Vínculo empregatício

Juiz manda HSBC pagar direitos trabalhistas de bancária

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17 de junho de 2002, 18h41

O juiz da 10ª Vara do Trabalho de Curitiba, Carlos Martins Kaminski, mandou o HSBC pagar horas extras e todos os outros direitos trabalhistas para Thaiza Marys de Lima Evangelista. O juiz reconheceu a ilegalidade da sua contratação por intermédio de cooperativa e lhe assegurou os direitos reivindicados como empregada bancária.

Thaiza afirmou que foi admitida no dia 13 de março de 2000 e demitida, sem justa causa, no dia 5 de outubro do mesmo ano. Alega que foi admitida para exercer funções típicas de bancário. Entretanto, sua carteira de trabalho somente foi assinada em 1º de setembro de 2000.

O HSBC utilizou-se de terceirização ilegal para contratar a bancária, de acordo com a sentença. O juiz reconheceu o direito de a reclamante ter a CTPS registrada pelo banco, com todas as garantias dos bancários. Ele declarou nula a locação havida com as empresas que intermediaram o contrato de trabalho com o banco.

Veja a íntegra da sentença:

10ª Vara da Justiça do Trabalho de Curitiba

Termo de Audiência

Autos nº RT – 28499/00

Aos 24 (vinte e quatro) dia do mês de maio do ano dois mil e dois, às 17h05, na sala de audiências desta Vara, por ordem do MM. Juiz do Trabalho, Dr. CARLOS MARTINS KAMINSKI, apregoados os litigantes:

Thaiza Marys De Lima Evangelista, autora e

Cooperstaff Cooperativa de Trabalhadores de Automação, Operação, Administração e Gestão de Processos, Gennari & Peartree Projetos d Sistemas S/C Ltda. e Hsbc Bank Brasil S/A – Banco Múltiplo, réus.

Ausentes as partes.

Prejudicada a proposta final conciliatória.

Submetido o processo a julgamento, proferiu esta Vara a seguinte:

SENTENÇA:

THAIZA MARYS DE LIMA EVANGELISTA, qualificada à fls. 2, ajuizou a presente ação trabalhista em face de COOPERSTAFF COOPERATIVA DE TRABALHADORES DE AUTOMAÇÃO, OPERAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE PROCESSOS, GENNARI & PEARTREE PROJETOS E SISTEMAS S/C LTDA. E HSBC BANK BRASIL S/A – BANCO MÚLTIPLO, pelos motivos declinados às fls. 2/10: admitida pela primeira ré e registrada apenas no período de 1-9-2000 a 5-10-2000 pela segunda, prestou serviços para o terceiro réu de 13-3-2000 a 5-10-2000, exercendo atividades de Operadora Financeira, tendo por função angariar contratos de financiamentos de veículos, cumprindo jornada de 9h00 às 18h00, de segunda a sexta-feira, elastecendo até 19h00 em três vezes por semana e 9h00 às 13h00 aos sábados, além de ter trabalhado nos dias 27 e 28-5-2000 de 9h00 às 19h00, em conseqüência do que pleiteou os títulos e verbas elencados na inicial, alíneas “A” a “J”.

Fez os requerimentos e protestos de estilo, atribuindo à causa o valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais).

Em contestação, a primeira ré impugnou os pedidos, apresentando, para tanto, os argumentos de fls. 387/412, argüindo preliminar de carência de ação ante a relação cooperativa existente entre as partes, refutando os pleitos e requerendo, ao final, o decreto de total improcedência dos pedidos formulados pela parte autora, na inicial.

A segunda ré contesta às fls. 506/531, argüindo preliminar de carência de ação, com relação ao período de 13-3-2000 a 31-8-2000, porque a autora era cooperada da primeira ré, impugnando os pedidos e requerendo o decreto de total improcedência.

O terceiro réu apresenta resposta às fls. 553/584, argüindo inexistência de vínculo empregatício, contestando os pedidos e requerendo o decreto de total improcedência da ação.

Juntaram-se documentos.

Réplica da parte autora às fls. 600/602.

Depoimentos pessoais e de testemunhas às fls. 622/626.

Sem outras provas, encerrada a instrução processual.

Razões finais remissivas.

Inconciliados.

É o relatório.

