Multas abusivas

Multa aplicada pelo BC a empresas importadoras é inconstitucional

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20 de junho de 2002, 11h24

O Banco Central vem aplicando pesadas multas a empresas importadoras que deixaram de pagar importações realizadas de 1997 para cá. Há notícias de multas que chegam a cinco milhões de reais. As intimações que os importadores receberam baseiam-se na lei 9817 de 23/8/99, originária da Medida Provisória 1569/97, que afirma sujeitar-se o importador a uma “multa diária, sob a modalidade de encargo financeiro”, caso não pague a importação dentro de seis meses após o prazo previsto na Declaração de Importação.

A multa é flagrantemente inconstitucional, pois contraria a proibição do efeito confiscatório (CF art.150, IV) e fere o direito de propriedade, na medida em que não obedece a qualquer limite quantitativo.

Tal efeito é evidente, pois os valores das multas ultrapassam o valor integral da importação cujo pagamento não se fez. A doutrina e a jurisprudência têm entendido que isso é vedado não só no caso da cobrança de tributo, como também no da aplicação de multa. O valor das multas deve ser proporcional ao valor objeto da obrigação com que se relaciona. Caso contrário, estará sendo confiscado o patrimônio do sujeito passivo. Veja-se, a respeito, a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIN 551-RJ.

A péssima redação da Lei confunde a própria natureza jurídica da multa, que é sanção por ato ilícito, com a do encargo financeiro, que representa o custo em que incorre aquele que utiliza capital alheio. Ao estabelecer uma “multa diária, sob a modalidade de encargo financeiro”, a legislação mistura os dois conceitos, fazendo incidir sobre fato estranho à competência do autuante penalidade que se pretende seja por ele arrecadada.

A fiscalização das importações não compete ao Banco Central, que apenas cuida de instituições financeiras (Lei 4.595/64, art. 10).

A suposta justificativa da multa também não autoriza a sua aplicação. Claro está que qualquer penalidade tem como objetivo punir a prática de um ato ilícito. Todavia, a lei não define, com a necessária clareza, qual a ilegalidade que se pretende punir.

Presume-se que possa ser a liquidação das importações através de mecanismos ilícitos, evitando-se fraudes cambiais ou remessa ilegal de divisas para fora do País. Mas fraude não se presume e só pode ser considerado ilegal o que a lei claramente assim o estabeleça. Por outro lado, as diversas exceções que o artigo 2º da Lei admite, de certa forma privilegiando importações de petróleo e seus derivados, operações de valores inferiores a dez mil dólares e as que se refiram a determinados produtos alimentícios, ferem o princípio constitucional da isonomia.

Finalmente, ao permitir no artigo 3º que o Banco Central fixe normas para sua execução, a Lei atribui poder legislativo ao Banco Central, que não possui nem pode possuir qualquer poder para criar, alterar ou regulamentar obrigação ou direito.

Não se pode, num país que se pretenda um Estado Democrático de Direito, atribuir tal competência a uma instituição cujas atribuições estão limitadas na Lei. O poder de aplicar e arrecadar multa que chega a ultrapassar o valor da operação que se supõe irregular, embora a lei não indique qual é a irregularidade, multa que sendo “diária” não se sabe se é multa ou se é “encargo financeiro”, nenhuma lei atribui ao Banco Central que, na verdade, não pode fiscalizar empresas não financeiras.

Tais multas são absurdas e abusivas e deverão ser repelidas pela Justiça, caso o Banco Central, examinando a defesa administrativa do importador, venha a insistir na cobrança.

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