Vaga no Supremo

Conheça a íntegra da Sabatina de Gilmar Mendes

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20 de maio de 2002, 20h13

Segundo, o Senador Jefferson Péres realizou perguntas com a mais completa franqueza e sinceridade, como lhe é característico, percucientes, sérias, profundas, e a Casa pôde assistir também à qualidade, ao alto nível das respostas, sobretudo o que é fundamental para o exercício do cargo, um conhecimento jurídico acima do conhecimento jurídico médio, exponencial. Daí a importância da indicação para a Suprema Corte.

Por essa razão, se algum e qualquer Senador está suficientemente informado, não pode ser cerceado no seu direito. Ademais, Sr. Presidente, este sim é um problema da nossa Casa, mas nos atinge a todos: até há pouco funcionava a Comissão de Assuntos Sociais, onde foi pedida vista de um processo, mas era uma matéria importante, uma sabatina igualmente importante; a Comissão de Fiscalização funciona às 11h30min. Às quartas-feiras, temos um acúmulo de funcionamento de comissões e há outras atividades da Casa. O Senador Iris Rezende vai representar o Presidente do Senado em uma atividade de Plenário ao meio-dia.

Então, se o Senador se considera suficientemente informado, não há razão de ficar obrigado a ouvir todas demais questões, é uma questão de foro íntimo, individual. Creio que se V. Exª decide a questão de ordem de modo desfavorável, estará mantendo o direito de cada Senador ter a sua opinião, saber o momento que vai votar. Para tanto ele é maior de 35 anos, suficientemente maduro e teve o apoio das urnas para chegar a esta Casa. Muito obrigado, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Decido a questão de ordem. Devo dizer que tenho, ao longo de minha vida, procurado nem ser claudicante na forma nem vazio no conteúdo. Aqui se trata de uma sabatina, de uma argüição. Estamos argüindo um candidato. Não estamos em fase de discussão de projeto de lei ou de mensagem de proposta de emenda constitucional.

Na semana passada, a Presidência concedeu o prazo de sete dias, provando que não toma parte nem de um lado e nem de outra nesta sabatina. Não vejo por que tenha que cercear a liberdade de um Senador querer votar se tem compromisso anunciado. Mantenho a decisão.

Os Srs. Senadores que, ao longo desta semana, não tiverem sido suficientemente informados e que, por ventura, queiram permanecer até o final que o façam. Para os que quiserem votar, está aberta a urna com a devida marca de presença.

Dou a palavra, pela ordem, ao Senador Maguito Vilela.

O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PSDB – RR) – Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB – GO) – Sr. Presidente, o brilhante Senador Artur da Távola já disse o que eu gostaria de dizer. Estou extremamente convencido do meu voto, nada vai mudá-lo, embora preferisse ter tempo suficiente para ouvir o Senador José Eduardo Dutra, para mim um dos mais preparados, cultos e brilhantes Senadores desta Casa. Sei que o seu pronunciamento vai enriquecer muito a discussão. Infelizmente, tenho que representar Goiás em uma ação importantíssima à qual não posso deixar de comparecer. Por estar convencido da competência jurídica do Dr. Gilmar Mendes, apesar de pessoalmente não conhecê-lo, por ter as melhores informações a seu respeito do Conselheiro Irapuã Costa Júnior, de Frederico Jaime e de tantos outros, considero-me apto a votar. Como V. Exª já deliberou, farei uso do meu voto, pedindo escusas inclusive ao Senador José Eduardo Dutra.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador Romero Jucá, V. Exª é orador inscrito. Quer usar a palavra neste momento?

O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/ PSDB – RR) – Não, pedi a palavra pela ordem, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Pois não.

