Liberdade de edição

TJ paulista nega indenização para juiz em ação contra a Globo

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6 de maio de 2002, 17h21

O Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de indenização por danos morais feito pelo juiz aposentado Vasili Uzum em ação contra a TV Globo. Uzum disse que se sentiu ofendido com o Globo Repórter que foi ao ar no dia 11 de julho de 1997. A emissora foi defendida pelo advogado Luiz Camargo de Aranha Neto. O juiz ainda pode entrar com embargos infringentes.

A defesa alega que o repórter Carlos Dorneles tentou passar para o telespectador “de forma tendenciosa” que Uzum, então juiz da Vara da Infância e Juventude do Foro Regional do Jabaquara, estaria envolvido em um suposto “esquema” para facilitar a adoção de crianças brasileiras por estrangeiros em detrimento das famílias brasileiras.

Uzum alegou que o critério de edição usado pela emissora o prejudicou. Ele afirma que conversou com o repórter por aproximadamente uma hora e apenas dois minutos foram ao ar, “com insinuações levianas”, que atentaram contra a sua integridade moral. Também reclamou que não lhe foi concedido o direito de resposta.

O TJ paulista rejeitou o recurso interposto por Uzum. “Na edição do programa não podia o autor esperar a reprodução integral da entrevista que concedeu. O editor aproveitou as passagens que interessa em face do assunto objeto do programa. Não houve nesse trabalho de edição qualquer interferência na seqüência das palavras do autor que mudasse a sua sintaxe e refletisse no conteúdo, com a distorção do sentido delas”, afirmou o Tribunal de Justiça.

Leia o acórdão

Poder Judiciário

Tribunal De Justiça Do Estado De São Paulo

Acórdão

Indenização – Dano Moral – Programa de Televisão – Entrevista Concedida pelo Autor – Inocorrência de Desvio Ético na sua Edição – Recurso Desprovido.

Na edição do programa não podia o autor esperar a reprodução integral da entrevista que concedeu. O editor aproveitou as passagens que interessa em face do assunto objeto do programa. Não houve nesse trabalho de edição qualquer interferência na seqüência das palavras do autor que mudasse a sua sintaxe e refletisse no conteúdo, com a distorção do sentido delas. Em outros termos, não se denota qualquer desvio ético na edição do programa com o aproveitamento de parte da entrevista concedida pelo autor.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 97.222.4/2, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante VASILI UZUM, sendo apelada TV GLOBO DE SÃO PAULO LTDA.:

ACORDAM, em Nona Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação majoritária, negar provimento ao recurso.

Cuida-se de ação de indenização por danos morais fundada em responsabilidade civil derivada de ato ilícito, por ofensa à honra e à imagem através de programa de televisão, julgada improcedente pela r. sentença de fls. 561/567, cujo relatório se adota.

Apelo do vencido pugnando pela reforma do julgado aduzindo que concedeu uma entrevista com mais de uma hora de duração ao repórter Carlos Dorneles, mas da entrevista gravada, o repórter aproveitou apenas dois minutos na edição do programa a que se destinava, sendo alvo de alegações e insinuações levianas feitas pelo repórter que atentaram contra a sua integridade moral, sem qualquer direito de resposta, pois que pincelou apenas as frases que lhe interessavam para tentar mostrar um juiz acuado, incapaz de responder as questões que estavam sendo formuladas, montando um quadro falso da realidade; e que houve ilicitude na manipulação da informação, criando uma idéia errônea a seu respeito por parte dos telespectadores, prejudicial à sua imagem, já que passou a ser questionado quanto à sua integridade moral (fls. 576/604).

Recurso regularmente processado e preparado (fls. 605), com resposta da parte contrária (fls. 607/614).

Requisitadas as fitas de gravações arquivadas em cartório (fls. 619), requereu o autor a juntada de laudo do exame das referidas fitas feitas pelo Instituto de Criminalística (fls. 624/690), ouvindo-se a parte contrária (fls. 694/698).

