o seu senso de justiça. Não é um testemunho. Não costumo dar testemunhos. E, sinceramente, o Dr. Gilmar Mendes não precisa disso. É uma constatação que faço questão de trazer a esta sabatina.

Em poucas palavras, gostaria de dizer que o Dr. Gilmar Mendes agrega todas as qualidades para exercer o cargo de Ministro da mais alta Corte de Justiça do País.

Queria, em pouquíssimas palavras – cheguei atrasado, Dr. Gilmar -, modestamente colaborar para o melhor relevo que esta sabatina deve ter. V. Exª falou do efeito vinculante. Disse que, sem dúvida, ele agilizaria a prestação jurisdicional e também inibiria os recursos meramente protelatórios.

Sempre defendi o efeito vinculante, mas gostaria de saber como compatilizá-lo com a independência que os juízes precisam ter nas instâncias inferiores.

A segunda pergunta é a seguinte: na organização do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal deve exercer exclusivamente o papel de defesa da Constituição?

E uma terceira pergunta: se o senhor considera possível verdadeiramente dar agilidade ao andamento dos processos na Justiça apenas com a reforma estrutural do Judiciário; se não seria preciso, também urgentemente, alterar as demais leis processuais.

O SR. GILMAR MENDES – Agradeço enormemente as suas palavras, Senador Renan Calheiros, nós, que convivemos em épocas extremamente difíceis, quando V. Exª esteve no Ministério da Justiça e de lá saiu, como se sabe, consagrado. Recentemente, tive o prazer de ler uma pesquisa que atribuía a V. Exª a qualidade de ser o Ministro mais conhecido e aquele que teria sido mais produtivo, se não um dos mais produtivos. De certa forma, eu me senti um pouco, para falar da minha imodéstia, lisonjeado, porque participei com V. Exª de tantos atos e de tantas concepções. Muito obrigado, portanto, por suas palavras. Em relação ao efeito vinculante, a rigor, a legislação processual já vem consolidando esse sistema…


O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral. Faz soar a campainha) – Peço silêncio.

Dr. Gilmar.

O SR. GILMAR MENDES – …por vias transversas, tanto é que alguns juristas eminentes, como o Professor Barbosa Moreira, dizem que o Congresso Nacional, pela legislação, já vem atribuindo efeito vinculante às decisões dos Tribunais Superiores quando impede o recurso contra matéria já sumulada ou já pacificada. A rigor, este é um entendimento razoável, a não ser que surja uma motivação clara para rever aquela posição. Isso tem sido ressaltado, porque, se houver súmula vinculante, tem que haver uma modalidade expedida de revisão. Do contrário, corremos risco, de fato, de criarmos um engessamento, o que não é bom para o sistema e constitui uma ameaça à independência.

O importante é que o entendimento se consolide a partir de um amplo debate, que a Corte Superior chegue a um entendimento depois de uma ampla discussão em que se conheçam todas as posições variadas. E, nisso, o Congresso Nacional tem dado um exemplo enorme, fazendo leis modernas que permitem até a participação dos amici curi, daqueles que, de fato, podem trazer informações importantes para que se aceite aquela decisão, uma hermenêutica constitucional democrática.

Tenho a impressão de que essa discussão sobre o papel do STF vai prosseguir entre nós. Há competências que podem, eventualmente, ser deslocadas para outros tribunais, afirmando-se aquilo que já foi desenhado, de certa forma, na Constituição de 1988: o perfil eminentemente constitucional do Supremo Tribunal Federal.

De qualquer forma, também gostaria de anotar que essas competências, às vezes penais, às vezes outras, para uma corte constitucional decorrem de uma perspectiva histórica. Em algumas cortes constitucionais, há competência penal: na Corte Constitucional portuguesa, na Corte Constitucional alemã, por exemplo. Portanto, isso não é algo exclusivo, não há um modelo único de corte constitucional, como me ensina bem o Presidente Bernardo Cabral.