DECIDE-SE:

Preliminares

I – Carência de ação – inexistência de vínculo empregatício com as duas primeiras rés

Aduzem as duas primeiras rés ser a autora carecedora do direito de ação, para o período de 13-3-2000 a 31-8-2000, tendo em vista que no período em questão a autora era cooperada e não empregada, não se configurando os requisitos para o reconhecimento de relação de emprego.

A matéria em questão, no entanto, refere-se ao próprio “meritum causae”, pois o que pretende a autora é demonstrar que houve prestação de trabalho para o terceiro réu e que este trabalho enquadra-se nas disposições da CLT, o que somente é possível concluir-se adentrando-se o mérito, razão porque deve ser afastada a preliminar.

Rejeita-se.

II – Retificação da autuação – denominação do terceiro réu

Verifica-se, pelo documento de fls. 596, que a nova denominação social do terceiro réu é HSBC BANK BRASIL – BANCO MÚLTIPLO, devendo-se proceder à retificação da autuação, fazendo constar esta nova denominação social.


Mérito

1. Contrato de trabalho – vínculo empregatício com o terceiro réu – período sem registro – retificação da CTPS – ilegalidade da intermediação de mão-de-obra por Cooperativa de trabalho – responsabilidade solidária ou subsidiária do segundo réu – condição de bancário – direitos inerentes à categoria dos bancários – diferenças salariais decorrentes do salário assegurado aos demais empregados exercentes das mesmas funções – vales refeição e auxílio-alimentação – participação nos lucros e resultados

Aduz a autora ter sido admitida pela primeira ré em 13-3-2000 e a partir de 1-9-2000 registrada pela segunda ré, sendo dispensada em 5-10-2000, tendo prestado serviços exclusivamente para o terceiro réu, executando atividades permanentes deste, tendo por função a contratação de financiamentos de veículos junto à empresa CCV. Acrescenta que a outros empregados exercentes da mesma atividade, o terceiro réu pagava salário de R$ 1.300,00, conforme assegurado à paradigma GABRIELA DA SILVA REIS. Postula, por conseqüência, o reconhecimento de vínculo empregatício diretamente com o terceiro réu e a retificação da CTPS, ou a responsabilidade solidária ou subsidiária dos três réus e que lhe seja reconhecida a condição de bancário, com o pagamento das vantagens a estes previstas e diferenças salariais observando-se a remuneração paga aos demais empregados exercentes da mesma função.

A primeira ré contesta aduzindo que a autora não era empregada, mas associada, cooperada, colocando os seus serviços profissionais à disposição da sociedade cooperativa de trabalho, cuja finalidade é “promover a aproximação da atividade profissional dos seus sócios ao usuário final do trabalho, sem as intermediações que só servem para produzir lucro indevido e deteriorar a qualidade do trabalho”. Acrescenta que a autora não foi contratada, mas ingressou voluntariamente na cooperativa, não havendo subordinação entre os cooperados ou entre estes e o tomador, sendo a sua remuneração de R$ 450,00, mais comissões de R$ 300,00 mensais.

Em contestação a segunda ré alega que a autora é carecedora do direito de ação com relação ao período de 13-3-2000 a 31-8-2000, tendo em vista que era cooperada da primeira ré e não empregada dos dois últimos réus, não havendo, no período, vínculo de emprego entre as partes. Acrescenta que no período posterior a autora era sua empregada e não do terceiro réu, sendo por ela contratada e a ela prestou serviços.

O terceiro réu, por seu turno, afirma que a autora prestava serviços à segunda ré – empresa de consultoria empresarial – na condição de autônoma não havendo exclusividade na prestação de trabalho para o terceiro réu, cujos serviços eram secundários, não se relacionando à sua atividade-fim, pois, como confessa a autora, era “angariadora” de contratos de financiamento, permanecendo nas concessionárias ou revendas de veículos aguardando clientes que pretendessem contratar financiamentos junto ao terceiro réu.

Observa o terceiro réu que formalizou contrato de prestação de serviços com a segunda ré, em que esta se obrigava a colocar pessoal necessário para a execução das atividades, não havendo fraude na contratação dos serviços, já que não há vedação legal para a intermediação de mão-de-obra especializada junto a empresas prestadoras de serviços.

