Vaga no Supremo

Conheça a íntegra da sabatina de Gilmar Mendes

Autor

20 de maio de 2002, 19h54

Durante mais de seis horas, o advogado-geral da União, Gilmar Mendes, foi crivado de perguntas, na semana passada, no Senado Federal. Por 16 votos a seis, os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça aprovaram a sua indicação para ocupar uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Todas as questões levantadas – contrárias e favoráveis – à nomeação do indicado foram esmiuçadas na sabatina. A íntegra da longa entrevista, aqui publicada, mostra um retrato de corpo inteiro do constitucionalista. Serve como elemento de aferição para quem já tem, ou não, opinião formada a respeito da nomeação que será submetida, agora ao plenário da Casa, esta semana.

Leia a íntegra da sabatina

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Havendo número regimental, declaro aberta a 13ª reunião ordinária da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 51ª Legislatura. Antes de iniciarmos os nossos trabalhos, proponho a dispensa da leitura da Ata da reunião anterior.

As Srªs e os Srs. Senadores que a aprovam queiram permanecer sentados. (Pausa.)

Aprovada.

A presente reunião, conforme pauta previamente distribuída aos Srs. Senadores, destina-se a dar seqüência à reunião da quarta-feira passada, dia 8 de maio, quando houve pedido de vista coletivo dos Srs. Senadores Eduardo Suplicy, Romero Jucá, Sérgio Machado e Romeu Tuma da mensagem que submete à consideração o nome do Dr. GILMAR MENDES para exercer o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, sendo relator o eminente Senador Lúcio Alcântara.

Concedo a palavra ao Dr. GILMAR MENDES para fazer a sua exposição como candidato indicado.

O SR. GILMAR MENDES – Sr. Presidente dessa douta Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Srs. Senadores e Deputados, autoridades presentes, Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal aposentado Aldir Passarinho, senhoras e senhores, neste momento inicial, gostaria de circunscrever a exposição às perspectivas que vislumbro para a jurisdição constitucional brasileira e à autocompreensão que acredito deva presidir a atuação do Supremo Tribunal Federal.

Antes, porém, Sr. Presidente, Senador Bernardo Cabral, farei uma profissão de fé e de crença na Constituição de 1988, de que V. Exª teve a honra de ser Relator. Sabe muito bem V. Exª que essa Constituição foi muito criticada. Chegaram a considerá-la responsável, inclusive, por muitas crises no Brasil. Todavia, passados 13 anos, estamos aprendendo com a experiência que essa é uma boa e feliz Carta Magna.

A rigor, passamos por crises institucionais graves – a exemplo do impeachment e da crise da Comissão do Orçamento -, momentos econômicos conturbados, sem que tivéssemos a necessidade de nos valer de qualquer casuísmo para cogitarmos de sua ruptura. Portanto, a história está a fazer justiça à Constituição de 1988 e – acredito – também a V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Muito obrigado.

O SR. GILMAR MENDES – A minha brevíssima exposição encontra-se centrada em cinco questões fundamentais assim compreendidas:

1) A tendência à concentração do nosso modelo jurisdicional de controle de constitucionalidade, consideradas as seguintes e recentes transformações fundamentais a que se viu sujeito:

– a ampliação do rol de legitimados para a propositura das ações diretas de inconstitucionalidade;

– a introdução da ação declaratória de constitucionalidade;

– a nova disciplina do processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade – em particular, a chamada abertura procedimental – e as inovações de técnicas de decisão;

– a disciplina do processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, concretizada na Lei nº 9.882.

2) A tendência à eliminação imediata de controvérsias constitucionais relevantes, inclusive por meio de pronta submissão da Administração Pública aos entendimentos definitivos firmados pelo Supremo Tribunal Federal.

3) A tendência à racionalização do acesso à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e à sua adequada socialização.


4) A tendência à permanente atuação do Supremo Tribunal Federal no desenvolvimento de uma dogmática dos direitos fundamentais.