O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PSDB – RR) – Quero apenas fazer um apelo a V. Exª. Como o Senador José Eduardo Dutra é tão guardião do Regimento, gostaria de pedir a V. Exª que realmente nós cumpríssemos os três ou quatro minutos de cada participação para que todos pudessem ter a sua participação respeitada e inquirir…

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador José Eduardo Dutra, tem V. Exª a palavra assegurada.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Agora entendi por que V. Exª dispensou que eu citasse os artigos do Regimento na minha questão de ordem. Provavelmente porque V. Exª já estava prevendo que o Senador Artur da Távola, embora tenha pedido a palavra para contraditar a questão de ordem, não iria fazê-lo. S. Exª faria um discurso de natureza política, como o fez. Lamento a decisão de V. Exª. Lamento que o Senado Federal continue adotando esta postura meramente de cumprir tabela…


O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Eu não admito que V. Exª…

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – É a minha opinião.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – É a sua opinião, que eu não aceito.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Eu não admito que V. Exª venha cortar a minha opinião

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – A Presidência pode usar da palavra, sim, senhor.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA – Eu não admito que V. Exª venha a cercear a minha opinião.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Não, eu não estou cerceando.

Não admito que V. Exª se dirija a mim dessa forma.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA – V. Exª pode não concordar com o que estou dizendo, mas não pode dizer: não admito que V. Exª diga isso. V. Exª pode dizer que não concorda, mas não tem autoridade para dizer que não admite que se diga isso. Ninguém na República Brasileira tem autoridade para dizer: não admito que V. Exª diga isso.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Não admito que V. Exª se refira a mim desse jeito.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA – V. Exª pode não concordar.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Não concordo.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA – Não me referi a V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Ainda bem que V. Exª esclarece.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA – Eu disse que lamento que o Senado continue adotando essa postura de tratar sabatinas para a indicação de autoridades como mera formalidade a ser cumprida. Essa é a minha opinião, que mantenho. E V. Exª, como qualquer Senador, tem o direito de discordar dela, mas não tem o direito de admitir ou deixar de admitir o que eu digo.

O SR. (Orador não identificado) – Pela ordem, Sr. Presidente.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Estou com a palavra.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – E V. Exª a tem assegurada.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Segundo, por que eu disse que lamento isso? Há precedentes em outros Congressos, em outros Senados. No Senado americano, por exemplo, há um antecedente de um juiz indicado cuja sabatina durou um mês.

Não estou querendo que os Senadores ouçam a minha intervenção. Todos eles têm liberdade para sair e voltar para votar, como aliás acontece sempre no Plenário. Quando os Senadores já têm convicção formada, não acompanham o debate, saem, vão para o cafezinho, para o gabinete, para audiências e, no momento em que se encerra a discussão, retornam para votar.

A minha reivindicação era com base no Regimento. Naturalmente me rendo à decisão de V. Exª, não vou recorrer ao Plenário, porque o resultado é óbvio, mas insisto que esse processo de sabatina significa uma instrução para a decisão que vamos tomar. É lógico que nenhum Senador tem a obrigação de participar desse processo, como aliás não tem a obrigação de participar de processo de discussão de nenhuma matéria.

Feito o registro, Sr. Presidente, volto à minha intervenção. Insisto que o Dr. Gilmar Mendes, se vier a ser aprovado pelo Senado, será Ministro do Supremo Tribunal Federal por vinte e três anos. Portanto, durante 23 anos, S. Sª estará participando de decisões que dizem respeito à vida de todo o povo brasileiro. Portanto, nada mais justo que, neste momento em que está sendo sabatinado, em que é candidato a uma vaga de Ministro no Supremo Tribunal Federal, representantes do povo brasileiro venham, por alguns minutos, algumas horas ou até alguns dias, se fosse o caso, tratar de questões relativas à sua vida e às atribuições que S. Sª vier a exercer.

A Constituição estabelece duas exigências para alguém que venha a ocupar o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal: reputação ilibada e notório saber jurídico. É lógico que, ao estabelecer que cabe ao Senado aprovar ou não o nome que venha a ser apresentado pelo Presidente da República, a Constituição Federal incumbe a cada um de nós fazer a interpretação que lhe convier a respeito dos dois pré-requisitos ali estabelecidos.

