Ponta da língua

Advogados de criminosos ensinam lições para driblar a Justiça

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20 de junho de 2002, 18h47

Nos pavilhões da Casa de Detenção, um ditado é conhecido pelos presos: “Para dizer a verdade, nada mais que a verdade, ninguém precisa de advogado”. Um criminalista da cidade tem outra versão para o que se ouve no presídio. “Digo ao meu cliente: ‘Para mim, fale a verdade. Na Justiça, me pague que eu minto para você”.

Com clientes que integram o crime organizado – ele atende traficantes, ladrões de banco e de carga, comerciantes de armas ilegais e contrabandistas -, o advogado só concordou em falar com o Jornal da Tarde sob a condição de que sua identidade fosse preservada. Revelou, então, como se vale das falhas da lei, da corrupção, das provas forjadas e testemunhas falsas para garantir a liberdade para criminosos.

Homem que em seu dia-a-dia de trabalho vive ao lado de bandidos, ele tem seu preço para descobrir as falhas da polícia e da Justiça e encontrar o caminho mais curto para driblar a lei. “Não saio do escritório para uma delegacia por menos de US$ 1 mil”. Depois, o preço vai subindo, dependendo do grau de dificuldade – e do valor das propinas – que o caso oferece.

Assíduo freqüentador das salas de audiência dos fóruns e dos corredores das repartições policiais, há muito tempo aprendeu outra lição no labirinto das leis. “O Direito é uma ciência elástica, dá margem a várias interpretações”.

Uma das falhas mais exploradas por esse advogado é a do excessivo formalismo da Justiça, em que a falta de uma xerox autenticada pode paralisar um processo, e – segundo ele – da ausência de checagem de provas por parte de juízes e promotores. “Isso não existe em nenhum livro jurídico. São as manhas que o advogado só vai aprender no dia-a-dia. Mas a mentira, se não for revestida de bom senso, não resolve”.

A corrupção é a outra arma usada por esse personagem para mudar palavras comprometedoras em um inquérito e tornar inútil uma acusação. “É preciso criar falhas no inquérito. Há delegados negligentes que, muitas vezes, não acompanham os depoimentos aos escrivães. Às vezes, chego em uma delegacia e pergunto: ‘Como vai ser o inquérito? E o policial corrupto me responde: ‘Como o senhor quer que seja, doutor?'”, conta.

Segundo o advogado, existem inquéritos mal feitos “às vezes por incompetência e, outras vezes, por conveniência da polícia”. “E o promotor que pega o caso está tão cheio de trabalho que nem tem tempo de analisar com calma uma acusação”.

Antes de forjar as histórias contadas na Justiça ou na polícia, é preciso “sentir o ambiente”, observa o advogado. “Se eu não tiver tato e não souber dar um cunho de legalidade à história montada, o cliente fica preso. Preciso colocar ficção na realidade”, argumenta.

Manhas para driblar a Justiça

Outra tática bastante usada é a de protelar prazos na Justiça. “O Direito é uma ciência profundamente formal. Para que o processo ande, é preciso seguir uma seqüência de atos. Se uma etapa for ignorada, tudo é anulado”. Por isso, o artifício mais usado para que presos não compareçam às audiências marcadas pela Justiça é a de promover boatos de fuga ou tumultos nas carceragens e penitenciárias. “A confusão impede que eles compareçam nos fóruns e, com isso, os prazos são prorrogados”.

Outro advogado conta que, certa madrugada, chegou a retirar uma peça da viatura que, no dia seguinte, levaria o réu ao Fórum. Conclusão: o carro da polícia “quebrou” no meio do caminho e a audiência teve de ser adiada.

A inocência forjada de um criminoso é o caminho mais rápido para a falta de punição. Há pouco tempo, ele conseguiu absolver cinco ladrões do crime de formação de quadrilha. “Eles tentavam roubar um caminhão, em uma estrada, e começaram a atirar nos pneus. Mas o motorista conseguiu se livrar, avisou a polícia e todos foram presos”.

Com os clientes na cadeia, o advogado reuniu os assessores e montou a estratégia de defesa. Um assistente foi até a rodovia onde aconteceu o crime para “analisar o cenário” da tentativa de roubo. De lá, ligou para o escritório. “Doutor, aqui só tem um posto de gasolina inaugurado há poucos dias”.

O advogado, então, planejou a tática que chegou ao tribunal. No domingo seguinte, dia de pouco movimento naquela estrada, sua equipe foi até o posto de gasolina e, lá, pendurou faixas que anunciavam um baile e o show de um cantor sertanejo que nunca existiram. “O pessoal fotografou as faixas, depois retirou todas e foi embora”.

Na Justiça, as fotos foram o principal instrumento de defesa. “Para caracterizar formação de quadrilha, as pessoas envolvidas necessariamente devem se conhecer e ter cometido atos ilícitos juntas. Esse foi meu argumento para o juiz. Eu mostrei as fotos e disse: ‘Excelência, meus clientes se conheceram nesse baile. O que houve é que se divertiram, beberam demais e depois, por brincadeira, deram alguns tiros no pneu do caminhão”. Conclusão de tanto empenho para driblar a Justiça: os ladrões foram condenados pelos tiros contra o veículo, mas absolvidos da outra acusação. “Ficaram menos de um ano presos e já estão soltos”.

Esse advogado não tem grandes dramas de consciência ao recorrer a expedientes ilegais para absolver culpados. “Minha profissão é essa. Sou contratado para defender a pessoa. Quem tem a obrigação e o dever de provar a culpa é a polícia e o promotor. Se esses profissionais não fazem bem o trabalho deles, não tenho nada com isso”.

Fonte: Jornal da Tarde – Marinês Campos

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