5) O permanente fortalecimento da vontade de Constituição, asseverando o comprometimento de todas as instituições e agentes sociais com a busca da solução de conflitos, segundo os imperativos e procedimentos impostos pela Constituição.

A tendência à concentração do modelo brasileiro de controle de constitucionalidade vem-se verificando a partir do advento da Constituição de 1988, com a ampliação do direito de propositura na ação direta de inconstitucionalidade. Especialmente o art. 103 da Constituição democratizou o acesso ao Supremo Tribunal Federal, adotando um modelo misto, na lição do meu amigo e professor Gomes Canotilho, dizendo ser um modelo que conjuga a concepção introvertida – para usar uma expressão portuguesa – e também uma concepção extrovertida, contemplando não apenas entes estatais, mas também entes da vida pública e privada.

O Supremo Tribunal Federal, portanto, passou a ter um papel importante e eminente de quase uma Corte Constitucional em razão da multiplicação do direito de propositura. O modelo misto de controle de constitucionalidade consolidou-se com a força da ação direta de inconstitucionalidade. Portanto, a prevalência assenta-se não mais no modelo incidental, mas, sim, no modelo concentrado.

Essa tendência foi reforçada com a Emenda nº 3, que criou a ação declaratória de constitucionalidade, que vem sendo manejada com destreza e freqüência. Por outro lado, é comum – e os próprios governos vêm concebendo – a extensão administrativa mesmo naquelas decisões definitivas que, a rigor, entretanto, teriam efeito interpartes.

O Governo Fernando Henrique, inicialmente, revogou o decreto do Governo Militar que determinava que as procuradorias recorressem, sistematicamente, em todos as situações. São múltiplos os casos em que o Governo desiste das ações e apresenta a extensão administrativa. Esse fato ocorreu nos processos referentes aos 28,86% e aos 3,17%. Talvez o caso mais expressivo seja o do FGTS.

Para que tenhamos uma idéia do que essa situação significa, no caso do FGTS, havia, quando essa discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal, cerca de 600 mil processos tramitando no Brasil, que envolveriam, talvez, o interesse de seis milhões de pessoas. Essa questão foi decidida em quatro processos. Havendo essa decisão, o Governo optou por fazer a extensão dessa vantagem a todos os beneficiários por uma fórmula administrativa prevista numa lei complementar. Assim, beneficiaram-se diretamente cerca de 58 milhões de pessoas, um número elevado. Entretanto, se quisermos prosseguir nesse cálculo, nessa avaliação, devemos analisar o seguinte aspecto: não tivesse o Governo tomado essa atitude, traria para o Judiciário um número de processos próximo a seis milhões, considerando as 60 milhões de pessoas fora desse universo.

Outra questão mencionada diz respeito à racionalização do acesso à jurisdição constitucional e à sua adequada socialização. Ao lado da garantia da eficácia geral das decisões do Supremo Tribunal Federal, verifica-se a correlata tendência à racionalização do acesso à jurisdição constitucional e à sua adequada socialização. Com efeito, a jurisdição constitucional, tendencialmente concentrada, assume, sob dois aspectos, caráter político. Toda a doutrina afirma que, por ser a Constituição um estatuto jurídico do político, já seria redundante o seu caráter político. A esse fato acrescente-se a circunstância de que é político no sentido grego de cívico, universal, público e próprio à comunidade ou à polis. Toda jurisdição que, por não se referir ao pleito individual de determinado sujeito de direitos, se pauta pela objetividade do controle de legitimidade dos atos normativos, que, por definição, alcançam a todos.

Tal jurisdição, exatamente por prestar a toda a coletividade, deve estar sujeita à disciplina específica e singular no que toca às formas de sua provocação e à repercussão de suas decisões. O Congresso Nacional também vem prestando extraordinário serviço ao País ao haver aprovado, no exame da Proposta de Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário, instrumentos de qualificação do acesso ao Supremo Tribunal Federal.


