Pegadinha na Justiça

Juiz rejeita pedido de indenização em ação movida contra a Globo

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17 de maio de 2002, 15h32

O juiz da 4ª Vara Cível de São Paulo, Guilherme Santini Teodoro, rejeitou pedido de danos morais e materiais em ação movida contra a TV Globo por causa de uma “pegadinha”. O reclamante queria receber R$ 4 mil por danos materiais.

Segundo o juiz, o autor da ação não conseguiu comprovar sua participação no quadro do Domingão do Faustão. “Ademais, se o autor tivesse participado, a pretensão de reparação por danos morais teria sido alcançada pela decadência”, afirmou. O juiz acatou os argumentos do advogado da emissora, Luiz de Camargo Aranha Neto.

Leia a decisão

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA CÍVEL CENTRAL DA CAPITAL

Processo nº 000.02.014.432-6

Autor: JOSÉ ONEIDE TIODOSIO

Ré: TV GLOBO LTDA.

Vistos.

Ação de reparação de danos materiais e morais advindos de uso indevido de imagem por emissora de televisão. Contestação com preliminares de falta de notificação e decadência e pela importância porque não há prova da alegada participação do autor no quadro humorístico e não foram especificadas as datas do programa de auditório. Depois de realizadas as brincadeiras, a ré solicita autorização por escrito para a exibição do quadro no programa.

Não é crível que uma situação cômica e inocente possa denegrir a honra e o bom conceito de qualquer cidadão a ponto de causar-lhe danos morais. Trata-se de uma “brincadeira” inofensiva. E nem todo mal estar configura dano moral. A ré jamais paga qualquer remuneração ou recompensa às pessoas que participam do quadro. Outros seriam os critérios para arbitramento da indenização.

Réplica anotada. Não se aplica a Lei de Imprensa. A ré não exibiu as fitas. A intenção da ré com o quadro era obter mais pontos na audiência e para isso aproveitou-se da imagem do autor. O dano moral é sempre presumido. Mesmo que assim não fosse, o constrangimento existiu e o direito à imagem, como direito de personalidade, sobrepõe-se a qualquer outro.

É o relatório.

De acordo com a petição inicial, no final de 1997 o autor foi envolvido em quadro humorístico de programa de auditório da ré, que depois lhe prometeu pagar recompensa de R$ 800,00 mediante a assinatura de diversos documentos.

Contudo, alega o autor, a recompensa não foi pega e as cenas do quadro de que participou foram exibidas com fins econômicos durante o referido programa pelo menos cinco vezes, razão pela qual requer o autor indenização dos danos materiais na quantia de R$ 4.000,00.

Além disso, ainda segundo a petição inicial, o autor passou vexame e constrangimento tanto no dia da gravação como depois com a exibição das cenas, o que feriu sua honra, intimidade, vida privada e imagem, expondo-o ao ridículo, a deboches e humilhações por colegas de trabalho e conhecidos. Os danos morais serão reparados com o pagamento da quantia equivalente a cem salários mínimos.

A ação é improcedente.

“O programa de televisão, pelo seu poder de influir na opinião pública, sujeita-se às regras da Lei de Imprensa” (JTJ 233/271). No caso é incerta ou controvertida a participação do autor no quadro humorístico.

Segundo o art. 57 da Lei de Imprensa a petição inicial da ação de reparação de danos resultantes de transmissão em serviço de radiodifusão deve ser instruída com notificação feita à empresa de radiodifusão nos termos do art. 58, § 3º.

O autor, entretanto, deixou de apresentar referida notificação, pressuposto para verificação da materialidade da suposta ilicitude porque obsta a destruição das gravações do programa impugnado, assegurando a autenticidade das reproduções. Sem a notificação não estava a ré obrigada a preservar as fitas e, dessa forma, exibi-las.

Assim, à falta de fitas da emissora ou mesmo de

reproduções que o autor, por si ou por seus conhecidos, poderia ter feito (não alegou impossibilidade absoluta de gravar os programas) não existe prova da alegada participação do autor no quadro humorístico e sua exibição pela ré no programa de auditório.

O ônus dessa prova era do autor, que inclusive deixou de apresentar cópias dos supostos documentos que teria assinado por sua alegada participação. A prova oral, de outro lado, não poderia oferecer elementos seguros sobre a afirmada participação ou sobre a alegada exibição das cenas por mais de uma vez, tendo em vista o tempo decorrido.

Mesmo que o autor tivesse participado da gravação do quadro de humor, teria assinado, a teor de suas controvertidas alegações, documentos. Nestes haveria, como resulta da contestação, autorização para exibição das cenas. Vale dizer, o autor, se tivesse participado, teria autorizado o uso da sua imagem no programa de televisão.