Quanto ao reconhecimento da condição de bancário e responsabilidade solidária ou subsidiária do terceiro réu, pelos direitos decorrentes do contrato de trabalho havido em proveito deste, verifica-se, inicialmente, que não é porque a autora não era classificada como escriturária, por exemplo ou, ainda, porque não trabalhava especificamente em uma agência bancária, que não se poderá reconhecer a condição de bancário, da mesma forma que uma pessoa que preste serviços domésticos em uma residência não será secretária e não terá os direitos previstos para esta categoria, apenas porque o seu patrão, para não lhe ferir o brio, a registre como secretária.

Também não é porque a primeira ré apresenta documentos formalizando uma relação associativa, de cooperativa, com a autora, que esta relação será aceita como regular.

Assim, independentemente dos aspectos formais adotados pelas partes, para o Direito do Trabalho importa mais a realidade do que a forma, que se traduz pelo princípio da primazia da realidade.

Verifica-se que os réus valem-se de diversos julgados sem qualquer relação com o caso em tela, transcrevendo decisões que se referem a verdadeiras relações de cooperativas e não à forma fraudulenta adotada no caso em tela.

A primeira ré pretende demonstrar, através dos documentos de fls. 450/459, que a admissão da autora se deu na condição de associado, cooperado, sendo que esta, segundo a ré, teria ciência de que apesar de prestar serviços por identificação da primeira ré, não se estabeleceria nenhum tipo de relação trabalhista tradicional.


Embora os documentos juntados pela primeira ré demonstrem a existência formal da cooperativa a que se teria filiado a autora, durante o período em que alega ter prestado serviços para o terceiro, sem registro em CTPS, não se pode admitir a legalidade da contratação da forma como procedida.

Por outro lado, há diversas irregularidades na forma de “associação” da autora, já que, embora prestando serviços em Curitiba, a COOPERSTAFF somente demonstrou estar organizada no Estado de São Paulo, com sede na cidade de São Paulo.

No caso, além de a primeira ré não ter organização na cidade de Curitiba, onde a autora prestava serviços, verifica-se que esta somente foi “associada” durante o período de prestação de serviços ao terceiro réu, não havendo qualquer demonstração de que a autora haja participado de qualquer assembléia ou tenha sido beneficiada com qualquer distribuição de resultados.

Entende o Juízo que as cooperativas não podem ser uma forma de isenção de as empresas procederem à correta contratação dos empregados que necessitem. Sendo o terceiro réu um estabelecimento bancário, indispensável, no seu quadro de pessoal, a manutenção de escriturários ou trabalhadores com outra denominação de cargo que tenham por atividade o preenchimento de cadastros para a concessão de financiamentos.

Seria admissível a contratação de trabalhos através de cooperativa apenas se os serviços não se destinassem ao atendimento da finalidade social do terceiro réu, pois, não é possível que uma empresa realize a sua finalidade social sem trabalhadores que, naturalmente devem ser por ela contratados, salvo havendo expressa disposição legal em contrário.

No caso do parágrafo único do artigo 442 da CLT, certamente o objetivo do legislador não foi autorizar a proliferação de cooperativas em qualquer ramo de atividade, se a contratação dos cooperados se der por empresas que tenham a mesma finalidade social da cooperativa. Não servirá, portanto, para acobertar a contratação de médicos, empregados de um hospital, como cooperados, nem pedreiros, serventes e carpinteiros de uma construtora ou digitadores de uma prestadora de serviços de digitação como cooperados, ou, no caso do terceiro réu, a contratação de bancários através de uma cooperativa, já que a empresa não poderia realizar a sua finalidade social sem trabalhadores e estes, sempre, devem ser contratados diretamente e não através de formas transversas.

Seria admissível a contratação de cooperativa de médicos por empresas de outros ramos empresariais, que contratassem tais serviços para atendimento dos seus empregados, ou a contratação dos trabalhos de cooperados de uma cooperativa de construção civil por uma empresa industrial ou comercial de finalidade social diversa, para a reforma ou construção de alguma área destinada à sua sede, pois não estariam contratando, de forma transversa, trabalhadores necessários à sua finalidade social.

Com efeito, para a produção de riquezas é necessária a conjugação de três fatores: capital, recursos naturais e trabalho. Não poderá um empresário gerar lucros se possuir apenas capital e recursos naturais, sendo indispensável o trabalho para transformar estes componentes em novas riquezas e, segundo a legislação brasileira, empregado é a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empresa.