Em particular, a transcendência destina-se a racionalizar a provocação da jurisdição constitucional de modo a assegurar a intervenção do Supremo Tribunal Federal seja preservada para aquelas hipóteses em que se verifica controvérsia constitucional verdadeiramente relevante e de alcance geral.

Tal disciplina, combinada com a ampliação da eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal, haverá de assegurar a mais adequada socialização da prestação da jurisdição constitucional de nossa Excelsa Corte, pois não apenas qualificará o interesse público em sua manifestação, como também assegurará a tendência e eficácia universal do que decidir.

Outra tendência que se verifica nesta fase pós-88, decorrente talvez da Constituição de 1988, é a tendência à permanente atuação do Supremo Tribunal Federal no desenvolvimento de uma dogmática dos direitos fundamentais.

Se, na faceta institucional e procedimental, são absolutamente extraordinárias as transformações ora vislumbradas, afigura-se aqui, ainda mais relevante para a compreensão prospectiva da nossa jurisdição constitucional, o horizonte e a missão conferidos ao Supremo Tribunal Federal no desenvolvimento de uma dogmática dos direitos fundamentais.

A doutrina constitucional alemã reconhece expressamente o papel conceitual e institucional desempenhado pela Corte Constitucional alemã, o Bundes Verfassungsgericht, na consolidação de teorias, conteúdos, técnicas de decisão e métodos de aplicação e garantia dos direitos fundamentais.

O extenso e denso catálogo de direitos fundamentais constante da nossa Carta política conferiu à jurisdição constitucional brasileira a tarefa ímpar de promover a guarda e a eficácia em grau ótimo de tais liberdades.

Tal missão somente será desempenhada a contento se capaz a Corte Constitucional de oferecer uma adequada teoria de direitos fundamentais e, em particular, de construir soluções sistemáticas para hipóteses de conflitos e tensões entre direitos fundamentais e entre estes e os demais valores e preceitos constitucionais.

Já vem o Supremo Tribunal Federal desempenhando tal mister. Merece especial atenção a já rica jurisprudência acerca do princípio da proporcionalidade ou do devido processo legal em sentido substancial ou substantivo, para cuja consolidação tive a honra de contribuir com trabalhos doutrinários.

O princípio da proporcionalidade propiciou ao Supremo Tribunal Federal proceder ao exame da racionalidade intrínseca a políticas públicas, por meio de um juízo empírico acerca da adequação e necessidade de restrições a direitos, para a estrita realização de fins constitucionais e ainda, mediante um juízo eqüitativo, acerca da ponderação entre custos e benefícios para a complexa ordem constitucional dessas mesmas políticas públicas.

Foi tal o alcance teórico e substantivo do emprego do princípio da proporcionalidade que seus imperativos assumiram o caráter de um método jurídico geral de solução de conflito entre normas, consistente na ponderação entre os influxos de imperativos conflitantes em face das circunstâncias de cada caso a decidir. É, portanto, promissor o horizonte que se abre à Corte Constitucional brasileira nessa função de guarda de nosso sistema de liberdades.

Por outro lado e finalizando, deve-se mencionar o quinto ponto: o permanente fortalecimento da vontade da Constituição. Importa ressaltar a presença entre nós de um permanente fortalecimento da vontade de Constituição, asseverando o comprometimento de todas as instituições e agentes sociais com a busca da solução de conflitos, segundo os imperativos e procedimentos impostos pelo Texto Constitucional.

Talvez seja este o principal subproduto da atividade da guarda da Constituição: assegurar a sua máxima eficácia e entender a Constituição como um projeto coletivo de disciplina jurídica da vida social e política.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Peço silêncio da assistência, a fim de que o expositor possa ser ouvido pelos Srs. Senadores, sob pena de a Presidência ter que tomar uma atitude mais drástica. Continua V. Exª com a palavra.


O SR. GILMAR MENDES – Eu dizia, Sr. Presidente, que talvez seja este o principal subproduto da atividade da guarda da Constituição: assegurar a sua máxima eficácia e entender a Constituição como um projeto coletivo de disciplina jurídica da vida social e política.