De antemão, quero dizer, em relação à reputação ilibada, que não considero que pelo simples fato de uma pessoa ter processos contra si signifique dizer que essa pessoa não tenha a reputação ilibada. Portanto, Dr. Gilmar Mendes está dispensado de levantar possíveis processos que existam contra Senadores, Parlamentares da Oposição, inclusive do PT.


O SR. GILMAR MENDES – Não é da minha praxe, Senador.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – É lógico que é obrigação do Senado, na medida em que existem processos ainda sendo questionados para os quais ainda não há sentença transitada em julgado, fazer perguntas a respeito de algumas dessas questões, até para que cada Senador tenha convicção a respeito de dever ou não o candidato ser aprovado.

No que diz respeito ao notório saber jurídico, é lógico que cada um dos Senadores adotará uma posição a respeito da visão dos candidatos sob a ótica do direito. Insisto em dizer que esta sabatina não é um vestibular, não iremos levantar questionamentos a respeito do conhecimento jurídico deste ou daquele candidato. A decisão política que cada um de nós tomará tem a ver com a visão de cada um a respeito do direito e com as conseqüências que das decisões dessa pessoa adotará na condição de membro do Supremo Tribunal Federal.

Feita essa preliminar, tenho várias perguntas, algumas relacionadas às duas questões previstas na Constituição, tanto do ponto de vista da reputação ilibada quanto da questão do direito. Insisto em registrar que, quanto à questão do direito, não se pretende questionar se o candidato tem ou não notório saber jurídico, pois é público e notório que tem. Tratarei apenas da visão que tem a esse respeito.

Adotarei a mesma metodologia do Senador Jefferson Péres. Insisto que ninguém é obrigado a ouvir minha intervenção, inclusive o Líder do Governo, que fez questão de sentar ao meu lado. Se quiser, poderá votar antes e se retirar.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB – RJ) – Sentei-me aqui exatamente para ouvi-lo melhor.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Não farei nenhum juízo de valor, mas desejo obter informações e opiniões a respeito de alguns temas que considero relevantes para essa sabatina .

Segundo noticiou a imprensa, V. Sa é proprietário do Instituto Brasiliense de Direito Público, que presta serviços de especialização para advogados, inclusive da AGU. Também informaram que a AGU, instituição dirigida por V. Sa, pagou ao IDP, ano passado, R$32,4 mil e V. Sa efetuou retiradas mensais de R$5 mil desse instituto.

Como V. Sa encara essa questão do ponto de vista do Código de Conduta da Alta Administração Pública Federal e das decisões da Comissão de Ética Pública, também invocada em relação a outros assuntos, envolvendo pessoas da administração pública?

O SR. GILMAR MENDES – Senador, essa questão foi veiculada na imprensa e creio que foi devidamente esclarecida por mim. Desde 1988, foi criado em Brasília o Instituto Brasiliense de Direito Público, que – acredito – presta importantes serviços à comunidade brasiliense e nacional. Ministram aulas no Instituto os Ministros Nelson Jobim e Marco Aurélio, realizam-se congressos com a participação de Ives Gandra da Silva Martins e muitos outros juristas. Na verdade, os cursos são oferecidos à comunidade em geral. Os alunos matriculam-se individualmente.

Alguns órgãos pedem e, a rigor, o Instituto recebe pessoas de todas as instituições como, por exemplo, para que V. Exª tenha uma idéia, o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Contas da União e outros órgãos – tudo isso, é claro, sem nenhuma ingerência pessoal minha.

Também em relação à AGU, devo dizer que não tenho nenhuma participação. Para que V. Exª saiba da preocupação que tenho em relação a essa questão – essa é uma mudança conceitual da advocacia pública -, quando cheguei à AGU, criei o próprio Centro de Estudos Vítor Nunes Leal, preocupado em criar um curso neste âmbito. Essa instituição cuida de toda a questão de cursos, mas, mais do que isso, realiza cursos.