Converteu-se o Julgamento em diligência para a transcrição dos diálogos das fitas de vídeo. Apresentado o laudo (fls. 763/842), as partes se manifestaram (fls. 946/851 e 855/858).

É o relatório.

O jornalista Fernando Mitre em artigo publicado no Jornal da Tarde edição de 30 de dezembro de 2000, sob o título “Solidão na Ilha”, reporta-se à edição de matéria jornalística.

Escreve a respeito do assunto que “numa ilha de edição, o profissional de tevê – muitas vezes anônimo e nem sempre bem pago – desenvolve um trabalho solitário de enorme responsabilidade”, pois “pegar uma fita bruta, com 30 ou mais minutos de gravação, e transformá-la numa matéria de um minuto ou menos pode ser um tremendo desafio”.

É que “interferir numa seqüência significa mudar sua sintaxe”, e tal “mudança pode mexer no conteúdo”, e, assim, “distorcer o sentido”, que “pode ser gravíssima”. E continua: “estamos falando de distorções involuntárias – aquelas que ocorrem num momento de pressa ou de tensão maior. Daí a importância e o nível de responsabilidade do profissional que deve estar atento a essas armadilhas. As distorções voluntárias – e, portanto, criminosas – dispensam, por si só, qualquer atitude compreensiva”. Aludindo à obra de Paul Johnson (Os Sete Pecados Capitais da Imprensa) desenvolve a questão sobre o perigo da distorção na tevê, observa que “basta imaginar – e aqui voltamos à enorme responsabilidade do editor de telejornais – o que é possível operar, pela distorção, sobre a sintaxe de imagens visuais”. Anota, então, que “a discussão, no caso, não se esgota, naturalmente, no sensacionalismo puro e simples – um típico fenômeno de linguagem e não propriamente de assunto. É claro que as camadas de ficção construídas pelos artifícios de linguagem podem encobrir totalmente a realidade”. Acentua que se tem aí “um clímax da arte de deformar. Traição total do jornalismo”. Adverte que “há ainda o perigo da distorção sutil que, se operada com eficiente maquiavelismo, pode produzir a deformação de forma consistente e permanente. E nada sensacionalista”. E arremata: “os perigos são muitos, a armadilha ameaça constantemente. Contra ela, só a vigilância permanente, aliada à ética rigorosa”.


Essa matéria assinada pelo eminente jornalista dá uma idéia ainda que superficial do trabalho de edição de um telejornal, e a responsabilidade do editor, que há de agir rigorosamente segundo um princípio ético, cuidando que os cortes não redundem em distorção do sentido do assunto, já que essa distorção pode atingir direta e inexoravelmente as pessoas relacionadas com o assunto nos seus mais preciosos valores morais.

A ré transmitiu no dia 11 de julho de 1997, sexta-feira, o programa “Globo Repórter” sobre tema relativo à adoção e crianças abandonadas.

Na chamada da audiência, no início do programa, o seu apresentador destacou a matéria nos seguintes termos: “Há pelo menos uma semana o Brasil discute o velho dilema: o que fazer com crianças abandonadas? Bebês deixados em sacolas, latas de lixo, elevadores. Eles poderiam ser criados pelas próprias mães? Ou devem ser encaminhados para a adoção?

No programa desta noite nossos repórteres revelam histórias dramáticas. Quem é Jacqueline, a menina dividida entre duas mães aflitas, a brasileira e a francesa. Gabriel, o garoto que ninguém queria, ganha pais alemães. Tábata, quase três anos separada da mãe volta para casa. O desespero da mulher que teve as filhas arrancadas da casa para serem mandadas para o exterior. A família que abriu as portas para crianças que não tinham para onde ir. Os bebês abandonados em sacolas e no lixo – o que faz a mãe renunciar ao seu filho? Pais que nunca foram pais, mulheres que querem ser mães, e crianças sem famílias. Três lados de um mesmo drama…” (fls. 806).