A esse respeito, não conheço nada mais adequado do que analogia concebida pelo grande jurista argentino Carlos Santiago Nino. Ele dizia que a tarefa dos juristas em relação à Constituição se assemelha à daqueles arquitetos que são convidados para participar do prosseguimento de uma obra de uma antiga catedral. Não se pode rever o trabalho já feito, mas é de se continuar naquele trabalho, tendo como base a lógica da segunda melhor opção. É preciso que tenhamos, portanto, essa dimensão.

Para lindas inclinações e eleições individuais, introduz-se a denominada lógica do segundo melhor cenário em que se deve privilegiar não o quadro ótimo, individualmente idealizado por qualquer partícipe, mas antes aquele outro, apto a oferecer a melhor contribuição possível para a obra coletiva.

É com esse espírito, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que humildemente atendo à convocação para novamente servir ao País na consolidação do nosso projeto constitucional republicano.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Peço à assembléia que não se manifeste porque é anti-regimental.

Srs. Senadores, vou passar à leitura da lista de inscrição para não dizerem depois que a Presidência depois cometeu algum ato falho: primeiro, o Relator, claro, Senador Eduardo Suplicy, Senador Jefferson Péres, Senador Antonio Carlos Júnior, Senador Romero Jucá, Senador Romeu Tuma, Senador José Eduardo Dutra, Senador Renan Calheiros, Senador Pedro Simon, Senador Waldeck Ornélas, Senador Carlos Bezerra, Senador Leomar Quintanilha e Senador Antero Paes de Barros.

Quero comunicar aos eminentes Senadores que a Presidência recebeu várias manifestações de apoio, outras, contrárias, e a última, recebida do ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil: "Notas para a Reflexão dos Exmos. Srs. Senadores da CCJ sobre o Processo de Indicação de Ministro para o Supremo Tribunal Federal", assinada também pelo advogado Roberto Figueira Caldas.

A Presidência tomou conhecimento de tais manifestações, que foram distribuídas. Também a do atual Presidente da OAB. Como todos os Srs. Senadores devem ter recebido, nas manifestações de apoio destaco a do Professor Dr. Jorge Miranda, que é constitucionalista português de renome internacional, foi Relator da Constituição portuguesa, a quem conheço pessoalmente, assim como o Professor Gomes Canotilho. Ministro Célio Borja, o Reitor da Universidade de Brasília, o Professor João Herculino, Tércio Sampaio. Há uma relação que a Presidência teve o cuidado de fazer distribuir, porque a Presidência não vai se afastar, em nenhum instante, da sua posição de magistrado nesta audiência.

Dou a palavra ao eminente Relator, Senador Lúcio Alcântara.

V. Exª aguarde, enquanto ouvimos, pela ordem, o Senador José Eduardo Dutra.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Já que V. Exª informou que está distribuindo essas manifestações, prós e contras, pediu-me a comunidade jurídica do Largo de São Francisco para entregar a V. Exª, a fim de que também fizesse parte dos autos, um abaixo-assinado de diversos membros daquela comunidade, em apoio a um artigo do Dr. Dalmo Dalari, e também uma fita que mostra um ato que foi realizado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo. Vou passar à mão de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Sabe V. Exª que a Presidência não recebeu. Por não ter recebido, também não fez manifestação ao artigo do Professor Ives Gandra Martins e do Professor Arnoldo Wald, que é altamente elogiou seu candidato. De modo que está nas mãos da Presidência e será repassado aos Srs. Senadores.

Senador Lúcio Alcântara, na qualidade de Relator, tem V. Exª a prioridade no uso da palavra.

O SR. RELATOR (Lúcio Alcântara) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, na reunião da semana passada, tive oportunidade de apresentar meu parecer. Então julgo agora que é de mais proveito para o bom andamento dos nossos trabalhos ouvir os eminentes Srs. Senadores que estão inscritos e ao cabo voltarei a me pronunciar. Considero que esse procedimento seja mais produtivo para a condução dos trabalhos.


