Indústria da pirataria

Redução da pirataria poderia gerar mais empregos no Brasil

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22 de junho de 2002, 12h42

A pirataria é o assunto do momento. De cds a remédios, passando por tênis, brinquedos, roupas, bebidas e programas de computador, já se falsifica de tudo. A novidade é que, seguindo a tendência mundial, mas em ritmo mais forte do que o ritmo dos demais países, o Brasil dispara a cada dia rumo ao topo do ranking da pirataria.

As estatísticas impressionam. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Software (ABES), mais da metade dos programas de computador hoje utilizados no Brasil são falsificados. Na indústria fonográfica, foram computados prejuízos da ordem de R$ 700 milhões somente em 2001, com a perda de receitas resultante da comercialização de cópias ilegais. Números dessa ordem se repetem nos diversos segmentos da economia atingidos pela pirataria.

Numa progressão assustadora, o chamado “mercado paralelo” vem engolindo o mercado formal, redundando na primazia da ilegalidade sobre a legalidade e produzindo uma inversão de valores nunca antes vista.

E quem são os compradores de produtos falsificados? Desde indivíduos, com baixo poder aquisitivo ou não, que optam por comprar em camelôs o cd ou o tênis desejado, até empresas de porte variado, que utilizam programas de computador não licenciados por seus legítimos titulares, confiando na impunidade e na falta de fiscalização.

Importante salientar que o Brasil é um dos maiores mercados consumidores de produtos piratas no mundo, embora não se destaque tanto na produção desses produtos. Os produtos piratas aqui consumidos geralmente provêm da China e de outros países, especialmente do leste asiático.

Para combater a pirataria, foi recentemente lançada uma campanha, promovida por vários segmentos da indústria prejudicados, tendo por slogan “Produto Pirata – A Vítima é Sempre Você”. O objetivo dessa campanha é o de conscientizar o público de que a aquisição de produtos falsificados, apesar da (aparente) vantagem do menor preço, traz inúmeros prejuízos aos indivíduos e à sociedade.

Entre outras coisas, a campanha chama atenção para o número de postos de trabalho que poderiam ser criados somente com a diminuição da escala de falsificação. Além da criação de novos empregos, a redução da pirataria geraria uma maior arrecadação de tributos pelo governo, já que as mercadorias falsificadas seguem o caminho da clandestinidade, desde a sua produção – muitas vezes são produzidas mediante o emprego de mão de obra sem nenhum respeito às leis trabalhistas, em fábricas e oficinas de “fundo de quintal”, sem registro ou licença, com material de baixíssima qualidade, e são comercializadas sem o recolhimento de tributos.

Além disso, o público consumidor é afetado de forma direta pela má qualidade dos produtos, que pode gerar danos até mesmo à saúde, no caso da fabricação e comercialização de remédios falsificados, produtos de beleza e brinquedos, produzidos com material tóxico ou perigoso, impróprio para as finalidades a que se destinam.

Outra forma de prejuízo direto sofrido pelo comprador de produtos falsificados diz respeito a falhas e defeitos a que eles estão mais comumente sujeitos. Nesses casos, quase sempre o consumidor não tem a quem recorrer para reclamações, pois os produtos falsificados não contam com nenhuma garantia, nem estão sob o controle dos órgãos fiscalizadores, bem como seus produtores e comerciantes não figuram no mercado de forma suficientemente clara para que sejam tomadas contra eles as medidas cabíveis.

Enfim, essas são as razões mais importantes para que a população compreenda que apesar da economia no preço, a aquisição e o uso de produtos pirateados acarreta prejuízos de proporção maior que os benefícios trazidos para a sociedade, como um todo, e para o próprio comprador.

No que concerne à repressão à pirataria, tanto as entidades nacionais quanto as internacionais reconhecem que, não obstante o Brasil haver promulgado leis recentemente, em consonância, em sua maior parte, com os padrões mais avançados, sobre propriedade industrial e direito autoral, essas leis ainda não são efetivas, especialmente porque o país ainda não dispõe de órgãos reguladores eficientes nem de uma polícia especializada, devidamente preparada para coibir infrações.

A Lei 9.279/96, conhecida como Lei de Propriedade Industrial, dispõe, em seu título V, quais são os crimes contra a propriedade industrial. Essa lei prevê pena de detenção ou multa para os envolvidos na falsificação de produtos em desrespeito a patentes de invenção ou modelos de utilidade, desenhos industriais, marcas e indicações geográficas. Ela objetiva punir fabricantes, intermediários vendedores, fornecedores de componentes, material e equipamento para fabricação, importadores, exportadores, receptores etc, com penas que variam de um mês a um ano, ressalvada a possibilidade de substituição por multa.