Sem dúvida, o programa enfrentou um assunto de relevância pública, envolvendo um dos problemas mais sensíveis e latentes existentes em países principalmente como o nosso, onde há um quadro de miséria generalizado que provoca a exclusão social e uma forte desagregação familiar, fatores que fomentam o abandono de crianças e adolescentes, muitas das quais, infelizmente, acabam por se desviar para o mundo da delinqüência devido à falta de apoio e orientação de uma família estruturada.

Evidentemente que para realizar a matéria o repórter teve que investigar fatos e entrevistar pessoas. Alguns dos fatos levantados na reportagem são realmente dolorosos, e se refletem a miséria humana servem também a uma humilde reflexão dos operadores do Direito (advogados, promotores de Justiça e juízes) pela interferência profunda que acarretam nos direitos das pessoas as decisões judiciais sobre tema tão rente à vida.

São exemplos eloqüentes apresentados na reportagem: a) uma mãe desempregada que sem pensar, por falta de apoio, renuncia ao pátrio poder da terceira filha recém-nascida, de pai presidiário, que é colocada sob a adoção de uma francesa que mora perto de Paris, embora os familiares da menina, por parte do pai que no registro não foi identificado, estejam dispostos a assumir a sua adoção: b) um casal pobre, que por contingências da vida (desemprego e saúde), viu-se forçado a deixar provisoriamente os cinco filhos abrigados em uma instituição de caridade mantida por ordem religiosa, e depois recebeu, quando da busca das crianças, a dolorosa e terrível notícia da perda do pátrio poder, três delas, as meninas mais novas, já adotadas por um casal de alemães (fls. 807/808); c) uma mãe que deixou a filha sob os cuidados de uma advogada ao ser presa por furto de fraldas em uma farmácia, e soube ao sair da cadeia quarenta e cinco dias depois que perdera a guarda da filha, já colocada em outra família substituta, que somente recuperou três anos depois em função de decisão do Tribunal de Justiça (fls. 809/810); d) uma menina-moça solteira que aos dezesseis anos ficou grávida, e renunciou ao pátrio poder da filha, de pai não declarado (fls. 806/807).

Nos casos das letras “b” e “c” a reportagem identificou o juízo por onde correram os processos, sendo ouvido o respectivo juiz, que admitiu, quanto ao primeiro, que teria tomado outra decisão se tivesse conhecido os pais das crianças, fato que somente aconteceu quando esses pais foram ao Fórum para reclamar, depois da decisão emitida. Somente o caso da letra “d” esteve sob os cuidados do autor.

O objetivo do programa foi o de mostrar ao público o drama vivido pelas pessoas pobres, e da falta de uma política de apoio para que pudessem elas mesmas criarem os próprios filhos.

Alertava sobre uma grave constatação em nosso país de uma “relação muito íntima e sutil que existe entre pobreza e risco de perder os filhos”, lançando argumento crítico no sentido de que “a partir de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente passou a proibir que alguém possa perder o direito sobre os filhos apenas por falta de recurso, mas as velhas práticas não desaparecem facilmente e ainda hoje a justiça pode ser muito dura quando se é pobre” (fls. 807).


É certo que o caso antes citado, que esteve sob a direção do autor, não se passou da forma como referiu a entrevistada, ou seja, não renunciou ao pátrio poder sem que tivesse tempo de melhor examinar as conseqüências do seu ato, ou que tenha renunciado sob pressão do juiz.

Afinal, logo que deu à luz à filha entregou a criança aos cuidados da entidade que a atendeu (Amparo Maternal), manifestando ao serviço social do juízo o desejo de renunciar ao direito sobre a criança. Somente depois de passados cinqüenta e quatro (54) dias a entrevistada foi ouvida pelo juiz, com a assistência de sua mãe, e na presença da promotora de Justiça que atuava naquele juízo, oportunidade em que manifestou novamente a sua firme vontade de renunciar ao pátrio poder da filha (fls. 112/118).

Não foi assim uma atitude precipitada, ocorrida logo após o parto. Por quase dois meses a entrevistada, e a mãe dela, tiveram oportunidade de meditar sobre o passo que estavam dando.