A autorização exclui a ilicitude mesmo porque, não apresentados os documentos, não se sabe o uso teria sido autorizado uma só vez ou um determinado número de vezes. A ré praticaria ilícito se tivesse violado cláusula da autorização, exibindo as cenas mais vezes do que o número autorizado.


Outrossim, admitindo-se também por argumento que o autor tivesse participado do quadro em questão, se a autorização escrita fosse para exibição gratuita, sem nenhuma remuneração ou recompensa, não haveria fundamento para a pretensão de reparação por danos materiais.

Quanto a supostos danos morais, o autor deveria provar sua participação no quadro do programa da ré, como pressuposto básico para julgamento da pretensão. Porém, como visto, prova nesse sentido não há.

Ademais, se o autor tivesse participado, a pretensão de reparação por danos morais teria sido alcançada pela decadência.

De fato, a responsabilidade civil por abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e da informação é regulada pela Lei 5.250/67, conjunto de regras especiais que afasta a aplicação, em seu campo específico de incidência, das normas comuns de responsabilidade civil.

O art. 56 da referida lei estabelece que a ação de reparação de dano moral, como a de que se cuida nestes autos, deve ser proposta dentro de três meses a contar da data da publicação ou transmissão ofensiva, sob pena de decadência.

A decadência é prazo extinto do direito de reparação pela inércia de seu titular e seu curso não se suspende nem interrompe pelas causas suspensivas ou interruptivas da prescrição. O programa teria sido transmitido no final de 1997 mas esta ação foi ajuizada em fevereiro de 2002, portanto bem depois do prazo decadencial de três meses.

Conquanto não se desconheçam precedentes jurisprudenciais inclusive do Superior Tribunal de Justiça que reputam insubsistente a limitação de tempo do mencionado art. 56 entre outros fundamentos porque incompatível ou conflitante com a superveniente Constituição Federal de 1988, art. 5º, V e X, considera-se correto entendimento que não vislumbra semelhante conflito.

A propósito, cabe citar decisão do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que negou provimento ao agravo de instrumento nº 189.573-0/PR (DJU de 28 de abril de 1997, Seção I, pág. 15.736), verbis: “Impossível é vislumbrar, na espécie, ofensa ao inciso V e ao caput do artigo 5º da Constituição Federal, no que cuida da indenização por dano material, moral ou à imagem. A garantia constitucional norteia, é certo, a legislação ordinária. Isso não implica dizer que o exercício do direito projeta-se no tempo de forma indeterminada, podendo o titular escolher o momento propício para o ajuizamento da competente ação. A segurança jurídica reclama a previsão de prazos para a irresignação, em juízo, quanto à inobservância de um certo direito. Em detrimento de prevalência deste, potencializa a ordem jurídica em vigor a estabilidade das relações, afastando da vida gregária situações de verdadeira intranquilidade.

Daí concluir-se, frente ao sistema da Carta Política da República – e esta dispõe sobre a prescrição relativamente à demanda visando a alcançar reconhecimento de prestação alimentícia -, pela recepção do artigo 41 da Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, no que fixa, no caput, prazo prescricional para ajuizamento da ação penal e no § 1º prazo decadencial para o exercício do direito de queixa ou de representação. A mesma óptica serve à regra do artigo 56 da citada Lei, ao revelar que “a ação para haver indenização por dano moral poderá ser exercida separadamente da ação para haver reparação do dano material e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa”.

No mesmo sentido, os seguintes acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo:

PRESCRIÇÃO – Lei de Imprensa – Decadência – Dano Moral – Dano à Imagem – Reportagem em jornal – Prazo de 3 meses.

O fato que deu origem à ação foi reportagem publicada em 28.10.93. O ajuizamento, contudo, ocorreu quando de muito vencido o prazo de decadência de 3 meses, estatuído no artigo 56 da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa). O posicionamento adotado no voto vencido orienta-se a que a CF/88 teria aberto ampla possibilidade à reparação de dano moral, não recepcionando, assim, a lei de imprensa. “Permissa venia”, não se afigura essa a melhor diretriz. A priorização da inviolabilidade da honra e imagem das pessoas e ter sido assegurado o direito à indenização pelo dano moral ou material, decorrente de sua violação, não implica que a lei ordinária, como é o caso daquela que disciplina a atividade de comunicação, não possa fixar prazos para o exercício da ação ou do direito (TJSP – Embs. Infs. Nº 266.832 – SP – Rel. Des. Marcus Andrade – j. 13.03.97).

INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Danos moral – Lei de Imprensa – Publicação ofensiva em órgão periódico de sindicato – Qualidade de empresa jornalística para fins da Lei Federal nº 5.250, de 1967 – Violação do direito reconhecida. Para fins da Lei de Imprensa é reputada empresa jornalística toda pessoa jurídica que edite jornais, revistas ou periódicos.


INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Danos moral – Lei de Imprensa – Publicação ofensiva em órgão periódico – Ajuizamento após o prazo do artigo 56, “caput”, da Lei Federal nº 5.250, de 1967 – Pedido deduzido com fundamento nos artigo 5º, incisos V e X, da Constituição da República, e 159 do Código Civil – Irrelevância – Disposição da Lei recepcionada pela referida Carta Magna – Prevalência, ademais , da regra especial sobre a genérica – Decadência operada – Recurso provido (TJSP – Ap. Cív. Nº 24.330-4 – Jundiaí – 2ª Câm. De Dir. Priv. – Rel. Des. Cezar Peluso – j. 10.03.98 – v.u) (JTJ 204/83).

INDENIZAÇÃO – Perdas e Danos e uso indevido da imagem – Alegação de decadência com fundamento no artigo 56 da Lei de Imprensa – Admissibilidade – Lex specialis que se sobrepõe à generalis – Recurso da ré provido (TJSP – Ap. Cív. Nº 14.143-4 – São Paulo – 7ª Câmara de Direito Privado – Rel. Benini Cabral – j. 15.04.98 – v.u.).

RESPONSABILIDADE CIVIL – Lei de Imprensa – Divulgação de reportagem pela ré, empresa de televisão, desabonadoras à conduta social e especialmente profissional do autor, porquanto ofensivas ao seu desempenho como médico no caso de atendimento de uma criança doente, que veio a falecer – Caso de dano moral, que não se confundia com dano à imagem – Prazo decadencial do artigo 56, “caput”, da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) não atingido pelas previsões do artigo 5º, “caput”, V e X, da Constituição Federal de 1998 – Embargos infringentes rejeitados, mantida a extinção do processo com base na pronúncia da decadência. (Embargos Infringentes nº 26.056-4 – Ribeirão Preto – – 5ª Câmara de Direito Privado – Relator: Marco César – j. 19.11.98 – m.v.)

INDENIZAÇÃO – Lei de Imprensa – Danos morais –

Publicação de matéria jornalística ofensiva à imagem do autor – Ação ajuizada após o decurso do prazo de três meses, contado da publicação – Decadência reconhecida – Aplicação do artigo 56 da Lei nº 5.250, de 1967, que, não conflitando com a Carta Magna, foi por ela recepcionado.

Sendo o fato previsto na Lei de Imprensa e por ela regulado, como regra especial que é, afasta a regra geral, ou seja, a legislação comum. Não há possibilidade de o ofendido optar por pleitear a indenização com base no Código Civil, hipótese que, além de transformar a Lei de Imprensa num mero adorno, na parte que cuida da responsabilidade civil, geraria situação de extremo desequilíbrio entre as partes e superação, por vias transversas, do prazo decadencial do artigo 56 (Lei nº 5.250/67). Recurso desprovido (TJSP – Ap. Cív. Nº 57.583-4/6 – São Paulo – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Mohamed Amaro – j. 11.02.99 – v.u.).

INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Dano Moral – Ofensas decorrentes de programa humorístico, veiculado em televisão – Sujeição às regras da Lei de Imprensa – Decadência operada – Artigo 56, “caput”, da Lei Federal nº 5.250/67 – Extinção do processo – Embargos infringentes acolhidos.

RESPONSABILIDADE CIVIL – Abuso praticado por meio de programa de televisão – Incidência da Lei de Imprensa – Decadência consumada – Embargos infringentes acolhidos para prevalência do voto vencido – Extinção do processo com base na pronúncia de decadência. (Embargos Infringentes nº 106.840-4 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Privado – Relator: Cintra Pereira – j. 20.06.00 – m.u.) (JTJ 233/271).

Ante o exposto, julgo a ação IMPROCEDENTE.

Custas e despesas processuais com correção monetária desde os desembolsos e honorários advocatícios arbitrados em dez por cento do valor atualizado da causa serão pagos pelo autor desde que provada alteração da sua condição de beneficiário da assistência judiciária (art. 12 da Lei 1.060/50).

No distribuidor e demais assentamentos cartorários, corrija-se o nome da ré, que é TV GLOBO LTDA. (fls. 19).

P.R.I.

São Paulo, 09 de maio de 2002.

GUILHERME SANTINI TEODORO

Juiz de Direito

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