Prática Condenável

Pornografia infantil na Internet: redundância legislativa!

Autor

15 de maio de 2002, 10h02

Inicialmente, cumpre esclarecer que muitos se referem à pornografia infantil como pedofilia. Isso é um erro. Pornografia infantil é crime; já pedofilia é a qualidade ou sentimento de pedófilo (derivada do grego paidóphilos e que significa aquele que gosta de crianças, na forma mais ampla da expressão).

Ainda no campo da nomenclatura, especialistas ponderam que pedofilia pode ser entendida como anomalia, implicando em inimputabilidade ou semi-imputabilidade do agente (1).

Sob todos os aspectos, os números que envolvem internet, são crescentes.

Cresce o número de usuários, cresce o número de pessoas que praticam comércio eletrônico e crescem os investimentos na internet em geral.

De outra parte, cresce, de forma avassaladora, o número de notícias e ocorrências referentes à divulgação de fotos pornográficas envolvendo crianças e jovens na internet.

Desde que o mundo é mundo, a libertinagem ligada à infância e juventude sempre existiu.

Na história antiga, seja nas peripécias libidinosas do Grande Rei persa, Dario II (por volta do ano 320 a.c.) com seus jovens pajens, seja nas belíssimas pinturas em que artistas gregos expressavam hábitos e costumes da época, sem que houvesse sequer reprimenda moral, já se tinha notícia do envolvimento de jovens e crianças em festins licenciosos e orgias.

A pornografia, por exemplo, ou até a mera representação da sexualidade e do nu de jovens e adultos, rigidamente regulamentadas pelas nossas autoridades, parecem não ter incomodado minimamente os antigos atenienses. Justamente nesse período, a pintura em cerâmica mostra-nos cenas de simpósio (2) muito ousadas, com práticas sexuais e explícitas e extremas.

No transcorrer da história, seja no Império Romano, nos Feudos ou na Colonização das Américas, a exploração ligada à infância e a juventude, mesmo que em menor intensidade, de alguma forma esteve presente.

Com o advento da internet e as facilidades carreadas pela rede, tem-se a impressão que o dragão adormecido, acordou e com seu fogo usa maldade no ambiente virtual.

“A internet é um terreno abandonado para os pedófilos. Eles não precisam sair de casa para ir ao parque mais próximo: sentem-se anônimos, podem manter seus contatos com outras pessoas igualmente perversas e conversar com crianças sem problemas”, lamentou Nigel Willians, diretor do Childnet International, uma organização não governamental (ONG) britânica (3).

Essa facilidade propiciada pela via informática, qual seja, a ocultação da identidade, deflagra, ainda, os desvalores de uma sociedade deficitária em padrões éticos e morais (são milhares de simpatizantes, que, por hobby e para satisfação de sentimentos menos nobres ou até para dar vasão a sensações primitivas visitam sites com este teor, pois não há necessidade da atuação de mecanismos inibitórios, já que o usuário sente-se escudado pelo anonimato).

O tráfego de imagens contendo pornografia infanto-juvenil na web, constitui verdadeira teia inexpugnável. É a rede dentro da rede, podendo ser equiparada, inclusive, à outra igualmente abominável: rede internacional de drogas.

Agências internacionais noticiam a prática da conduta execrável. Sabe-se que existe na Europa uma quadrilha que já propagou mais de três mil fotos contendo cenas pornográficas envolvendo crianças com menos de três anos de idade.

Da mesma forma que houve a progressiva prática da pornografia infantil na rede mundial de computadores, aumentou também a mobilização para o repúdio e combate à mórbida prática.

A home page www.abusi.it, com chancela da Unicef, tem por escopo receber denúncias e concentrar informações a fim de combater a pornografia infanto-juvenil.

Em janeiro de 1999, mais de 300 especialistas ligados à proteção do menor e meios de comunicações se uniram na sede da UNESCO em Paris para estudar meios de combate à pornografia e a pedofilia na internet, (4) emitindo uma declaração específica sobre o assunto.

