Trabalho precário

Contratos de pequena empreitada disfarçam empregos precários

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13 de maio de 2002, 14h53

O novo modelo econômico mundialmente globalizado tem provocado alterações perversas no mercado de trabalho. Cresce assustadoramente o número de trabalhadores sem carteira de trabalho assinada. O número de trabalhadores com carteira assinada aumentou apenas para quem recebe até três salários mínimos. Para os demais, o emprego formal cresceu aumentando as vagas de pior qualidade.

É o surgimento do trabalho formal precário, conforme conclui Anselmo Luis dos Santos, economista da Unicamp. O número de trabalhadores com carteira assinada caiu nos anos 90, com exceção de 1994, ano do Plano Real, quando cresceu 1,18%, só voltando a se recuperar em 2000, crescendo 3,2%. Em 2001, a alta foi de 2,7%. O número de trabalhadores informais e ou autônomos agora totalizam 26,9 milhões de trabalhadores (Folha de São Paulo, em 28 de abril de 2002).

Essa realidade, aliada ao medo do desemprego, ao medo da prática de discriminação na hora de conseguirem novo emprego, tem levado muitos trabalhadores a procurarem um advogado para o recebimento de seus haveres decorrentes de atividades funcionais já executadas, mas sem pleito do vínculo de emprego e ou mesmo de parcelas trabalhistas, tais como aviso prévio, férias, 13º salário, horas extras, FGTS.

Em muitas localidades, é sabida e conhecida a postura de grupos de empresários que elaboram as denominadas “listas negras”, onde o trabalhador listado como detentor de reclamação trabalhista, é discriminado na obtenção de um novo emprego. Com a terceirização, a situação se agravou, enormemente.

Trabalhadores que são contratados sem vínculo empregatício para a execução de uma empreitada, caso reclamem na Justiça do Trabalho as diferenças existentes entre o que foi pactuado, executado e pago, são discriminados na hora da contratação de uma nova “empreitada”, ficando sem trabalho.

A Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo 652, letra a, inciso III, possibilita a um trabalhador reclamar na Justiça do Trabalho seus haveres decorrentes de uma pequena empreitada, em que o empreiteiro seja operário ou artífice, ou seja, onde o trabalhador não exerce trabalho subordinado, mas autônomo, hipótese em que a execução dos trabalhos não seja dirigida pelo contratante, nem fiscalizada por quem vai pagá-la:

“PEQUENA EMPREITADA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – Possuindo o autor a condição de pequeno empreiteiro, por força do artigo 652, alínea “a”, inciso III, da CLT, é competente a Justiça do Trabalho para apreciar e julgar dissídio que verse sobre o saldo promanado da empreitada (TRT 15ª R. – Proc. 13861/00 – (40906/01) – 1ª T. – Relator Antônio Miguel Pereira – Doesp 01.10.2001 – p. 35)”.

Com a promulgação da Carta Política de 1988, o contrato de trabalho adquiriu status constitucional e novos contornos decorrentes dos novos direitos assegurados pela “Lex Legum” (artigo 1º, II, III e IV, artigo 3º, I, II, III e IV, 7º incisos IV, V, VI, VII, X, artigo 5º, inciso XXIII, 170, inciso III e 225).

Esses direitos impuseram novas obrigações patronais de amplo respeito à personalidade e dignidade do trabalhador, responsabilidade por manter um local de trabalho sadio, sendo que os próprios créditos trabalhistas passaram a ter a proteção constitucional e não mais apenas só pela legislação infraconstitucional.

Como decorrência dessas garantias legais, o dono da obra e ou o beneficiário dos serviços executados tem responsabilidade pela total quitação do que foi pactuado com o trabalhador que já teve suas energias consumidas, devendo ser responsabilizado por todos os ônus da inadimplência contratual, solidária e passivamente e ou quando por sua culpa. Neste sentido, a jurisprudência mais compromissada com a prevalência necessária do social, vem decidindo:

“CONTRATO DE EMPREITADA – LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSA E RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA EMPREITEIRA PRINCIPAL – APLICAÇÃO DO ART. 455 DA CLT – Admitida a existência de Contrato de Empreitada e descumpridos os encargos trabalhistas junto ao empregado, impõe-se seja reconhecida a legitimidade passiva ad causam do empreiteiro principal, bem como sua responsabilidade solidária, nos termos do disposto nos arts. 159 do CC e 455 da CLT, vez que agiu com culpa “in eligendo” e culpa “in vigilando”, contratando subempreiteira inidônea (TRT 24ª R. – RO 597/97 – Ac. TP 1.781/97 – Rel. Juiz Abdalla Jallad – DJMS 17.09.1997)”.