Essa constatação, porém, não retira a validade da abordagem do fato tendo em vista a linha da matéria jornalística que enfocava, exatamente, a questão da pobreza como fator determinante de pessoas renunciarem ao direito sobre os filhos.

De fato, a entrevistada tinha na época dezesseis anos (16) de idade, e os instintos maternos dela não foram suficientes para fazê-la compreender a divina ligação entre ela e a filha recém-nascida. Gritaram mais alto as condições de vida em que ela vivia, as quais não lhe permitiam criar a filha. Quer dizer, abriu mão de seu direito para que a filha pudesse ter condições de sobreviver. Um ato de coragem, e ao mesmo tempo de dor, e não de insensibilidade. Deixou claro perante o juiz que não tinha sequer condições de sustentar a si própria; e a mãe dela, mulher sofrida, não podia ajudá-la, porque, sem o marido há muitos anos desaparecido, tinha três filhos para criar (fls. 118/119).

Uma abordagem para despertar a consciência de todos aqueles que lidam com assunto tão delicado, que, muitas vezes, se contentam com meras declarações formais e não adentram, na solução de problemas humanos, no conhecimento da alma de cada ser.

Dentro dessa linha, em outro quadro, o programa expôs o tratamento dispensado por outra unidade jurisdicional, de outro Estado, para o caso do abandono de uma criança achada em uma lata do lixo. Partiu-se na procura da mãe que tomou aquela atitude, não para destituí-la do pátrio poder, mas, principalmente, para compreender o ato que praticara, a sua motivação. Esclarecido que tudo se deveu a um ato de desespero de uma moça que vivia na rua, sem apoio da família, a interferência do juízo resultou no apoio àquela mãe, no casamento dela com o pai biológico da filha, do apoio da família, e de urna entidade beneficente. Assim, a criança ficou onde deveria estar, na sua família de origem (fls. 816/817). Mas, enfim, porque a entrevista com o autor.

Na área de sua jurisdição existe uma maternidade ligada a uma ordem religiosa, chamada “Amparo Maternal”, que recebe mães pobres de todos os pontos de São Paulo. A partir de outubro de 1995, por ato seu, determinou que todas as crianças ali nascidas e abandonadas pelas mães estavam sob a sua jurisdição.

Na visão do repórter o fato fez disparar o número de crianças adotadas por estrangeiros, 43 contra 38 adotadas por brasileiros, no ano de 1996 (fls. 812), ou seja, a maioria das crianças, naquele ano, foram colocadas em famílias substitutas do exterior.

E chamou a atenção do repórter, também, o fato de em um dos casos pesquisados, no qual uma mãe havia sido destituída do pátrio poder, funcionara um Curador nomeado pelo juiz, que não era o autor, para em nome da criança propor ação para essa finalidade, e que por causa desse modo de propositura fora anulado.

Então o repórter não compreendia porque em vários processos em curso na Vara da Infância e Juventude do Foro Regional do Jabaquara, de titularidade do autor, continuava a prática da nomeação de Curador de crianças abandonadas, e que recaía sempre na pessoa de um mesmo advogado, exatamente aquele do processo anulado, que teve curso por outra unidade judiciária.

Além disso, entendia que a nomeação de Curador envolvia não uma omissão do Ministério Público, e sim uma contrariedade à posição desse órgão de não propor imediatamente a ação de destituição do pátrio poder, ou seja, sem antes esgotar diligências visando a encontrar os pais das respectivas crianças. A nomeação, assim, seria de pessoa que comungava do mesmo entendimento do juiz, e que, além disso, atuava em todos os lados, ora como curador, ora como advogado de casais de outros países, e até como procurador de entidades estrangeiras ligadas à adoção. E mais, via no fato um certo conflito de interesses entre o juiz e o curador, porque este fora seu advogado em um processo criminal.


Não buscou, assim, entrevistar o autor para a edição de um programa com o sentido de levar ao público informações abstratas sobre o papel do juiz de Vara especializada da Infância e Juventude, nem da composição e funcionamento dessa unidade judiciária.

