Problemas cruciais

Descrença em solução rápida na Justiça desestimula ações

Autor

  • Hugo Melo Filho

    é juiz do Trabalho mestre em Ciência Política membro do Conselho Nacional do Ministério Público e presidente da Comissão de Planejamento Estratégico e Acompanhamento Legislativo do órgão.

27 de junho de 2002, 13h36

Encontra-se na pauta do plenário da Câmara o Projeto de Lei nº 3384/00, de iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho. Trata-se de projeto da mais relevante importância para a Justiça do Trabalho e para a sociedade brasileira, porque propõe a criação de 269 novas Varas do Trabalho, em todos os Estados da Federação.

O tema do acesso à Justiça se impõe hoje como problema crucial para a democracia participativa. No Brasil, o quadro de desigualdade erigiu obstáculos para se chegar às estruturas que distribuem justiça. Tanto nas áreas rurais como nas urbanas, os mais pobres enfrentam virtual limitação de acesso aos tribunais. A descrença em uma solução célere para o litígio desestimula a provocação da jurisdição e configura evidente demanda reprimida, um problema penetrante, especialmente na parcela dos cidadãos de baixa renda.

Essa percepção é um reflexo, antes de ser uma causa, de tão precária que tem sido a prestação jurisdicional, que se deve, entre outros fatores igualmente relevantes, ao acúmulo de feitos nas unidades jurisdicionais. Existem no Brasil, atualmente, 1.109 Varas do Trabalho. Esse número é o mesmo há dez anos.

Em 1992 foram recebidos, em todo o país, 1.799.992 processos; uma média de 1.623 processos por vara. Em 2000 foram distribuídos 2.272.760; uma média de 2.050 -sendo que a lei limita esse número a 1.500. Pode-se ter melhor idéia da gravidade da situação quando se constata que há 152.888 brasileiros para cada Vara do Trabalho. A situação é drástica e ninguém discorda disso.

Se ninguém discute a necessidade de criação das Varas do Trabalho, qual o problema, afinal? O problema está em que projeto redentor corre o risco de não ser aprovado, porque setores da área econômica do governo a ele se opõem. Alguns técnicos do governo federal têm avaliado que a criação das varas determinaria um impacto substancial no Orçamento da União. Porém desconsideram a questão basilar de que o investimento na prestação jurisdicional é papel indeclinável do Estado, que a facilitação do acesso ao Judiciário é questão central numa democracia etc.

Diversos argumentos trabalham contra a expectativa dos opositores. Primeiro, o de que o próprio projeto prevê a instalação paulatina das varas, conforme disponibilidade de recursos financeiros de cada Tribunal Regional. No mesmo sentido, dispõe acerca do provimento dos cargos que venham a ser criados. Além disso, e principalmente, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho fez um estudo indicando que, de reverso, a implantação das novas unidades será fator determinante de ampliação de arrecadação.

Conforme dados oficiais do TST, no ano de 2001 foram arrecadados, em todo o Brasil, R$ 650.325.933,27 para a Previdência social, em processos trabalhistas. Disso decorre que, em média, cada uma das 1.109 varas arrecadou R$ 48.867,29 por mês. No mesmo período, o valor arrecadado a título de custas judiciais foi de R$ 75.234.767,63, portanto cerca de R$ 5.653,30 a cada mês, por vara. Somadas as parcelas previdenciárias e as custas processuais, cada Vara do Trabalho arrecada, mensalmente, cerca de R$ 55 mil.

Aos valores poderiam ser acrescidas as importâncias recolhidas a título de Imposto de Renda, em execuções trabalhistas. Em face da inexistência de dados precisos quanto à arrecadação fiscal, indicaremos, em reforço ao nosso entendimento, que, somente no ano de 2001, o total dos valores pagos aos trabalhadores em processos trabalhistas foi da ordem de R$ 5,8 bilhões (Relatório Geral da Justiça do Trabalho).

Considerando-se, numa perspectiva modesta, que a incidência tributária se dê em apenas 50% do valor referido, na alíquota mínima de 15%, teremos uma arrecadação de mais de R$ 435 milhões por ano. Ou seja, mais de R$ 30 mil a cada mês, por vara.

Significa dizer, portanto, que cada Vara do Trabalho, em média, não destina ao Tesouro Nacional menos de R$ 85 mil, recolhidos nos próprios autos do processo trabalhista, sem ônus para os órgãos responsáveis pela arrecadação. Quanto à despesa, estima o TST que a decorrente da criação de cada vara será de R$ 60.331,24. Confrontadas arrecadação e despesa mensais, têm-se, em favor daquela, pelo menos R$ 25 mil por mês, em cada vara. Superávit, portanto.

Apresentados os dados — e eles são inquestionáveis —, espera-se que os empecilhos à aprovação do projeto sejam removidos. Contamos com a criação das novas varas. Não porque pretendamos ser os campeões da arrecadação. Esta é uma questão secundária, decorrente de nossa atuação jurisdicional.

Embora tenhamos realizado, com dedicação indiscutível, a tarefa que nos foi cometida pelo legislador, de executar, de ofício, parcelas previdenciárias e fiscais, uma questão deve ficar clara: jamais nos afastaremos da convicção de que ao Judiciário, especialmente à Justiça do Trabalho, não cumpre garantir arrecadação. A intervenção da Justiça deve ser feita para salvaguardar os interesses maiores da sociedade. E este é o sentido da prestação jurisdicional trabalhista. Ao Judiciário cumpre distribuir justiça.

Artigo publicado no Jornal Folha de S. Paulo em 26/6/02.

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    é juiz do Trabalho, mestre em Ciência Política, membro do Conselho Nacional do Ministério Público e presidente da Comissão de Planejamento Estratégico e Acompanhamento Legislativo do órgão.

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