A Lei de Propriedade Industrial pune também aqueles que fabricam produtos que imitem expressões, marcas ou sinais de propaganda de terceiros, e assim induzam o consumidor em erro ou, ainda, que utilizem embalagens ou invólucros alheios para comercializar produto falsificado ou adulterado.

As penas cominadas podem ser acrescidas de até um terço, e as multas aumentadas em até 10 (dez) vezes, em caso de marcas de alto renome e levando-se em consideração as condições pessoais do agente e a magnitude da vantagem auferida pelo infrator.

Na repressão a esses crimes, as autoridades alfandegárias podem, de ofício ou a requerimento do interessado, determinar a apreensão da mercadoria identificada com marca falsificada, adulterada ou imitada, ou que apresentem falsa indicação de procedência.

Os crimes quanto à propriedade industrial, salvo no caso de falsificação ou imitação de símbolos oficiais nacionais, estrangeiros ou internacionais, somente são apurados mediante queixa do ofendido, podendo o interessado, além da busca e apreensão, requerer a destruição do produto falsificado.

Os direitos de propriedade intelectual sobre programas de computador, bem como a alienação desses direitos, são regulados pela Lei 9.609/98. Essa lei pune com detenção, de até quatro anos, ou multa, aqueles que reproduzem e adquirem, para fins de comércio, vendem, expõem à venda, introduzem no país, ocultam e armazenam programas de computador reproduzidos sem autorização do autor ou de quem o represente.

Também nesses casos os crimes são somente apurados mediante queixa, salvo no que se refere às suas conseqüências fiscais ou seus efeitos negativos sobre as relações de consumo ou, ainda, quando praticados em prejuízo de entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo poder público. Importante destacar que, além da ação penal, pode ser intentada ação civil, objetivando proibir o infrator de praticar violações, instituindo-se pena pecuniária em caso de descumprimento.

Por sua vez, os direitos autorais são regulados pela Lei 9.610/98, imputando sanções penais e civis para as infrações nela previstas, e ainda prevendo a busca e apreensão, a suspensão de divulgação e a indenização das perdas e danos em virtude da reprodução, divulgação ou qualquer utilização ilícita de obra intelectual.

A Lei de Direitos Autorais também prevê a solidariedade de todos os sujeitos envolvidos na infração, punindo quem vende, expõe a venda, oculta, adquire, distribui, mantém em depósito ou utiliza obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, respondendo todos como contrafatores, inclusive o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior, penalizando também o responsável pela transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares.

Em caso de condenação, a lei estatui que poderá ser determinada a destruição de todos os exemplares ilícitos, bem como as matrizes, moldes, negativos e demais elementos utilizados para praticar o ilícito, assim como a perda de máquinas, equipamentos e insumos destinados a tal fim ou, servindo eles unicamente para o fim ilícito, sua destruição.

Recentemente, a rapidez na colocação de novos produtos no mercado paralelo, muitas vezes antes mesmo da inserção no mercado do produto original, assim como a amplitude da rede de distribuição nacional e o volume de produtos piratas comercializados estão levando as autoridades e as empresas prejudicadas a reconhecer a profissionalização dos infratores, de tal forma que somente a ligação deles com o crime organizado poderia explicar o fenômeno.

Apesar da impunidade ser a regra, devemos reconhecer que temos leis em geral adequadas. Porém, nem as autoridades nem a sociedade se organizaram efetivamente para o combate à pirataria. Somente nos últimos tempos ações organizadas, sob a forma de uma verdadeira força-tarefa, no combate à falsificação, visando, mediante campanha informativa, alcançar também o público consumidor, para a inibição da aquisição desses produtos.

Em grande parte, essas iniciativas foram motivadas não só pelas perdas consideráveis que os vários segmentos da indústria sofrem com as falsificações, mas também pelas severas críticas dirigidas às autoridades brasileiras recentemente pelo governo norte-americano, em relatório apresentado contra o modelo brasileiro de barreiras às importações.

Como se vê, nesse campo, ainda temos muito a fazer. Deve-se notar, contudo, que a simples aplicação das leis já existentes, através da efetiva atuação das autoridades competentes, no exercício de fiscalização e punição, já reduziria, em muito, a pirataria.

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