A autora prestava serviços de natureza essencial à finalidade social do terceiro réu, com exclusividade, habitualidade e sob dependência e subordinação deste, ainda que supostamente houvesse um “Coordenador” da segunda ré para repassar os cadastros preenchidos pela autora para o Setor de Auto Finance do HSBC (o que não restou provado pelos réus), impondo-se o reconhecimento de vínculo empregatício entre a autora e o terceiro réu, no período da suposta contratação da cooperativa de trabalhadores e também, como se verá adiante, no período em que registrada pela segunda ré, já que a contratação pelas duas primeiras rés em nada melhorou as condições de trabalho ou de remuneração da autora, mas, ao contrário, reduziu e suprimiu direitos, como FGTS, férias, 13º salários e pagamento de horas extras, dentre outros que estariam previstos em CCT’s.

Procuram as empresas referendar a validade da contratação de trabalhadores através de cooperativas com base na experiência vivida pelo Município de Porto Alegre, em que a administração Municipal contratou a prestação de serviços de limpeza urbana através de cooperativa de trabalhadores, situação que vem se mostrando controvertida no TRT – 4ª Região, mas, ainda que se admita a validade daquela contratação, isto se dá porque a finalidade da Prefeitura não é apenas a limpeza urbana, tendo uma gama de atividades sociais e, talvez, os trabalhadores cooperados, naquela situação, consigam auferir melhor remuneração do que se fossem contratados por empresa prestadora de tais serviços, que seria contratada pelo Município, ou, na pior das hipóteses, ganha a sociedade porto-alegrense, com a redução do custo desses serviços, já que não se paga a taxa de administração que seria cobrada por eventual empresa contratada.


O certo é que não se pode admitir a prestação de serviços por trabalhadores, para o atendimento da finalidade social de uma empresa, sem que sejam diretamente por ela contratados.

Observe-se, a respeito, as seguintes ementas:

“COOPERATIVAS DE TRABALHO. VÍNCULO DE EMPREGO. A recente inclusão do parágrafo único no artigo 442 da CLT não autoriza inobservância à regra de sobre-direito emanada do art. 9o da mesma Carta Celetista, sempre que se verificar fraude às garantias trabalhistas e sociais asseguradas nos ordenamentos legal e constitucional vigentes. Conquanto induvidosamente as cooperativas de trabalho constituam mais uma opção para o enfrentamento da grave crise que assola o mercado de trabalho, não há permitir que essa novel modalidade de trabalho seja utilizada como mecanismo de exploração de mão-de-obra”. (TRT-RS-RO 96.005379-4 – Ac. 1a T. – Rel. Juiz MILTON VARELLA DUTRA – in GENESIS REVISTA DE DIREITO DO TRABALHO, Vol. 66, pág. 907).

“COOPERATIVAS DE TRABALHO. ALICIADORAS DE MÃO-DE-OBRA. “Não se aplica a norma legal de um instituto a qualquer situação fática que não configura verdadeiramente aquele instituto, senão por falso rótulo que encubra a realidade de um outro” )VALENTIN CARRION). Caracterizada a prestação de serviços pelo Obreiro em exclusivo proveito da empresa tomadora, ao longo de toda a contratualidade e, ainda, demonstrado o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho, resta afastada a aplicação do parágrafo único, do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, tornando aplicável o inciso I, da Súmula 331 do Colendo Superior Tribunal do Trabalho, de maneira que o vínculo empregatício se formou entre Reclamante e a empresa tomadora de serviços e como tal foi mantido ao longo do interregno laborado. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TRT-RO-MT no 2133/2000 – Ac. TP no 3159/2000 – Rel.: Juiz LÁZARO ANTONIO, in GENESIS REVISTA DE DIREITO DO TRABALHO, no 102, junho/2001, págs. 931/932). No mesmo sentido é o escólio de VALENTIN CARRION:

“A cooperativa de trabalho ou de serviços é a que nasce espontaneamente da vontade de seus próprios membros, todos autônomos, que assim continuam e que, distribuindo-se as tarefas advindas ao grupo com igualdade de oportunidades, repartem-se os ganhos proporcionalmente aos esforços de cada um. Pode haver coordenação ou até direção de algum deles, mas não existe patrão nem alguém que se assemelhe. Tal como se examina a figura do ‘pequeno empreiteiro’, que é operário ou artífice (CLT, art 652, a, III), os clientes são variados; a fixação de um operário em um desses clientes, pela continuidade ao longo do tempo, ou pela estreita subordinação e a perda da diversidade de clientela descaracteriza o pequeno empreiteiro, como descaracteriza a cooperativa de trabalho (COOPERATIVAS DE TRABALHO – AUTENTICIDADE E FRAUDE, in Revista LTr, 63-02, pág. 168).

