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Juiz manda Telepar reintegrar funcionário e pagar danos morais

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14 de junho de 2002, 18h33

O juiz da 1ª Vara do Trabalho de Curitiba, Leonardo Vieira Wandelli, mandou a Telepar reintegrar um funcionário da empresa e pagar indenização de R$ 50 mil por danos morais. O trabalhador considerou que sua demissão foi abusiva e, por isso, entrou na Justiça.

Segundo o advogado trabalhista Luiz Salvador, comentarista do site Consultor Jurídico, “vários funcionários da Telepar foram massivamente despedidos, após anos de serviços prestados e substituídos por novos empregados”.

O advogado afirma que a substituição foi feita para “reduzir custos operacionais exigidos pelo processo de privatização da empresa, contrariando o postulado constitucional da prevalência do social em detrimento do mero interesse particular do lucro”.

Veja a decisão

AUTOR: Waldemiro José Maslowsky

RÉ: Brasil Telecom S.A.

DATA: 07.06.02

HORÁRIO: 16h47min

JUIZ DO TRABALHO: LEONARDO VIEIRA WANDELLI

Apregoadas as partes para a audiência de leitura e publicação da presente, ausentes, profere o Juízo a seguinte

S E N T E N Ç A

Vistos, etc.

I- RELATÓRIO

Waldemiro José Maslowsky propõe ação trabalhista em face de Telecomunicações do Paraná S.A. – TELEPAR, postulando a reintegração ao emprego e indenizações decorrentes da despedida e consectários, dando à causa o valor de R$ 500,00. Reunida a esta a demanda sob nº 26.735/99, originalmente distribuída à 9a Vara e remetida a esta, dada a conexão, na qual o autor postula igualmente a reintegração, além da nulidade da chamada venda do carimbo e verbas daí decorrentes. Junta documentos às duas demandas.

A ré oferece contestações escritas nas audiências designadas em cada demanda, alegando a litispendência, invocando a litispendência, a quitação extintiva, prescrição e propugnando pela total improcedência dos pedidos da exordial, individualmente contestados. Apresenta reconvenções na quais postula matéria típica de defesa. Junta documentos, além dos relativos à representação.

Realizada prova pericial, com laudo às fls. 409/420 e esclarecimentos às fls. 433/434, 446 e 460/461. Colhido o depoimento do autor. As razões finais são aduzidas por memoriais. Julgamento designado para esta data.

É o relatório. Decide-se.

II- FUNDAMENTOS

A- Litispendência

Inexiste litispendência entre a ação individual e a ação civil pública, por força do disposto no art. 104 da Lei 8.078/90, aplicável tanto às ações civis públicas de defesa de interesses coletivos e difusos, quanto às ações coletivas de defesa de interesses individuais homogêneos no âmbito do processo do trabalho, por força do art. 21 da Lei 7.347/90. A nova disciplina processual afasta a incidência do regramento pertinente do Código Buzaid, tanto pelo critério de especialidade quanto às ações coletivas, quanto pelo critério temporal.

Observa-se que não há qualquer primazia da incidência do CPC sobre o CDC, não sendo este fonte subsidiária daquele, mas ambos fontes subsidiárias do processo do trabalho, devendo os conflitos entre essas fontes ser resolvidos à luz do art. 2º da LICC.

Não obstante, mesmo pela ótica já ultrapassada do CPC, não há que se falar de litispendência, pois o fundamento da ação civil pública reproduzida nos autos é diverso dos vários fundamentos para reintegração apresentados nas duas iniciais, embora tenha alguns pontos de concomitância.

Já quanto à litispendência existente quando da propositura da RT 26735/99, em face da anterior RT 25121/99, o que se verifica é a existência de conexão entre as demandas. O pedido de reintegração ao emprego, formulado em ambas, funda-se, em cada uma delas, em fundamentos diversos. Há simultaneidade de fundamento apenas no que se refere à cláusula 25 do ACT 94/95. No mais, há mera conexão entre as demandas. Todavia, determinada a reunião de ambas, cuida-se de uma única postulação, com redundância de fundamentos, ficando afastada a possibilidade de duplo pronunciamento sobre ação idêntica (mesmas partes, pedido e causa de pedir).

Afasta-se, portanto, a litispendência aduzida pela ré.

B- Quitação extintiva

O direito de postular a reintegração e decorrentes do chamado “carimbo” foi expressamente ressalvado quando da homologação sindical, com a concordância da ré (fls. 244, verso), carecendo de adequação à hipótese dos autos a alegação defensória.