Em relação à agilidade dos processos, claro que temos que fazer algo em torno da reforma constitucional, e o Senado vem se posicionando bem nessa questão. Já tive oportunidade de participar de várias discussões com o eminente Senador Bernardo Cabral, trazendo a visão da Advocacia em relação a isso e das práticas nossas em torno do assunto. Mas, como já foi ressaltado, é fundamental que prossigamos na reforma legislativo-processual e também nas reformas estruturais.

No âmbito da União, demos um passo significativo – e digo isso com muito orgulho, porque participei da sua concepção inicial – com a criação dos Juizados Especiais Federais de causas até 60 salários mínimos. Fui eu que, instigado pelo Presidente da República, escrevi esse projeto de emenda, para que criássemos o juizado especial, essa Emenda nº 22. E é uma concepção aparentemente desfavorável à União, mas temos a dimensão de que é preciso encerrar esses feitos rapidamente, sem recursos para os Tribunais Superiores. Isso vai se encerrar em seis meses, causas, Senador Bernardo Cabral, que tramitam por seis, oito, dez anos. Eu dizia que as causas previdenciárias se convolavam em causas sucessórias. Agora, poderemos resolvê-las em seis meses. Isto é um trabalho que foi feito nesta gestão na GU. Portanto, é uma outra dimensão. Não é apenas a defesa do interesse público de forma canhestra; é a defesa do interesse público nesta dimensão social. É a visão social do problema.

Creio que os Juizados Especiais darão uma outra dimensão à Justiça Federal, portanto também contribuirão para a agilidade das decisões.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Satisfeito, Senador?

Com a palavra o Senador Pedro Simon e, a seguir, Senador Waldeck Ornelas.

V. Exª quer restabelecer? Tão logo o Senador Pedro Simon use da palavra, V. Exª a terá.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Sr. Presidente, estou ouvindo com o maior respeito a manifestação de V. Exª. Hoje assistimos a uma análise competente e longa que o Presidente da Comissão deixou que fosse feita, e muito bem, pelo ilustre Líder do PT, que quase esgotou do assunto, mas há algumas matérias que gostaríamos de trazer à discussão.

Primeiro, o Presidente Bernardo Cabral agiu corretamente ao decidir com base na tradição. Sejamos sinceros, uma lamentável tradição. Na verdade, teríamos que dar mais valor, mais respeito. V. Sª merece um respeito maior por parte da Casa. Os Srs. Senadores deviam estar aqui, assistir e votar ao final. Ainda que, diz bem o Presidente, dizia o Dr. Uysses Guimarães, os discursos possam comover, não mudam o voto, mesmo assim, há a importância de se ouvir, analisar-se e votar.

Vejo a diferença entre as indicações que o Senado brasileiro tem que analisar para cargos governamentais e o que é feito no Senado americano.

Quem vai ao Senado americano para responder acompanha-se de uma equipe e vai preparado para um longo debate que, às vezes, dura dias, no qual eles se aprofundam ao máximo. Houve um caso célebre quando o ex-Presidente americano indicou para Primeira Ministra da Justiça nos Estados Unidos uma mulher. Foi recebida com uma aclamação fantástica, espetacular, e foi rejeitada. Aliás, não foi rejeitada porque retirou o processo. E por que o nome dela foi retirado? Porque quinze anos antes, ela teve como empregadas domésticas na sua casa duas peruanas que entraram ilegalmente nos Estados Unidos.

Provado aquilo, que não tinham carteira, que ela possuía acontecimento e que aquilo tinha acontecido, aquele fato – que se fosse no Brasil seria considerado piada – foi suficiente para que o Senado americano dissesse que ia rejeitar e o Presidente da República, com muita competência, retirasse. Então vejam a diferença de ação e de comportamento. Aqui o parlamentar já falou, sai, vem e vai, porque essa é a tradição. E o Presidente, Senador Bernardo Cabral, tem agido com muita competência e tem tido ação muito positiva, mas concorda, longe do que deveria ser.

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