A entrevista foi deveras longa, com aproximadamente uma hora de gravação. Curial que não se poderia pretender que todo o teor da entrevista fosse aproveitado pelo repórter, ou exibida na sua íntegra.

O repórter aproveitou aquilo que interessava ao tema objeto da reportagem.

E aqui é preciso destacar que o longo tempo da entrevista deveu-se mais à prolixidades das explicações dadas pelo autor, ainda que com o bom propósito de colaborar na realização de uma boa matéria jornalística sobre o assunto envolvendo o tema da adoção, do que propriamente à complexidade do assunto.

E diga-se a bem da verdade que o repórter, após ouvir com respeito e atenção a exposição inicial do autor sobre certo grau de preconceito racial de brasileiros na adoção, que não se encontraria nos estrangeiros, observou que, conquanto discutível essa argumentação, a entrevista não colimava esses argumentos.

Aliás, esse ponto-de-vista do repórter ficou exposto no final do programa, pois falou, e com razão, que o preconceito racial não é um atributo exclusivo do brasileiro, já que racistas há em todos os pontos do mundo e, principalmente, nos países mais desenvolvidos. O que acontece, expôs o repórter, é que aqueles que vem para o país para adotar uma criança já passaram pela “peneira” do racismo, pois os racistas sequer vem para o país para adotar (fls. 823).

O repórter alertou o autor sobre o assunto da entrevista, que estaria ligado ao tema de “uma política de querer que o brasileiro adote”, ou seja, de só encaminhar para a adoção internacional quando esgotada a possibilidade da adoção nacional; e, ainda, a prática de nomeação de Curador para a propositura de ação de destituição de pátrio poder, e a nomeação sempre do mesmo advogado para esse cargo, que além de defender na Vara interesses de casais estrangeiros e de agências internacionais ligadas à adoção, ainda fora seu advogado em processo criminal (fls. 776/777).

O autor, posto à vontade para decidir se concedia ou não a entrevista cientificado acerca dos assuntos, aceitou responder as questões relativas a esses assuntos.

Na edição do programa se aproveitou a parte da entrevista que tinha ligação com a matéria editada.

E na parte que interessa a este processo o programa expôs que o autor: 1) não adotava uma política (rectius: programa de ação) de querer que o brasileiro adote, não consultando o Cadastro Central do Poder Judiciário, onde haveria mais de mil e trezentas famílias cadastradas no Estado de São Paulo; 2) tinha pressa na destituição do pátrio poder, para tanto nomeando-se um Curador para as crianças abandonadas para propor a ação competente; 3) fazia adoções internacionais rápidas, sendo a única, das unidades jurisdicionais de São Paulo, com maioria para o exterior; 4) nomeava curador sempre na pessoa de um mesmo advogado, que além de ter sido advogado do juiz em um processo criminal, atuava naquela Vara ora como procurador de casais interessados em adoção, ora de entidades estrangeiras ligadas, à adoção (fls. 831/835),

Na entrevista, o autor se preocupou em explicar que não era obrigado a consultar esse cadastro, enfatizando seus critérios, que eram rigorosos, na aprovação das pessoas interessadas em serem incluídas no cadastro da Vara.

Juridicamente, a resposta pode até estar correta. Todavia, para a linha do programa, tal resposta não satisfazia, se havendo muitos casais brasileiros cadastrados em outras unidades jurisdicionais do Estado tenha o autor optado por deferir a adoção de muitas crianças para o exterior.

O fato incontestável, por dados oficiais, era que no ano de 1996 mais da metade das adoções realizadas pelo autor foram internacionais. Esse o ponto da entrevista, porque o que era para ser extraordinário (art. 31, do Estatuto da Criança e do Adolescente), passou a ser ordinário. Não que tivesse o programa um preconceito pela adoção internacional, mas por defender uma linha de princípio de que primeiramente se deva esgotar a possibilidade de colocar a criança em família substituta brasileira.

