O Can-Spam Act

O Can-Spam Act: A lei americana que proíbe spams

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20 de junho de 2002, 18h53

Recentemente tivemos dois fatos relacionados à questão do spam, em nosso país. O primeiro deles foi o acórdão da 2ª. Turma Recursal do Juizado de Campo Grande-MT, que confirmou sentença da Juíza Rosângela Lieko Kato, que negara indenização a um advogado que se insurgiu contra empresas que enviaram spams através de cadastros comercializados. A decisão desclassificou o spam como conduta ilegal e, portanto, inapta a gerar qualquer tipo de sanção, quer seja de índole civil ou penal (cf. matéria publicada no site Consultor Jurídico, de 03.01.02). O segundo diz respeito ao arquivamento, pelo Conselho Superior do Ministério Público do Paraná, da representação movida pelos advogados Amaro Moraes e Silva Neto e Omar Kaminski, que pugnaram por iniciativas judiciais contra empresas que reiteradamente vinham se utilizando dessa prática. Para o Ministério Público paranaense o envio de spams não revela interesse processual para fins de ajuizamento de ação civil pública (reportagem publicada no site Consultor Jurídico, em 26.05.02) Em ambos os casos, portanto, o resultado foi desfavorável para aqueles que lutam contra a prática do spam.

O spam, termo pelo qual se convencionou chamar a mensagem eletrônica (e-mail) que tem o propósito único de fazer publicidade ou promover um determinado produto ou serviço, com fins comerciais – definição na qual se inclui a simples propaganda do conteúdo de um website, por exemplo – é sem sombra de dúvidas uma das práticas que mais aborrecimentos causam aos usuários da Internet. Sem poder recusar o recebimento da mensagem indesejada, o destinatário é forçado a gastar tempo desnecessariamente, no seu recebimento e eliminação. Dependendo do volume das mensagens que são recebidas, o destinatário pode inclusive sofrer prejuízos de ordem econômica, como acontece, por exemplo, com provedores de acesso que têm seus sistemas informáticos afetados, muitas vezes diminuindo a qualidade dos serviços que prestam a seus usuários, forçando-os a investir em novos e potentes equipamentos capazes de gerenciar essa invasão de lixo eletrônico. O que torna ainda mais difícil de combater a prática do spam é que os remetentes em geral não fornecem um mecanismo de recusa de futuras mensagens, nem tampouco atendem a pedidos de pessoas que manifestam seu desejo de não receber publicidade comercial. Em boa parte dos casos, inclusive, os spammers utilizam-se de uma técnica que disfarça o endereço de origem do e-mail, de forma a evitar que o destinatário facilmente elimine a mensagem sem lê-la. Em outros, o disfarce ou medida enganosa pode ocorrer não só em relação à fonte, mas também ao próprio conteúdo da mensagem. Eles inserem informação enganosa no cabeçalho da mensagem (no campo do “assunto” ou “subject”), induzindo o destinatário à sua leitura. A prática do spam, assim, não só constitui um abuso como propriamente uma invasão da privacidade do usuário da rede que se utiliza do sistema de correio eletrônico. Constantemente tem sua caixa postal invadida por mensagens não desejadas.

Diante dessa realidade, advogados e grupos de pessoas que estão engajadas em campanhas contra o spam, aqui no Brasil, procuram de todas as formas enquadrá-lo como prática ilegal, valendo-se, para tanto, do arsenal de leis já existente. A tese mais defendida é que o spam caracteriza prática comercial abusiva, nos termos do art. 39, que proíbe o envio ou a entrega ao consumidor de qualquer produto ou serviço sem solicitação prévia. É evidente, no entanto, que essa regra não se aplica ao spam, que não se conforma em fornecimento de produto ou serviço, mas reflete somente uma mensagem publicitária indesejada.

A bem da verdade, como fenômeno inteiramente novo que é, a prática do spam necessita ser devidamente regulamentada, por meio de normas que disciplinem suas peculiaridades e adotem sanções para os diferentes modos de sua utilização. Foi mais ou menos a essa conclusão que chegaram os Procuradores integrantes do Conselho Superior do Ministério do Paraná, na decisão (1) (do dia 06.05.02) que determinou o arquivamento da representação movida pelos advogados Omar Kaminski e Amaro Moraes e Silva Neto (2). Apesar de decidir pelo arquivamento, o Conselho enxergou a questão do spam como um assunto de interesse público, tanto que determinou “a extração de cópias do procedimento, objetivando a realização de estudos, bem como remessa aos parlamentares federais do Paraná e à Confederação Nacional do Ministério Público (CONAMP), para fins de extração de propostas de regulamentação da espécie pelas vias legislativa e administrativa (ANATEL), respectivamente”.