No que diz respeito ao aspecto ético, o Dr. João Geraldo Piquet Carneiro, consultado por conta da matéria da revista Época, disse o seguinte: "A Comissão de Ética Pública concluiu, na oportunidade, não haver qualquer incompatibilidade jurídica ou ética entre o exercício do cargo de Advogado-Geral da União e de membro e professor do IDP. Ao contrário, o Magistério, por norma constitucional, é atividade especificamente ressalvada da regra geral, que veda a acumulação até mesmo dentro da própria esfera da Administração Pública. De resto, V. Exª, tanto como Advogado-Geral da União quanto como membro do IDP, não intervém no processo de seleção dos servidores da AGU que buscam aperfeiçoamento profissional naquele Instituto".


A mesma indagação foi dirigida à Corregedoria-Geral da União, que respondeu no mesmo sentido. Passo às suas mãos esses dois documentos que podem subsidiar as suas reflexões futuras sobre o assunto.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – V. Exª continua com a palavra, Senador José Eduardo Dutra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – V. Exª ou algum parente seu é ou foi proprietário, sócio, acionista ou tem algum interesse em sociedade mantenedora de algum curso jurídico ou outros cursos, localizados na sua cidade natal, Diamantino?

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – V. Exª pode responder.

O SR. GILMAR MENDES – Em 1998-1999, participei da discussão sobre a fundação de uma sociedade para prestar serviços na área de ensino em Diamantino. Os Senadores de Mato Grosso conhecem Diamantino, uma cidade de 280 anos, que já teve tradição, passou por um processo de decadência e agora retoma a sua fase de desenvolvimento.

Naquela época, o que se queria, fundamentalmente, era prestar um serviço, tanto é que muitos disseram que aquilo parecia uma aventura, do ponto de vista até mesmo econômico. Professores aposentados nascidos em Diamantino que estavam em Cuiabá habilitaram-se e conceberam esse curso. Inicialmente, participei com a quota de 20%; outros amigos e minha irmã participaram e assim por diante.

Quando fui chamado para a AGU, em janeiro de 2000, simplesmente encerrei minha participação no instituto, que veio a ser habilitado já em 2001. Portanto não tive mais participação alguma, a não ser de eventuais conferências que lá fiz, como faço em qualquer outro lugar do País ao qual sou chamado.

Na sexta-feira passada, falei em Araçatuba, no Rio de Janeiro, sempre a pedido de estudantes, meio no qual não sou tão impopular como certa imprensa tentou fazer ver. Pelo contrário, na verdade os estudantes acorrem às minhas conferências não na condição de Advogado-Geral da União, mas na de professor minimamente competente que pareço ser.

Passo às suas mãos também as informações sobre a Uned, para que V. Exª possa aquilitar-lhes o valor.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – O parecer da OAB com relação à criação desse curso foi desfavorável – há todo um arrazoado – e conclui: "Pelas razões acima aduzidas, a OAB não recomenda o curso pleiteado". Parece que, depois, o curso foi autorizado pelo MEC, mesmo contra o parecer da OAB.

V. Sª, inicialmente na condição de sócio-cotista dessa instituição, fez alguma gestão junto ao Ministério da Educação para que isso viesse a ser aprovado?

O SR. GILMAR MENDES – Isso acontece na maioria dos casos. O parecer da OAB, em geral, contrário. Se V. Exª tiver a oportunidade de ler, vai verificar que se reconhece a qualidade da concepção, que subjaz a todo o projeto, porque, a rigor, havia uma preocupação com qualidade. O projeto, inclusive, foi de elaboração do Professor Edmundo Lima de Arruda Júnior, da Universidade de Santa Catarina, que tem vínculos com o partido de V. Exª, portanto muito voltado para uma concepção social.

O MEC, todavia, realiza vistorias, avalia as condições, manda pessoas ao local, fazendo de fato uma avaliação completa e pedindo novas informações. E isso certamente ocorreu no caso.

O SR. WALDECK ORNELAS (PFL – BA) – Sr. Gilmar Mendes, há uma curiosidade aqui em saber…

O SR. PRESIDENTE (Osmar Dias) – Senador Waldeck Ornelas, é que o Senador José Eduardo Dutra ainda… V. Exª pediu a palavra pela ordem?

