Crimes tributários

Parcelamento de débito de sonegador extingue punibilidade

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17 de maio de 2002, 14h13

O pagamento do tributo (ou contribuição social), ressalvando-se alguns poucos momentos de eclipse (1991 a 1995, por exemplo), sempre foi causa de extinção da punibilidade no nosso ordenamento jurídico (cf. a partir de 20.05.02 no site www.estudoscriminais.com.br artigo detalhado e completo sobre o assunto).

Isso significa que o legislador brasileiro concede primazia, nos crimes tributários e previdenciários, mais à função arrecadatória do Estado que a repressiva. Aliás, os sonegadores de impostos, em praticamente todas as legislações penais do mundo inteiro, contam com tratamento privilegiado. Frente ao autor de um furto, por exemplo, a distinção é brutal.

Também é da nossa tradição jurídica a exigência (temporal) de que o pagamento do tributo devido deve ser feito antes do recebimento da denúncia. Esse sistema, como se sabe, é criminógeno (gera criminalidade), porque o sonegador (bem informado) computa (na sua relação custo-benefício) o seguinte: sonega-se e, depois, se for descoberto, paga-se!

Apesar de tudo isso, certo é que o Direito Penal quase sempre foi usado nesse setor mais como ameaça que como instrumento repressivo implacável. Importa mais arrecadar que punir penalmente o autor do crime. Utilitarismo em lugar de uma visão kantiana ou hegeliana (que não abriam mão do castigo penal nunca).

Quanto ao pagamento, em suma, assim é o nosso Direito. Bem. E no que diz respeito ao parcelamento do débito previdenciário (ou tributário) antes do recebimento da denúncia: extingue (ou não) a punibilidade do agente? O parcelamento equivale ao pagamento?

Nunca foi tranqüila essa questão. Havia muita divergência dentro do próprio Superior Tribunal de Justiça. Aliás, o entendimento (hoje pacificado, como veremos) do STJ contraria o do STF. De qualquer modo, em se tratando de matéria infraconstitucional, não há dúvida que a última palavra (nessa área) é do STJ.

A novidade nesse tema é o seguinte: em 02.05.02, no habeas corpus 11.598-SC (Gilson Dipp), decidiu-se levar a questão para a Terceira Seção do STJ (que é composta da quinta e da sexta turmas).

Em 08.05.02 a Seção (3ª), por maioria de votos (6×2), no HC 11.598-SC, decidiu que, nos crimes de sonegação fiscal, o parcelamento da dívida com o Estado antes do oferecimento da denúncia extingue a punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei n. 9.249/1995, ainda que restando eventual discussão extrapenal dos valores. Precedentes citados: HC 9.909-PE, DJ 13/12/1999; REsp 197.365-MG, DJ 6/9/1999, e REsp 184.338-SC, DJ 31/5/1999 (cf. Informativo STJ n. 132).

Os principais argumentos (escorreitamente alinhados) pelo Min. Gilson Dipp (de quem emanou o voto condutor no julgamento no HC 11.598-SC) são os seguintes: (a) o pagamento equivale ao (leia-se: tem o mesmo valor jurídico do) parcelamento; (b) o parcelamento cria nova obrigação e extingue a anterior; (c) há novação da dívida; (d) a transação entre as partes altera a relação jurídica e retira seu conteúdo criminal; (e) o Estado dispõe de mecanismos próprios e rigorosos para cobrar essa dívida; (f) a negociação envolve sanções para o caso de descumprimento da obrigação; (g) o inadimplemento das parcelas deve ser resolvido no juízo apropriado; (h) o parcelamento extingue a dívida anterior, surgindo uma nova; (i) o Direito penal não deve preocupar-se com atos que não sejam relevantemente anti-sociais.

Em suma: aplicando-se por analogia o art. 34 da Lei 9.249/95 o parcelamento (nos crimes tributários) feito antes do recebimento da denúncia extingue o ius puniendi.

Quando ao parcelamento no crime de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A) é preciso fazer uma distinção: (a) crime ocorrido até 14.10.00 (leia-se: antes da Lei 9.983/00): parcelamento até o recebimento da denúncia extingue a punibilidade; (b) crime ocorrido após 15.10.00 (após a Lei 9.983/00): o parcelamento para extinguir a punibilidade deve ser feito antes do início da ação fiscal (consoante o disposto no art. 168-A do CP).

Autores

  • Brave

    é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.

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