E, também, de MÁRCIO TÚLIO VIANA:

“Assim, quando a lei exclui da CLT os cooperados, refere-se apenas àqueles que são realmente cooperados, mantendo entre si relação societária. Em outras palavras: pessoas que não se vinculam ao tomador de serviços nem à própria cooperativa, pelos laços da pessoalidade, da subordinação, da não-eventualidade e do salário”.

“Assim, ao usar a expressão: ‘Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa’, a lei não está afirmando: ‘Qualquer que seja o modo pelo qual o trabalho é executado’. O que a lei quer dizer é exatamente o que está nela escrito, ou seja, que não importa o ramo da cooperativa. Mas é preciso que se trata realmente de cooperativa, não só no plano formal, mas especialmente no mundo real. Ou seja: que o contrato se execute na linha horizontal, como acontece em toda sociedade, e não na linha vertical, como no contrato de trabalho. Em outras palavras, é preciso que haja obra em comum (co-operari) e não trabalho sob a dependência do outro (sub-ordinare)” (in O que há de Novo em Direito do Trabalho, LTr, São Paulo, 1997, pág. 81).

No caso dos autos, a ilegalidade da contratação se mostra mais evidente pelo fato de haver a intermediação da segunda ré, empresa cujo objeto social é totalmente diverso daquele para o qual foi contratado pelo terceiro réu, ou melhor, aparentemente os prepostos sequer sabiam quais eram as atividades da autora junto ao terceiro réu, concluindo-se que, ou este desviou a autora para atividades distintas daquelas contratadas junto às duas primeiras rés ou a contratação havida é absolutamente irregular, fato este incontestável pela própria colocação da autora para desenvolver atividades finalísticas do terceiro réu.

Observe-se que o objeto social da segunda ré, descrito na cláusula III, à fls. 539, relaciona-se com “gerenciamento e avaliação de projetos, gestão, geração e avaliação de processos administrativos, financeiros, industriais e outros, consultoria, seleção e integração de tecnologias; cursos curriculares e extracurriculares em todos os níveis, inclusive pré escolar, fundamental, médio, superior, pós graduação; desenvolvimento de pesquisa científica; atuação em “call center” e em serviços similares de centrais de atendimento; digitação, preparação de documentos, operação de CPD, operação e gestão de redes, desenvolvimento de sistemas, análise, programação de computadores, fábrica de sistemas e de programas; serviços de suporte administrativo, tecnológico, gerenciamento de chamadas e intermediação de negócios”.


Talvez se pudesse correlacionar as atividades prestadas pela autora como de intermediação de negócios, mas, no caso, não se estaria diante de verdadeira intermediação de negócios e sim de formalização de negócios para o terceiro réu, em atividade finalística deste.

Por outro lado, a aceitação da terceirização no Direito do Trabalho é mais ideológica e política do que jurídica, já que são poucas as leis estabelecendo a legalidade da contratação de serviços especializados, como é o caso dos serviços de vigilância. No mais, são construções jurisprudenciais admitindo ou não que uma pessoa contratada por determinada empresa, para prestar serviços a uma terceira empresa, seja considerada empregada desta ou daquela, dependendo de se tratar de atividade-meio, ou seja, aquela não ligada diretamente à finalidade social da tomadora ou atividade-fim – aquela ligada diretamente aos fins da tomadora.

Certamente um vigilante não será bancário apenas porque preste os seus serviços para um banco, pois, a sua atividade é necessária ou não, para qualquer ramo empresarial, dependendo do interesse do tomador em resguardar o seu patrimônio. Da mesma forma, os serviços de limpeza são necessários a uma empresa, mas não fundamentais para a sua atividade-fim, já que não será pelo simples fato de as suas instalações estarem sujas que a empresa deixará de produzir aquele produto a que se propôs.