O SR. WALDECK ORNELAS (PFL – BA) – É sobre a pergunta.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Se é sobre a pergunta, não há problema.

Concedo um aparte ao Senador Waldeck Ornelas.

O SR. WALDECK ORNELAS (PFL – BA) – Há uma curiosidade em saber qual a população da cidade de Diamantino, para que o Senador José Eduardo Dutra possa ter uma idéia do tamanho desse mercado.

O SR. GILMAR MENDES – Na verdade, Senador Waldeck Ornelas, é um município que tem cerca de 30 a 35 mil habitantes. São cursos pensados para atender toda uma região geoeconômica, com aproximadamente 200 a 250 mil habitantes.

O SR. PRESIDENTE (Osmar Dias) – Com a palavra o Senador José Eduardo Dutra.


O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – V. Sª tem algum sócio ou ex-sócio que teria interesses junto a dirigentes do extinto DNER?

O SR. GILMAR MENDES – Nessa sociedade da Uned, participou Marco Antônio Tozati, que, como muitos dos senhores conhecem, foi Assessor Parlamentar do Ministério da Justiça, onde o conheci, ainda na revisão constitucional, e é fazendeiro lá em Mato Grosso. Nesse caso, deve-se ressaltar, participou quase que de favor, porque havia um esforço enorme de reunir pessoas para construir esse modelo.

Esse empreendimento, Senador, não foi pensado como empreendimento empresarial, mas de dimensão social para viabilizar, inclusive politicamente, a eleição, que veio a se confirmar depois, do meu irmão Chico Mendes, pelo PSB, vinculado inclusive ao seu partido no meu Estado.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Peço silêncio.

Com a palavra o Senador José Eduardo Dutra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – V. Sª…

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador José Eduardo Dutra, permita-me interrompê-lo. Devo anunciar os dois próximos oradores: Senador Renan Calheiros e Senador Pedro Simon. Tão logo o Senador José Eduardo Dutra termine a sua inquirição, serão S. Exªs os inscritos.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – V. Sª naturalmente deve ter conhecimento de uma ação de improbidade administrativa interposta pelo Ministério Público Federal a partir de uma representação feita pelo Deputado Agnelo Queiroz. Então, não cansarei V. Sª nem os Colegas com as questões que fazem parte dessa ação e os termos da própria representação do Deputado Agnelo Queiroz.

Basicamente, S. Exª questiona a conduta de V. Sª no sentido de não prestar informações sobre uma correição relativa a famosos pagamentos de precatórios em que teria havido fura-fila, naquele episódio de precatório do DNER, o qual foi amplamente divulgado na ocasião. Eu queria que V. Sª discorresse a respeito desse assunto.

O SR. GILMAR MENDES – Esse é um assunto que acredito V. Exª pergunta com pertinência, a respeito do qual me honra enormemente falar.

Quando cheguei à AGU, em 31 de janeiro de 2000, já havia uma correição lá depositada sobre essa questão do DNER, uma das muitas já realizadas no DNER, como também em outros órgãos das autarquias e fundações.

Depois, começaram a circular versões sobre cópias, quando começamos a fazer as análises do assunto. Veja, portanto, que isso já estava na AGU na gestão do Dr. Geraldo Quintão.

Encaminhamos cópias para quem de direito e começaram a surgir pedidos de informação sobre essas correições. Ora, as correições, como V. Exªs sabem, são levantamentos unilaterais feitos por um ou dois servidores, sem nenhum contraditório. Quantas vezes criticamos os relatórios da Siset, os relatórios das inspeções do Tribunal de Contas exatamente por essa unilateralidade. Hoje, temos até casos de corregedores processados porque fizeram afirmações, depois vazadas na imprensa, sobre juízes e sobre a atuação de procuradores, o que gera uma grande insegurança. Temos muita cautela com esses documentos, internos da Administração, antes de fazê-los chegar aos demais setores.