O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Pois não, V. Exª terá a palavra assegurada ao final. Senador Eduardo Suplicy. (Pausa)

Senador Jefferson Péres.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) – Sr. Presidente, Dr. Gilmar Mendes, vou levantar algumas questões sem prejulgamento nem juízo de valor. V. Sª entenda que uma sessão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal para sabatinar ou argüir uma pessoa indicada para a mais alta Corte de Justiça do País não pode ser um ato litúrgico, vazio. Se nós, Senadores, ou alguns de nós pelo menos, não quiséssemos tirar dúvidas levantadas contra a sua pessoa, estaríamos fugindo ao nosso dever.

Em sete anos e quatro meses de exercício de mandato, nunca vi uma indicação ao Supremo Tribunal Federal tão polêmica quanto a de V. Sª. E isso, em princípio, não me parece bom para quem será membro daquela Excelsa Corte.

Meu gabinete está cheio de e-mails contra e a favor, há um clima de torcida contra e a favor, uns acusando, certamente muitas acusações infundadas, é claro, mas não é bom. Creio que quem pretende ser Ministro do Supremo Tribunal Federal deveria ser uma pessoa de reputação ilibada e aceita de forma quase universal. O clima não é bom, realmente. É claro, V. Sª dirá que não tem culpa, nem o estou culpando por isso, mas levantarei algumas questões. V. Sª pode me responder uma a uma.

Esta Comissão já aprovou, na reforma do Poder Judiciário, a chamada quarentena, que impõe um período de interstício durante o qual quem exerceu cargo de confiança no Poder Executivo e até na Presidência da Ordem dos Advogados do Brasil não poderá ocupar o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. V. Sª é a favor da quarentena?

O SR. GILMAR MENDES – Senador Jefferson Péres, trata-se de uma discussão travada no mundo todo. Na verdade, também é uma velha questão. O velho Hans Kelsen, já em 1928, quando escreveu a respeito da essência e do desenvolvimento da constituição, colocava o tema como problema essencial da jurisdição constitucional. Como fazer a escolha não apenas dos entes que comporiam a Corte Constitucional, que divisava como instrumento adequado daquilo que se fundou e se acostumou a chamar modelo constitucional europeu, como também considerava fundamental que os entes provocadores tivessem toda a autonomia.

Essa é a grande discussão. De qualquer sorte, no mundo todo há uma legitimação política. Em geral, na Alemanha e na Áustria, ex-Ministros de Justiça, professores, assessores jurídicos, todos acabam por integrar a corte. No Brasil há inclusive uma salutar experiência.

Cito o exemplo daquele que talvez seja considerado hoje, quase que por unanimidade, o maior dos ministros que teria passado pelo Supremo Tribunal Federal, excluindo os que lá estão, que é o Ministro Vítor Nunes Leal. Todos sabem que era íntimo do Presidente Juscelino Kubitschek, todavia foi de um correção absoluta ao julgar os casos de interesse do Governo de Juscelino Kubitschek.

A própria tradição da Corte, a própria história da Corte, está a demonstrar isso.

De qualquer forma, é uma discussão que cabe ao Congresso Nacional. Porém, também em relação à quarentena, podemos aprofundar algumas discussões. Por que apenas os Ministros de Estado e não os assessores de partidos? Por que veda ao Advogado-Geral da União e não ao advogado particular do Presidente? Por que um ministro do STJ ou de um tribunal superior poderá ter direito à indicação? Por que vamos admitir que um grande advogado que atue, por exemplo, só em causas tributárias possa ser indicado?