O envio de panfletos com propagandas e mensagens publicitárias não solicitadas para as casas das pessoas já era prática conhecida e há muito vinha sendo utilizada – o chamado marketing direto. Mas agora, o baixo custo das comunicações eletrônicas, que permite a qualquer um que tenha uma conta de acesso à Internet enviar mensagens em número ilimitado, dimensionou o problema; sem contar que nos ambientes eletrônicos os remetentes muitas vezes se valem de técnicas de “anonimização”, o que lhes permite encobrir a verdadeira identidade.

Essas circunstâncias revelam a necessidade de uma nova legislação, talhada para tratar convenientemente todos os aspectos que rodeiam a questão do spam. Não se pode olvidar que uma mensagem mesmo quando não solicitada pode ser um meio legítimo, através do qual eficazmente se promova uma mercadoria e se atraia consumidores. Não se pode tratar da mesma forma uma mensagem não solicitada que contenha informações corretas de outra com conteúdo enganoso. Nesse sentido, é indispensável, como se disse, uma legislação apropriada para a matéria, até porque a questão do e-mail não solicitado tornou-se assunto de interesse público, a exigir uma definição dos meios de sua utilização legítima, bem como dos casos em que se considera ilegal e das respectivas sanções.

Nesse particular, seria bem interessante que os nossos legisladores buscassem apoio na legislação alienígena, para visualizar as iniciativas de repressão ao spam. Como se trata de uma questão universal, que atinge qualquer usuário da rede onde quer que esteja situado, é importante estudar as medidas legislativas já adotadas em outros países. Uma delas que se destaca pela sua abrangência e detalhamento é o “CAN-SPAM” Act, abreviatura utilizada para “Controlling the Assault of Non-Solicited Pornography and Marketing”, projeto de lei apresentado recentemente no Congresso norte-americano pelos senadores Conrad Burns e Ron Wyden, o primeiro republicano do Estado de Massachussets e, o segundo, democrata do Oregon. O projeto foi apresentado no dia 27 de março de 2001 e estava na pauta para ser votado pelo Comitê do Comércio do Senado no dia 17 de maio do corrente ano (3). O projeto impõe uma série de exigências para o envio de e-mail com propósitos comerciais e cria várias penalidades para o descumprimento dessas exigências, que vão desde multa até mesmo pena prisional.

O projeto traz algumas definições para permitir sua melhor interpretação e aplicação, dentre elas a que delineia exatamente o que, para os termos legais, pode ser considerado spam. “Unsolicited commercial eletronic mail message”, para usar a terminologia adotada, significa qualquer mensagem comercial enviada ao destinatário sem seu prévio consentimento, que pode ser afirmativo ou implícito. O consentimento afirmativo, no que diz respeito a uma mensagem de e-mail, ocorre no caso da preexistência de uma solicitação para o envio ou autorização dada pelo destinatário ao remetente (Section 3, 1, A). Já o consentimento implícito é aquele que provém da circunstância de o destinatário manter com o remetente algum tipo de transação comercial (que pode ser simplesmente o fornecimento de informações, mesmo de forma gratuita), no período de cinco anos após o recebimento da primeira mensagem.

O projeto criminaliza o envio de mensagem comercial não solicitada contendo informação falsa, fraudulenta ou de qualquer forma enganosa. Qualquer pessoa que iniciar a transmissão de um e-mail (não solicitado) sabendo que contém informação materialmente ou intencionalmente falsa ou enganosa deve ser multada ou sofrer pena prisional não superior a 01 ano, é o que prediz a Section 4 do CAN-SPAM Act. O projeto usa o termo de “header information”, ou seja, a falsidade ou o caráter enganoso que caracteriza o crime ocorre quando ela disfarça a fonte, o destino ou retransmissões, que são as informações que vêm no começo de qualquer mensagem eletrônica, incluindo o nome de domínio ou endereço eletrônico do remetente originário.

Além de tornar crime essa ação, o projeto ainda fornece outros tipos de proteção contra o e-mail comercial. Por exemplo, coloca como infração civil o envio de uma mensagem que contenha ou esteja acompanhada de “header information” materialmente ou intencionalmente falsa ou enganosa, ou não obtida legitimamente. Também enquadra-se na categoria de infração civil o ato de enviar um e-mail comercial com o campo do “subject” (ou “assunto”, nos softwares gerenciadores de e-mail em português) contendo título enganoso em relação ao real conteúdo da mensagem (Section 5).