Neste caso, houve a representação do Deputado, houve a ponderação de que a questão ainda estava em tramitação no âmbito da AGU, todavia, pelo que estou informado, este documento foi encaminhado pelo Ministério de Transportes, requisitado pela Justiça Federal, já em 23/08/2000. Ele foi mandado ao Ministério Público e ficou lá. Mas, como V. Exª conhece muito bem, talvez até melhor do que eu, como funciona a Procuradoria da República, nem todos os procuradores sabiam deste caso. Eles não tinham ciência de que o processo estava de posse do Ministério Público, em 23 de agosto de 2000.

O Deputado Agnelo Queiroz entrou com uma representação em 24 de outubro de 2000. Depois disso, então, foi proposta a ação de improbidade, porque eu teria me negado a fornecer ao Ministério Público informações sobre fatos criminosos. Diga-se de passagem, fatos criminosos noticiados pela Folha de S.Paulo, em 1999, reportagem de Mônica Bergamo. Portanto, noticiar aquilo que já tinha sido noticiado amplamente. Mas, V. Ex.ª sabe muito bem, havia uma estrutura e um pensamento para me causarem constrangimento.


Vou ler, certamente de um correligionário de V. Exª e participante ativo do movimento do Ministério Público do Rio Grande do Sul, um e-mail publicado no Jornal do Brasil e em O Estado de S. Paulo, em 15 de agosto de 2000 e 14 de agosto de 2000. Veja como narra o Jornal o fato:

"Um dos alvos principais dos integrantes que não escondem a sua atuação política é o Advogado-Geral da União, Gilmar Mendes. O Procurador gaúcho Domingos Sávio Silveira, filho do Ministro Néri da Silveira, do Supremo Tribunal Federal e atual Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, enviou o seguinte e-mail para o Procurador Eugênio José Guilherme Aragão, lotado no Distrito Federal:

"Será que ficaremos assistindo a esse conjunto de condutas do Sr. AGU sem fazer nada?"

Referia-se à minha atuação, à atuação da AGU na liberação do milho transgênico, lá para Pernambuco. Os avicultores estavam dependentes disso e havia um movimento no Ministério Público contra essa liberação.

Continua o e-mail:

Data:Seções:"Fosse um ratão – o que eu não sou, graças a Deus ?, um prefeito, ou um presidente de fundação e nós já teríamos proposto meia dúzia de ações de improbidade."

Veja V. Exª como elas são concebidas.

"Por que estamos diferentes agora?" Pergunta-se, perplexo, o Procurador gaúcho. "Que medidas concretas podemos fazer com este concreto caso que relatastes?" – como costumam dizer os gaúchos.

Eugênio José, por sua vez, expediu mensagem a todos os membros do Ministério Público, comentando que a intervenção da AGU, no caso da importação do milho produzido com material geneticamente modificado, é um escândalo à parte. E acrescentou:

"Perdeu-se neste Governo completamente o sentido do público e do privado, para uma liberar a importação que atenta contra a própria legislação federal. Parece que a AGU virou escritório particular da empresa importadora e da Monsanto."

Veja, aquilo que tinha uma dimensão social enorme para o Nordeste, era vital para a avicultura, transformou-se nisso aqui, Senador. Há algo mais:

"Em nova mensagem para Domingos Silveira, com cópias para todos os seus colegas, Eugênio José Aragão foi breve: "Uma açãozinha de improbidade viria a calhar. Creio que nosso colega Aurélio está cuidando disso."

É assim que se arma ação de improbidade contra as pessoas, Senador: e-mails correndo, depois se arma este tipo de ação.

Por isso o contraditório que foi estabelecido. Vossa Excelência, portanto, receberá todos esses documentos: a contestação, as críticas que faço, e, inclusive, todos os esclarecimentos sobre esse assunto. Veja V. Exª que estou absolutamente forrado.