Se levarmos esse modelo para o perfil de neutralidade que se imagina, sem observarmos a instituição, talvez cheguemos com alguém ao Supremo Tribunal Federal que não tenha sequer notório conhecimento jurídico, porque não será conhecido da comunidade. Portanto, veja que o critério da quarentena, se levarmos dentro desse contexto, talvez já tenha lacunas. Se nós coatarmos essa lacuna, é muito provável que não encontremos pessoas para prover essas vagas do Supremo Tribunal Federal ou tornemos aquele Tribunal cativo de indicações corporativas. Portanto esse também é um ponto para a reflexão de V. Exªs.


O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) – Mas V. Sª é contra ou a favor da quarentena? Eu pedi a sua posição.

O SR. GILMAR MENDES – Acredito que essa é uma discussão que cabe a V. Exªs. Estou apontando déficits nessa idéia. Se se deve tomar essa referência, se é esse o padrão básico, então ela precisa ser aprimorada, e, ao aprimorá-la, chegaremos à destruição do modelo; o Supremo Tribunal Federal perde a sua legitimação política. Portanto, coloco em dúvida o modelo.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) – V. Sª ocupou cargos de confiança em dois governos pelo menos: foi Secretário da Presidência da República, em 1990/1992, e agora é Advogado-Geral da União. V. Sª participou da redação de muitas medidas provisórias, certamente, ou não?

O SR. GILMAR MENDES – Sim.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) – Como jurista que é, V. Sª tem um currículo impecável, com certeza.

O SR. GILMAR MENDES – Obrigado, Senador.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) – Não lhe estou fazendo nenhum favor. Está aí, é um fato.

V. Sª sempre observou requisitos de urgência e relevância nas medidas provisórias quando as redigiu? Quando elas não tinham urgência nem relevância, V. Sª cumpriu o seu dever funcional de alertar o Presidente ou seja quem for para tal?

O SR. GILMAR MENDES – Sr. Senador, estou absolutamente tranqüilo para falar sobre essa questão das medidas provisórias, porque tenho abordado esse assunto em todo o Brasil. Quando faço conferências, às vezes apresentarei um determinado tema, e surge a questão das medidas provisórias. Até brinco com os alunos, dizendo que, se eu aparecesse para falar sobre a pintura da Capela Cistina, perguntariam sobre medida provisória, então já estou acostumado a esse debate.

A rigor, desde a minha chegada ao Governo, ainda na gestão Jobim no Ministério da Justiça, venho me posicionando pela regulação das medidas provisórias. Chegamos a fazer um decreto – e fui um dos seus redatores, na gestão Jobim, no Ministério da Justiça – para auto-regular a disciplina da medida provisória. Mas estamos a ver que o problema das medidas provisórias, a partir da disciplina constitucional nova, não decorre apenas de uma vontade política. Há algo de sistêmico, que decorre inclusive da própria formação partidária que lastreia o nosso processo decisório. Há um problema de decisão política que muitas vezes reclama a edição de medidas provisórias.

Quantas vezes – e aqui, certamente, há parlamentares experientes de todas as facções – recebemos demandas da própria Oposição para que se edite uma medida provisória, criando aquele requisito da urgência política, uma vez que o Texto Constitucional de 1988 tinha suprimido a idéia da tramitação concentrada. Portanto, criou-se esse conceito amplo de urgência política.

Quanto à relevância, não tenho a menor dúvida de que todas as medidas provisórias, até porque tratam de temas de lei, são relevantes.

Quanto ao conceito de urgência, pode haver discrepância, mas o próprio Supremo Tribunal Federal – e não pela voz de qualquer Ministro que pudesse ser suspeito à vista de qualquer facção política, mas pela voz autorizadíssima do Ministro Sepúlveda Pertence – tem dito que, se um projeto fica muito tempo tramitando no Congresso Nacional e não há deliberação, o Presidente da República está autorizado a editar medidas provisórias. Portanto, acredito que tive uma participação extremamente positiva e que fiz as advertências devidas.

Devo dizer-lhe que não só na gestão anterior na Casa Civil, do Ministro Clóvis Carvalho, mas agora, sob a gestão de Pedro Parente, é maior o número de medidas devolvidas do que de medidas de fato editadas, porque se criou na burocracia – e isso pouco tem a ver com o Governo no sentido da decisão presidencial – a idéia de que tudo deve ser feito por meio de medida provisória.