Dado o temor dos trabalhadores em reclamar enquanto vigente o vínculo empregatício e só propondo reclamação trabalhista, após a rescisão contratual fez com que a Justiça do Trabalho passasse a ser conhecida como a “Justiça dos Desempregados”.

No geral, a Justiça Trabalhista só julgava as reclamações de trabalhadores, onde presente estivesse o vínculo empregatício disciplinado pelo artigo 3º da CLT, assim dispondo: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário”.

As duas exceções previstas se referem ao da pequena empreitada e a ação de cumprimento prevista no artigo 625, que lhe atribui competência para decidir e julgar, duas outras questões, ou seja, a da pequena empreitada, como também a para julgar as controvérsias resultantes da aplicação de Convenção ou de Acordo Coletivos.

Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, a competência da Justiça do Trabalho se ampliou, a teor do artigo 114 da CF, que assim dispõe:

“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”.

O STF, com suporte no mandamento constitucional que lhe atribui competência exclusiva para ser o guardião-mor da Carta Política vigente (artigo 102, caput e inciso III, a), vem reiteradamente decidindo que o que define a questão da competência é a natureza da pretensão. Com esse entendimento, a Justiça do Trabalho, passou a julgar como de sua competência, os conflitos decorrentes de uma relação do trabalho, mesmo sem vínculo empregatício, incluindo-se pleito de indenização, quer relativo ao assédio sexual, assédio moral, dano moral em sentido lato, como também o resultante de infortúnio acidentário.

Certo, pois, que a crise do desemprego provoca situação alarmante não só no Brasil, mas no mundo inteiro. O livro que o Dieese lançou na Câmara Federal em dois de abril passado “A situação do trabalho no Brasil” relata que, já na década de 90, o aumento da crise do desemprego fez crescer formas alternativas de trabalho, com o início das mudanças nas relações entre patrão e empregado, processo esse que culminou na aprovação de diversas alterações na relação de trabalho, flexibilizando a legislação trabalhista (CLT).

O estudo revela, por meio de gráficos e tabelas, as mudanças no mercado de trabalho brasileiro entre 1990 e 1999. Os números são agrupados por temas como condições de trabalho, flexibilização, emprego e inovações tecnológicas; e comprovam que a distribuição da renda salarial no Brasil é desigual: 50% da população mais pobre recebem apenas 13,90% dos salários pagos no País (Agência JB, em 5 de abril).

O avanço da tecnologia, a busca do aumento da produtividade, a adoção da política de enxugamento dos custos operacionais, aprofunda o abismo social, ocasionam o desemprego, mesmo nos países considerados ricos, onde os trabalhadores contam com a proteção do Estado para um processo de educação permanente de sua população.

Especialistas concluem que nos países emergentes, os 15,78 milhões de analfabetos brasileiros, maiores de 15 anos, estão condenados a viver à margem da sociedade porque não têm conhecimento para entender o mundo digital.

Esses brasileiros, e muito provavelmente seus descendentes são os excluídos do processo de globalização do país porque não têm os conhecimentos mínimos necessários para acompanhar o avanço tecnológico. ‘O mercado não tem condições de absorver essa mão-de-obra”, dizem.

Na opinião de José Carlos Libânio, assessor para o desenvolvimento humano sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), brasileiros sem preparo educacional não terão grandes melhoras no padrão de vida. ‘Eles não têm o passaporte para ingressar num mundo melhor. Hoje em dia, é preciso um mínimo de oito anos de estudo para fugir da condição de pobreza’, informa Libânio.

O escritor norte americano Walter Wriston, em sua obra “O Crepúsculo da Soberania” discute o valor do conhecimento no mundo globalizado, defendendo que na nova ordem mundial, a principal ferramenta de trabalho é o saber. E que as pessoas com pouco ou nenhum estudo serão, em breve, totalmente excluídas do mercado de trabalho e da sociedade.

O apartheid tecnológico dividirá o mundo em dois. Um lado será ocupado por quem tem acesso à informação e, portanto, direitos enquanto cidadãos. O outro, será uma espécie de buraco negro, habitado pelos excluídos da globalização. Os sem-conhecimento, além de desempregados, não terão acesso à educação, à saúde e à cidadania ( CorreioWeb, de 9 de fevereiro de 2001).

Por isso, é fundamental para a garantir o direito à cidadania assegurado a todos os cidadãos, pela CF/88, lutar pela construção de um Estado compromissado com a vida e que exija a efetividade do primado do social em detrimento do mero interesse particular do lucro e detentor de uma estrutura orgânica educacional que assegure processo de educação permanente e completa do homem, prevalecendo a Justiça, a Paz e assegurando-se o atendimento das necessidades gerais de seus cidadãos, em especial, a garantia de trabalho e de salário.

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