O www.ultimosegundo.com.br, em 28/11/01, noticiou que, em conjunto com outros países, a Grã Bretanha por intermédio do Esquadrão Nacional Criminal (NSC), monitorou usuários de 30 (trinta) sites da internet que ofereciam pornografia infantil. “Forças policiais de todo o mundo detiveram mais de 130 pessoas na quarta feira em uma operação inédita contra a pornografia infantil, afirmou a polícia britânica.” Na mesma notícia: “Vi imagens horripilantes, que vão de bebês sofrendo abuso sexual por homens a fotos de adolescentes nus fazendo poses – chefe da investigação Peter West”.

No Brasil, a chamada Operação Catedral, realizada no Rio de Janeiro, exitosamente apreendeu vasto material e prendeu criminosos.

A legislação pátria penal prevê punição rígida para a pornografia infantil.

O artigo 241 do E.C.A. (Estatuto da Criança e do Adolescente) reza que é crime “fotografar ou publicar cenas de sexo explícito ou pornográfica envolvendo crianças e adolescentes” estabelecendo pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Desde setembro de 1998, o STF apontou que o referido artigo tem aplicação para atos perpetrados pela internet: o crime previsto no art. 241 da Lei nº 8.069/90 é norma aberta, caracterizando-se pela simples publicação, seja qual for o meio utilizado, de cenas de sexo explícito ou pornográficas que envolvam crianças ou adolescentes que insiram fotos de sexo infantil e juvenil em rede BBS/Internet de computador, sendo irrelevante a circunstância de o acesso reclamar senha fornecida aos que nela integrem. (5)

Analisando o tipo penal, verificamos que a simples conduta de publicar caracteriza o crime. Independendo do número de visitas ou ainda mesmo que ninguém tenha acessado o site que disponibilizou o material, o delito está caracterizado.

Segundo Nélson Hungria, publicar significa tornar público, permitir o acesso ao público, no sentido de conjunto de pessoas, pouco importando o processo de publicação. (6)

Todavia, por mais repugnante que possa parecer, o envio de um e-mail contendo material infanto-juvenil pornográfico, com destinatário(s) definido(s) e pouco importando a quantidade dos destinatários, não constitui fato típico.

Ponto crucial a ser observado pelo julgador penal, refere-se à identidade da vítima. Em se tratando de cenas envolvendo jovens ou crianças, com base unicamente na foto não será possível concluir com a certeza, necessária à condenação, a idade da jovem vítima retratada, ou seja, se possui 16, 17 ou mais de 18 anos. Em que pese o dolo eventual ser admitido, muitas vezes o conhecimento da identidade da vítima torna-se essencial.

Outra questão de grande relevância a ser discutida, é a chamada ‘inflação legislativa’, a normatização excessiva, ou seja, o ‘legislar sobre o já legislado’.

A legislação existente e o alerta do Judiciário em brilhantes decisões sobre a pornografia infanto-juvenil não fazem eco no Congresso Nacional, onde tramitam vários projetos de Lei sobre o assunto.

A conduta criminosa já está definida em nossa legislação penal em vigor. A internet é apenas uma ferramenta para o cometimento do crime. Explicitamente, nossos tribunais superiores já reconheceram a pornografia infantil como crime, independentemente do instrumento de que o agente se vale para cometê-lo.

Notas de rodapé:

(1) Sobre o assunto, Flávia Rahal e Roberto Soares Garcia in Crimes e Internet – Breves notas aos Crimes Praticados por meio da rede mundial e outras Considerações; Boletim IBCCrim, nº 110 – janeiro 2002 p.8: “É preciso estabelecer ser um equívoco chamar pornografia infantil ou juvenil de pedofilia, já que esta é uma doença que leva os seus portadores a serem considerados, em seara penal, semi-imputáveis ou inimputáveis (cf. art.26 do Código Penal), é este o entendimento.”

(2) Na Atenas antiga, a palavra simpósio nada mais significava do que “beber juntos”, mas indicava uma espécie de drinking party de cunho exclusivamente masculino; como apontou Valério Máximo Manfredi in, Akropolis, a grande epopéia de Atenas/ tradução de Mário Fondelli. – Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 42.

(3) http://www.direitonaweb.com/dweb.asp?ctd=771&ccd=8

(4) ARAÚJO DE CASTRO, Carla Rodrigues. Crimes de informática. Ed. Lúmen júris. RJ. 2000. p. 179.

(5) HC nº 76.689-0/PB, 1ª turma, j.22.09.98, DJU 06.11.98, RT 760/519.

(6) HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. R.J.. ed. Forense. 1958. p. 340

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!