Lembro-me de um teste feito no Ministério da Justiça, pelo Ministro Jobim, que recebeu uma comissão que já lhe entregava um projeto de medida provisória. Ele perguntou: quanto tempo vocês levaram fazendo esse estudo? Dois anos. E agora transforma-se já em medida provisória? Portanto na cúpula do Governo há um esforço enorme para reduzir as medidas provisórias.


V. Exªs podem crer, engajei-me fortemente na viabilização dessa emenda constitucional, fazendo toda a construção para que houvesse de fato a reinstitucionalização desse regime, mas estamos a ver, inclusive com o problema do travamento de pautas que já vislumbrávamos e prognosticávamos, que a questão passa por uma crise também do processo decisório, que dependerá da reforma política tão almejada.

Portanto sempre adverti, e mais do que isso, engajei-me para reduzir o número de medidas provisórias.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador Jefferson Péres.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT – AM) – Não tenho limite de tempo?

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – O limite será o que V. Exª considerar conveniente, desde que os demais tenham a oportunidade.

Talvez fosse melhor que V. Exª fizesse uma pergunta de cada vez, para que, havendo alguém que queira repetir, como V. Exª está usando esse critério, evitar mais adiante uma pergunta repetitiva.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT – AM) – Vossa Senhoria alguma vez se recusou a redigir a uma medida provisória por ser contrária à sua consciência jurídica?

O SR. GILMAR MENDES – Estabelecemos, Senador, desde de logo, que as medidas provisórias não deveriam ser concebidas como tais. Isso está em todos os decretos que hoje regulam as matérias. Os projetos devem ser apresentados como projeto de lei com proposta de sua conversão em medida provisória. Essa foi a primeira decisão tomada pelo Ministro da Casa Civil, Pedro Parente, enfatizando que agora os projetos deveriam chegar sob a forma de projeto de lei, eventualmente com pedido de urgência.

Tenho aqui na minha frente o meu ex-colega de Ministério, Waldeck Ornelas, ilustre Senador, que sabe disso, porque lidava com esse tema quotidianamente nas nossas discussões. Então sempre se ponderava esse princípio e, mais do isso, o Governo positivou esse entendimento. Portanto a decisão de conversão era elevada a um nível político no qual se colocava a problemática toda que viria, até mesmo a judicialização.

Somos felizes, Senador. Diferentemente do que ocorre no modelo alemão, por exemplo, que é de legitimação restrita, qualquer discussão dessa sorte chega logo ao Supremo Tribunal Federal, graças à concepção liberal e democrática adotada na Constituição de 1988 pelo Relator Bernardo Cabral.

Portanto, a rigor, nunca houve essa situação de recusar, até porque avançamos institucionalmente, estabelecendo que as propostas agora viriam em forma de projeto de lei e só depois discutir-se-ia, num contexto político, porque aqui é um juízo eminentemente político, feito pelo próprio Presidente, tendo em vista inclusive questões de funcionamento, processo decisório do Congresso Nacional.

Vou lhes dar um exemplo de uma medida provisória que é muito cara à própria Oposição: a medida provisória da anistia, recém-lançada com tanta solenidade. Vejam que havia impasses no Congresso Nacional em torno do projeto de lei. Foi pedida essa medida provisória que foi editada. Portanto o conceito não é de uma urgência no sentido temporal, mas no sentido político.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT – AM) – Fiz-lhe uma pergunta objetiva. Desculpe-me, mas não obtive uma resposta objetiva.

Vossa Senhoria alguma vez recusou-se a redigir uma medida provisória por não lhe parecer de acordo com sua consciência jurídica?

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Antes de V. Sª responder à pergunta, a Presidência comunica às pessoas que há um telão na sala 7 transmitindo esta reunião. Quem quiser maior conforto poderá assisti-la na sala 7.