O projeto requer que todos os e-mails comerciais incluam um endereço eletrônico que permita ao destinatário indicar seu desejo de não receber futuras mensagens. Isso significa que adotou o sistema do “opt out”, ou seja, o envio de mensagem eletrônica comercial não será considerado spam se o remetente fornece meios ao destinatário de evitar o recebimento de futuras mensagens. É um sistema diferente e menos rígido do que o “opt in”, que requer que o destinatário envie uma resposta manifestando seu interesse em continuar a receber mensagens da fonte originária. Enquanto não obtiver essa resposta, o remetente fica impedido de reenviar novas mensagens. No sistema do “opt out”, o remetente pode enviar as mensagens umas atrás das outras, até receber uma resposta negativa do destinatário. Pelo projeto de lei norte-americano, inclusive, não tem que cessar imediatamente o envio das mensagens, pois o reenvio delas só se torna ilegal se ultrapassar 10 dias do recebimento da objeção do destinatário (Section, a, 4).


Além de um endereço eletrônico para respostas (sistema “opt-out”), o projeto prevê a obrigatoriedade de o remetente incluir na mensagem uma identificação de que se trata de uma publicidade comercial, além do seu endereço postal físico (Section, a, 5).

Esses são, em linhas gerais, os principais pontos do CAN-SPAM Act, que oferece uma resposta positiva para o problema do spam – uma das maiores irritações com que se defrontam os usuários da Internet -, embora talvez não se possa considerar a solução completa e ideal. O projeto cria medidas razoáveis, mas que não esgotam por completo o problema.

A exigência de informações verdadeiras no cabeçalho da mensagem parece não impedir, por exemplo, que o remetente se valha de um pseudônimo ou endereço eletrônico anônimo. O projeto não é claro em proibir essas possibilidades (4). Além disso, o requisito da identificação da mensagem (como publicidade comercial), uma forma de rotulação mandatória, soa fortemente ineficaz. O projeto não especifica a forma ou localização de tal identificação, que pode ser escondida no corpo da mensagem, tornando-se difícil de ser captada por filtros de spam. Ainda pode ser apontado como falha o conceito restrito que é dado ao e-mail não solicitado, proibindo apenas aqueles que tenham, por propósito imediato, relações comerciais. O ideal seria abranger qualquer e-mail não solicitado, inclusive aqueles que são enviados por organizações de caridade, esportivas, literárias ou qualquer outro tipo de associação. Um último ponto que também merece crítica refere-se à adoção do sistema “opt-out” como opção para o destinatário livrar-se de futuras mensagens. O mais conveniente para o usuário da rede é o do “opt-in”, pois não tem que desperdiçar tempo preenchendo uma mensagem como resposta à do remetente original. O tempo que medeia entre a resposta negativa do destinatário e seu efetivo cancelamento do banco de dados do remetente pode ser suficiente, dependendo do volume de informações que são transmitidas, para o recebimento indesejado de inúmeras outras mensagens. A tendência, na Europa, é da opção pelo sistema do “opt-in”. Recentemente, o Parlamento Europeu aceitou a proposição de uma diretiva que estabelece regras para a proteção de dados pessoais e privacidade no setor das comunicações eletrônicas. Nela é adotado o “opt-in” para os e-mails comerciais não solicitados, regra que se aplica também às short-messages e outras mensagens eletrônicas recebidas por terminais móveis e aparelhos celulares.

Notas de rodapé:

(1) Resolução 145/02, rel. Cons. Valmor Antônio Padilha, pelo arquivamento dos Autos de Procedimento Investigatório Preliminar nº 48/01, instaurados na Promotoria de Defesa do Consumidor da Comarca de entrância final de Curitiba.

(2) No seu voto, o relator destacou que “só é aplicável o Código de Defesa do Consumidor aos “spams” de cunho publicitário quando os fatos indicarem publicidade enganosa ou abusiva, ou mesmo, não atenderem ao princípio inserto no seu art. 36, ou seja, o da identidade da publicidade”.

(3) Foi apresentado na 1ª. Sessão da 107ª. legislatura do Congresso norte-americano, tendo recebido o número S.630.

(4) Essa é uma das críticas, aliás, que está sendo feita ao projeto pelo CDT – Center for Democracy and Technology.

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