E sobre esse ponto, não houve uma explicação objetiva, senão a retórica do racismo mais acentuado dos brasileiros em relação aos estrangeiros, Só que o autor não ofereceu ao repórter dados concretos sobre as características de cada criança naquele ano adotada por casais estrangeiros (v.g. cor, sexo, idade, deficiência física ou mental, outros problemas de saúde etc…) para um juízo de valor acerca de uma possível dificuldade em encontrar uma família brasileira.


O fato apurado era para ilustrar a matéria, da existência de uma certa acomodação em não se esgotar as possibilidades na colocação de uma criança em lar brasileiro antes de colocá-la em família do exterior, mormente em existindo um Cadastro Central, que embora de consulta não obrigatória, muito poderia auxiliar nesse trabalho.

Além disso, a nomeação de Curador nos procedimentos verificatórios era claramente para agilizar a destituição do pátrio poder, já que o órgão do Ministério Público entendia não ser, ainda, caso de propor a ação. A intenção podia até estar apoiada nos melhores propósitos para resolver logo a situação da criança, porque enquanto demora essa solução na procura dos pais, a criança cresce e ninguém depois vai querer adotar, como explicou na entrevista (fls. 792).

Todavia, o programa questionava o cuidado na destituição do pátrio poder, expondo dois casos tristes de destituição mal aplicada, um deles irreversível pela adoção internacional, e outro patrocinado por advogado nomeado pelo Juízo como Curador da criança, cujo processo foi anulado por irregularidade dessa representação.

Ocorre que esse advogado, que atuou em tal processo que teve curso em outro Juízo, foi nomeado pelo autor como Curador de várias crianças porque, ao contrário do que entendia o órgão do Ministério Público, o procedimento verificatório já teria elementos suficientes para o ingresso com a ação de destituição de pátrio poder.

Parece, de fato, uma demasia pretender que esse ato constituísse um pré-julgamento da causa, ou que gerasse a suspeição do autor. Um ato juridicamente aceitável de se dar Curador a quem não tem uma representação legal e tem direitos a serem protegidos. Mas, quem expôs juridicamente a questão de modo contrário foi o promotor de Justiça que atuava na mesma Vara, igualmente entrevistado.

A questão não estava no campo jurídico, mas no da moralidade. Muitas adoções internacionais, pressa na destituição de pátrio poder, e nomeação como Curador de advogado que igualmente defendia, na mesma Vara, outros interesses, de casais estrangeiros e de entidades ligadas à adoção internacional, sem contar que fora, anteriormente, advogado do próprio autor em um único processo criminal.

Por esses motivos que a nomeação do referido advogado como Curador, embora não ferisse a lei, esbarrasse no campo moral, como até mesmo reconheceu o eminente Corregedor Geral da Justiça ao apreciar representação dirigida contra o autor (fls. 356).

Conclui-se, assim, que a edição do programa, no aproveitamento da entrevista no que interessava à matéria dele objeto, não desviou do rumo ético. Se foram aproveitadas, no que interessava, passagens da entrevista em que o autor mostrou alguma intranqüilidade ou reticência diante da insistência das perguntas do repórter, somente de si há de reclamar se passou a imagem de um juiz acuado. Tal fato não distorceu o sentido das palavras do autor. Não se denota, enfim, que a edição do programa tivesse por escopo passar a imagem do autor como pessoa envolvida com “esquema” para facilitar a adoção de crianças por estrangeiros. Não dá para inferir isso, mas sim a maneira como, em um segmento do judiciário, põe-se a solução do problema de criança abandonada por mãe pobre, que sem recursos e apoio para criá-la renuncia ao direito sobre ela.

Por isso mesmo, a r. sentença hostilizada não merece qualquer reparo, mas, ao contrário, integral confirmação.

Destarte, nega-se provimento ao recurso.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARCO CÉSAR (Presidente sem voto), EVALDO VERÍSSIMO e ALBERTO TEDESCO (vencido).

São Paulo, 19 de março de 2002.

RUITER OLIVA

Relator

Veja a íntegra do voto vencido.

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