Senador Jefferson Péres.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT – AM) – A pergunta já está formulada, Sr. Presidente.

O SR. GILMAR MENDES – Essa hipótese sequer se apresentou, Senador, porque há todo um funcionamento institucional.

As medidas provisórias não nascem na Casa Civil. Há toda uma visão antropomórfica do Poder Executivo que não se confirma aqui nem nos Estados Unidos, não se confirma nos regimes presidencialistas. Até se diz que, na verdade, os regimes hoje parlamentaristas ou presidencialistas estão muito próximos, porque funcionam em regime de colegiado.


Essas propostas são levadas à Casa Civil. A minha participação em redação de textos que poderiam se convolar em medida provisória foi limitada. O que sempre fiz foi rever textos, fazer sugestões de modificação, etc. A redação, muitas vezes, vinha do próprio Ministério. Portanto essa hipótese nem sequer era colocada.

Estou-lhe dando uma proposta que acredito precisa. Tanto o decreto formulado inicialmente no Ministério da Justiça como este da Casa Civil tinham sempre a preocupação – V. Exas podem depois compulsar esse decreto na versão atual -, há até um questionário para verificar essa urgência, se havia de fato esses critérios. A Casa Civil trabalha intensamente para limitar esse uso. Aqui tive uma participação decisiva. Se V. Exas verificarem, aquele catálogo de questões vem de um modelo alemão que desenvolvi já no Manual de Redação da Presidência da República.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Concedo a palavra ao Senador Jefferson Péres.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT – AM) – Chegou às minhas mãos um e-mail no qual o cidadão afirma que V. Sª participou da redação daquela medida provisória que cerceava manifestações do Ministério Público.

O SR. GILMAR MENDES – Não conheço nenhuma medida provisória que cerceasse a manifestação…

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT – AM) – Diz isso aqui, textualmente. Passo a ler. O cidadão se assina Aldari Matos. Infelizmente, ele não diz o nome.

"Também, como é do conhecimento geral, o Sr. Gilmar Mendes, desvirtuando os requisitos inerentes ao instituto da medida provisória, tentou, através de uma delas, amordaçar o Ministério Público, não tendo logrado êxito, tão somente diante da oposição da maioria dos…"

O SR. GILMAR MENDES – A não ser que minha memória falhe, Senador – o que não acredito ocorrer neste ponto -, não existe nenhuma medida provisória amordaçando o Ministério Público. Existe uma medida provisória que disciplina as ações de improbidade. Foi uma proposta do Ministério da Justiça, correlata com todas as propostas que existem em matéria de Código de Processo Penal.

O Presidente Bernardo Cabral me corrigirá se eu estiver equivocado, que diz mais ou menos o seguinte: proposta uma ação de improbidade, haverá um contraditório prévio e o juiz decidirá sobre a sua admissibilidade ou não. Isso era um procedimento penal comum aos funcionários públicos, mas todas as reformas penais estão estendendo para todos. Portanto é algo elementar; assegura-se o contraditório para evitar as ações com fins meramente políticos.

Não participei de sua redação, o texto veio do Ministério da Justiça, mas estou absolutamente conforme com essa idéia, porque ela é compatível com a idéia básica do Estado de Direito. Trata-se apenas de disciplinar o manejo da ação de improbidade, que pode ser feito às vezes de caráter aleatório.

Portanto, creio que V. Exª tenha recebido uma informação equivocada.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Continua com a palavra o Senador Jefferson Péres.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT – AM) – Nos e-mails que me chegam contra sua indicação há inúmeras referências injuriosas de que V. Sª seria mais um membro da bancada governista no Supremo Tribunal Federal. Injuriosa. Nem sei se existe essa bancada, não estou endossando. Preocupa-me esse sentimento de que quem ocupou cargo de confiança no Governo, ao chegar ao Supremo Tribunal Federal, será subserviente ao Governo, votará sempre em seu favor.

Continue a ler a sabatina.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!