Todavia, a se admitir a terceirização irrestrita, chegaremos a um tempo em que nenhum empregado pertencerá à empresa para a qual preste serviços, sendo todos contratados por intermediárias.

Se a lei não veda a terceirização, da mesma forma não a admite e o artigo 2o, da CLT é claro ao expressar que será empregador “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. Certamente o legislador, em 1943, partiu do princípio que a direção dos serviços e o pagamento dos salários se dariam diretamente pela empresa beneficiária dos serviços.

Tome-se o caso do terceiro réu. Tratando-se de um banco, a sua finalidade social é o recebimento e pagamento de contas, depósitos de cheques e valores de clientes e operações financeiras, como empréstimos, seguros, aplicações financeiras. A se admitir que o serviço de formalização de um contrato de financiamento não seja considerado atividade-fim dos bancos, logo não haverá bancários, já que, atualmente, os bancos disponibilizam linha de crédito para determinados clientes, independentemente de formalização de contrato específico.

Parece que o preenchimento de cadastro, verificação e conferência dos documentos do pretendente de crédito não podem ser desvinculadas da atividade bancária, já que se tratam de atividades essenciais a dar segurança para a concessão do crédito.

As atividades da autora estavam relacionadas com a conferência dos documentos e elaboração de cadastro para a concessão de financiamento de veículos ou arrendamento mercantil.

Dessarte, para o Juízo, as atividades executadas pela autora são consideradas atividade-fim de um estabelecimento bancário e não atividade-meio, pois, ligadas diretamente à finalidade social dos bancos, que envolve todas as atividades financeiras, especialmente aplicação e empréstimos.

Assim, ainda que este Juízo admita a terceirização de serviços, entende que estes não podem estar ligados à atividade-fim do tomador e devem ser prestados por empresa especializada, concluindo-se, por conseguinte, que ainda que as atividades desenvolvidas pela autora não o fossem nas dependências do terceiro réu, eram exclusivas de trabalhadores em estabelecimentos bancários e eram destinadas a um banco.

Irrelevante que os réus não façam parte de um mesmo grupo econômico, pois, como dito, importa a realidade dos fatos e não a forma da prestação dos serviços ou a classificação das duas primeiras rés ou que estas dera, à autora.

Não se tratando de atividade-meio do terceiro réu, aquela realizada pela autora, entende o Juízo que o contrato de trabalho formalizado com as duas primeiras rés são nulos, impondo-se reconhecer o vínculo diretamente com o tomador, o HSBC BANK, sendo que a responsabilidade pelos direitos decorrentes do contrato de trabalho em questão é solidária entre os réus, já que os três participaram da fraude objetivando a prestação de trabalho da autora pelas duas primeiras rés.

Este é o entendimento sumulado nesta Justiça Especial, conforme se observa do Enunciado 331, do C. TST:

“EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS. I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (L. 6.019, de 3.1.74). … III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (L. 7.102, de 20.6.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta”.


Reconhecendo-se que a autora exercia atividades típicas de trabalhadores bancários, ainda que as duas primeiras rés não sejam entidades financeiras, e declarando-se a nulidade dos contratos com elas formalizados, a autora tem os direitos conferidos aos bancários, ou seja, piso salarial mínimo, conforme previsto em CCT’s, jornada de 6h00, vale-refeição e cesta alimentação, direitos previstos nas CCT’s dos bancários.

Todavia, aparentemente objetivando aumentar os lucros ou reduzir (ainda mais!) os custos para o terceiro réu, a segunda ré suprimiu ou reduziu ainda mais os direitos (em flagrante contradição com os argumentos expostos na contestação), subcontratando a autora através da primeira ré, na forma de cooperativa, sem qualquer direito assegurado. Ou seja, a segunda ré nada mais fazia do que auferir determinada importância pela intermediação na contratação da autora.

Pergunta-se: seria possível ao terceiro réu formalizar o mesmo número de financiamentos de automóveis sem que mantivesse um empregado em cada concessionária de veículos? Se a resposta fosse positiva, poder-se-ia admitir que tais atividades seriam “meio” e não “fim”. Todavia, se o terceiro réu não estivesse representado na CCV através da autora, certamente seriam poucos os clientes – apenas alguns daqueles que fossem seus correntistas – que formalizariam financiamento de veículos junto ao terceiro réu.