Em relação ao DNER, gostaria de dizer mais. Em março, abril, tomamos a providência e, em função de tudo que continha a correição, propusemos a extinção da representação judicial de 95 autarquias e fundações, inclusive DNER, Funasa, Funai, e assim por diante. A AGU passou, ela própria, a fazer a representação judicial dessas autarquias. O resultado é altamente auspicioso para os cofres públicos, o que me causa problemas sérios, porque havia escritórios de advocacia que tinham êxitos enormes em determinadas autarquias e fundações. Isso, na verdade, é até transpartidário. Acabo sendo acusado da Direita à Esquerda, porque os interesses aqui são variados; vão do escritório conhecido do Dr. Reginaldo Óscar de Castro ao antigo escritório de Tarso Genro, no Rio Grande do Sul.

Havia, na verdade, uma falta de articulação da defesa. Depois, avançamos mais, Senador, para criar o cargo de Procurador Federal. Procurador não é mais de uma dada autarquia, é agora procurador na autarquia A ou B. Deslocamos 500 procuradores, rearticulamos todas essas defesas.

Ora, quem age assim certamente é defensor do interesse público, e não do privado. E está sendo atacado exatamente por cumprir o seu dever constitucional. Passo a V. Exª todos esses documentos para que possa meditar sobre o assunto.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Com a palavra o Senador José Eduardo Dutra.


O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – V. Exª discorreu longamente sobre esse assunto e fez uma afirmação que eu queria precisar. Na sua opinião, essa ação de improbidade administrativa referente ao DNER foi uma armação, com base nessas questões que foram levantadas?

O SR. GILMAR MENDES – Não há a menor dúvida. Mas vou passar a V. Exª todos os documentos do DNER para que conheça todas as providências que foram tomadas e o rigor com que se atuou. Inclusive o resultado do relatório de impugnação de cálculos, que é altamente expressivo.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Essa ação foi decorrente de uma representação do Deputado Agnelo Queiroz. V. Sª inclui o referido Deputado nessa armação?

O SR. GILMAR MENDES – Não posso saber. Claro que isso cria um contexto.

Veja V. Exª que em agosto o Ministério Público já possuía esses documentos. O procurador que tomou parte nisso não participou da ação de improbidade. Era um requerimento para ação com o objetivo de instruir um processo criminal. Os colegas que não estavam no processo criminal são os que reivindicam em nome do Deputado Agnelo Queiroz. Não sei se houve essa articulação ou se foi pedido.

De qualquer sorte, Senador, seria muito salutar para o País que não houvesse essa distribuição pessoal de processos; que houvesse, a rigor, o promotor natural, que se distribuísse mediante sorteio, como se faz em qualquer outro lugar, e não por um acordo entre um deputado e um dado procurador. Aí sim, pode haver improbidade administrativa: uso de agentes públicos para finalidades outras.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – V. Sª, ao responder ao Senador Jefferson Péres relativamente a medidas provisórias, disse que no conceito de urgência não se considera o sentido temporal, mas o político – anotei exatamente as palavras de V. Sª. Eu queria saber qual foi o motivo urgente ou político…

V. Sª participa, na condição de advogado da União, de redação de medidas provisórias: análise, sugestões, etc?

O SR. GILMAR MENDES – Sim. Às vezes.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Por uma dessas coincidências da vida, a Medida Provisória nº 2.049, na sua 22ª edição, teve incluído um dispositivo transformando o cargo de Advogado-Geral da União, de natureza especial, para o de Ministro de Estado. Era uma Medida Provisória que já existia, e na sua 22ª edição, no dia 28 de agosto de 2000, incluiu-se esse dispositivo. Coincidentemente, no dia 8 de agosto, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão na Petição nº 2.084, na qual negou ao Advogado-Geral da União o foro penal privilegiado perante aquela Suprema Corte.

Quero saber se V. Sª participou da redação dessa Medida Provisória, se esse é um caso de urgência temporal, política, se é um caso típico de legislação em causa própria, enfim, se V. Sª, na condição de Advogado-Geral da União, participou da redação dessa modificação da MP, que, insisto, introduziu esse dispositivo na sua 22ª edição, exatamente 20 dias após o STF dizer que o cargo de Advogado-Geral da União, na condição de cargo especial, não gozava de foro privilegiado.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Pode responder.