Declara-se a nulidade do contrato de trabalho formalizado entre a autora e as duas primeiras rés, reconhecendo-se vínculo de emprego diretamente com o terceiro réu e a responsabilidade solidária dos três réus por direitos devidos à autora, decorrentes do contrato de trabalho em análise e se reconhece que a autora exercia atividades típicas de bancário, tendo os direitos previstos a esta categoria de trabalhadores, nas CCT’s juntadas aos autos, especialmente aqueles reclamados nesta ação, como piso salarial, jornada de 6h00, vale-refeição e ajuda cesta-alimentação, segundo critérios e valores previstos nas CCT’s juntadas aos autos.

Condena-se o terceiro réu a proceder à anotação do contrato de trabalho na CTPS da autora, sob pena de fazê-lo a Secretaria da Vara, com admissão em 13-3-2000, dispensa em 5-10-2000, na função de escriturário, observando o piso salarial de admissão e reajustes posteriores e os três réus a pagar ao autor: diferenças salariais entre os valores pagos a título de salário fixo (R$ 450,00) e os valores estabelecidos na CCT, de R$ 468,60 e, após 90 dias da admissão, de R$ 515,68, vale-refeição e auxílio cesta-alimentação, nos valores estabelecidos nas CCT’s juntadas aos autos, abatendo-se o que pago a mesmo título.

Deve o terceiro réu demonstrar nos autos os recolhimentos dos valores devidos à Previdência Social, referentes às parcelas salariais pagas e devidas durante o vínculo, inclusive a parte que caberia à autora, podendo abater os valores por ela recolhidos, conforme GPS’s de fls. 14/19.

Observe-se que a parcela paga a título de comissões por contratos formalizados (o valor que supere a R$ 450,00) não pode ser considerado como integrante do salário base da autora.

Quanto à Participação nos Lucros e Resultados, verifica-se que a autora somente juntou a CCT 99/2000, que trata da distribuição de lucros para os empregados admitidos até 31-12-98, em efetivo exercício em 31-12-99, sendo que a autora somente foi admitida em 13-3-2000. Portanto, não havendo demonstração do direito à PLR, indefere-se o pedido.

Também não demonstrou a autora que outros empregados do réu que exerciam as mesmas atividades, de angariação de contratos de financiamento de veículos, como é o caso de GABRIELA DA SILVA REIS, citada na petição inicial, percebessem salário de R$ 1.300,00; sequer demonstrou a autora que a Sra. Gabriela fosse empregada do terceiro réu, presumindo-se que todos os demais trabalhadores que executavam as mesmas atividades da autora, especialmente aqueles contratados através da segunda ré, percebessem os mesmos salários.

Ademais, segundo se infere da petição inicial, a Sra. GABRIELA DA SILVA REIS somente teria passado a perceber remuneração de R$ 1.300,00 após ser contratada diretamente pelo terceiro réu, o que, possivelmente, se deu após o término do contrato de prestação de serviços formalizado com a segunda ré, isto é, posteriormente à dispensa da autora, importando que não estaria caracterizada a simultaneidade da prestação de serviços exigida pelo 461, da CLT.

Dessarte, a remuneração da autora será composta de salário fixo correspondente ao cargo de escriturário mais comissões, na média de R$ 300,00 mensais.

Defere-se o pagamento de férias com 1/3 e 13o salário do período trabalhado (13-3-2000 a 5-10-2000), na proporção de 7/12, observando-se a remuneração devida, abatendo-se o que pago a mesmo título.

2. Retificação da CTPS – anotação do período de aviso prévio indenizado

Pretende a autora que se determine a anotação, pelo terceiro réu, como data de saída aquela resultante do acréscimo do tempo referente ao aviso prévio indenizado, ou seja, embora o contrato de trabalho tenha sido extinto em 5-10-2000, entende que deve ser registrada a saída como sendo 4-11-2000.

Quanto à pretensão da autora, em ver registrada na sua CTPS, como data de saída, aquela que considere o período de aviso prévio indenizado como tempo de serviço, não procede, pois, embora a jurisprudência e mesmo a lei estabeleçam que o período de aviso prévio indenizado integra o tempo de serviço para todos os efeitos, não pode integrá-lo para fins de contagem de tempo de serviço para a aposentadoria, principal finalidade das anotações da CTPS, pois sobre o aviso prévio indenizado não incide contribuição para o INSS.

Continue a ler a decisão.

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