O SR. GILMAR MENDES – Sr. Senador, para tranqüilizar a sua profunda consciência jurídica, devo-lhe dizer que o Supremo Tribunal Federal recebeu inclusive uma impugnação em relação a essa medida provisória e, por nove a dois, considerou-a constitucional nesse passo. Portanto, quanto à questão da legitimidade…

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Não tratei da questão constitucional da MP em si.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Vamos ouvir a resposta por completo, se não vamos tumultuar.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Deixe-me só precisar a pergunta para evitar que eu venha a replicar. Estou só precisando a questão que estou levantando. Inclusive na ocasião, consideramos que a MP era inconstitucional, porque precisaria de lei complementar, mas não é disso que estou falando. Estou-me referindo a se essa medida provisória, que – insisto – só na sua vigésima segunda reedição introduziu esse dispositivo, coincidentemente, vinte dias após o STF dizer que o cargo de Advogado-Geral da União não tinha foro privilegiado.


O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Dr. Gilmar, no fundo, o que o Senador quer saber é se foi considerado o cargo com a titularidade de Ministro para que V. Exª gozasse de um foro privilegiado. Essa é a pergunta, vamos fazê-la sem nenhum rodeio, e V. Exª a responderá.

O SR. GILMAR MENDES – Vou-me permitir, todavia, uma digressão. A rigor, a Advocacia Geral da União tem um trato constitucional que os Ministérios não têm. Vejam os senhores que, para ser Advogado-Geral da União, há de se ter 35 anos, condição que não se exige para nenhum Ministro. Há regras sobre crimes de responsabilidade expressas no Texto Constitucional, portanto há aqui um tratamento incongruente. Todavia, os textos legislativos que trataram disso – e isso vem de longa data – vinham atribuindo ao Advogado-Geral da União, ao Chefe da Casa Civil e ao Chefe da Casa Militar o tratamento… tinham status e direitos de Ministro; esse era o pensamento, num dado momento, até como uma visão economicista da criação de ministérios. O problema é que se colocou uma interpretação no Supremo Tribunal Federal, dizendo status de Ministro não é Ministro.

A rigor, Advogado-Geral da União, o Supremo poderia até ter construído isso, tem uma posição institucional muito mais forte do que do próprio Ministro, porque, por exemplo, responde perante o Senado em matéria de crime de responsabilidade, está mencionado em alguns dispositivos e não está em outros; há essas questões.

Então, quando houve discussões sobre isso e diante do entendimento do Supremo Tribunal Federal de que não havia esse status, mudou-se não só em relação ao Advogado-Geral da União, mas, por exemplo, ao Gabinete de Segurança Institucional, entendendo que era necessário que se explicitasse, porque a intenção do legislador provisório era, de fato, atribuir-lhe status de Ministro na sua integralidade. Foi esse o propósito.

Não participei da redação, mas o Governo superou aquela visão economicista, que já vinha dantes, e passou a considerar todos esses órgãos ministérios, que são de fato.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador José Eduardo Dutra, V. Exª tem a palavra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Quero apenas fazer o meu registro de que, nesse caso específico, não fiquei satisfeito com a resposta. É um direito meu.

Dr. Gilmar, V. Sª, já foi levantado aqui pelo Senador Jefferson Péres, tem conhecimento de que esta Comissão aprovou o princípio da quarentena, que – insisto -, se já fosse dispositivo constitucional, V. Sª não estaria sendo sabatinado hoje. A meu ver, para responder ao Senador Jefferson Péres, V. Sª acabou se utilizando de um procedimento quase que parlamentar que vemos aqui muitas vezes no Congresso. Quando alguém é contra um projeto, mas não quer combatê-lo porque não consegue ver defeitos nele, então começa a elocubrar: "Não, se for assim, vamos estender para fulano, para sicrano" e acaba chegando a uma situação em que o ideal é manter como estar. E V. Sª chegou a dizer que a aprovação, nos termos em que está colocada, se chegasse a essa situação que V. Sª desenhou, acabaria tirando legitimação política do STF.

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