A despeito disso, a homologação sindical não tem o condão de suprimir o direito de ação, constitucionalmente assegurado inclusive contra o legislador (art. 5º, XXXV, da CFR), afastando o exercício da jurisdição na aplicação da lei, nem tampouco de alterar fatos e tornar pago o que não o foi. Trata-se de requisitos do estado democrático de direito, patamar civilizatório do qual não se pode retroagir. Ademais, sequer a redação pouco feliz do enunciado 330 do c. TST, a despeito das sucessivas alterações, tem a amplitude desejada pela ré.


C- Prescrição

Não há prescrição a ser declarada.

A pretensão à nulidade da chamada “venda do carimbo” não guarda qualquer relação com a não repetição da complementação de aposentadoria em acordos coletivos, eis que o “carimbo” se refere precisamente à garantia, dada pela ré, de que o direito individual à complementação de aposentadoria seria respeitado no âmbito do contrato individual de trabalho de determinados empregados, que não seriam atingidos pela ausência de previsão coletiva do direito. O que se discute, aqui, é apenas a validade da “venda” desse direito individual, havida em maio de 1998, não atingida, portanto, pela prescrição quinquenal.

O pleito de reintegração se refere somente ao ato rescisório, ocorrido menos de dois anos antes da propositura da demanda.

D- Reintegração

Tem-se por nula a despedida do autor, por dois fundamentos: o caráter abusivo da despedida em função do estado de saúde do autor e, não obstante, o descumprimento das normas regulamentares aplicáveis ao autor. Aprecia-se um a um esses fundamentos:

D.1- Doença do trabalho

Conforme o laudo pericial, o autor é portador de glaucoma, astigmatismo, hipermetropia e presbiopia. O uso de microcomputador e terminal de vídeo, segundo a resposta ao quesito 6 do autor (fl. 416), não é fator de risco para a patologia ocular do autor. Ou seja, o trabalho não é a origem de tais patologias. Esclarece, ainda, que:

“As radiações não ionizantes têm níveis de emissão pelos terminais de vídeo bem abaixo dos limites de segurança estabelecidos. As radiações ultra violeta, integrantes desta categoria, chegaram já a produzir temores de que causassem cataratas nos usuários já que entre as causas de catarata entre idade, diabetes, história familiar, as radiações ultra-violeta também em seu papel. Para isso, porém, o nível desta radiação deveria ser centenas de vezes maior do que o produzido por um terminal.

Entendemos que pelos conhecimentos atuais não podemos afirmar que o uso do terminal de vídeo causou o problema do autor.

Todavia, a despeito de afastado o nexo entre a origem das patologias e o trabalho, remanesce a questão do seu agravamento em função da permanência trabalho com terminal de vídeo mesmo após diagnosticadas as lesões e determinada, pelo setor médico da ré, a necessidade de afastamento, em caráter definitivo, de trabalhos que envolvam o uso de terminal de vídeo (fls. 84 e 85).

A teor do art. 21, I, da Lei 8.213/91, também considera-se acidente de trabalho aquele que, “embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação”. Conforme o parágrafo 2o do mesmo art. 21, não se considera agravamento a lesão de origem diversa do trabalho, que se superponha ou se associe a anterior acidente de trabalho. Exemplificando, um pequeno corte no dedo, sofrido no trabalho, não causando redução temporária da atividade laborativa não é acidente de trabalho (art. 20, c).

Se, ao pescar, o empregado infecciona o corte, causando complicações que impõe o afastamento do trabalho, não há acidente de trabalho. Por outro lado, quando a lesão, embora de origem diversa, é agravada pelo trabalho, resta caracterizado o nexo com o trabalho. Por exemplo, se um portador de uma deficiência ortopética causada em jogo de futebol, permanece trabalhando em esforço mecânico excessivo e contra indicado para tal lesão, que acaba sendo agravada, resultando em incapacidade laborativa, resta caracterizado o acidente de trabalho.

A jurisprudência da infortunística é pacífica em considerar acidente de trabalho o agravamento, pelas condições de trabalho, de patologia não oriunda do trabalho:

INSS – ACIDENTE DE TRABALHO – DOENÇA PROFISSIONAL – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – CONCESSÃO DO BENEFÍCIO – ISENÇÃO DE CUSTAS – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA 110, DO STJ – SÚMULA 178, DO STJ – FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA – RECURSO PROVIDO – DIREITOS PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – ACIDENTE DE TRABALHO – LOMBALGIA – DOENÇA DEGENERATIVA – POSSIBILIDADE DE AGRAVAMENTO PELAS CONDIÇÕES DO TRABALHO DESENVOLVIDO – RECONHECIMENTO DO LIAME ETIOLÓGICO – ISENÇÃO DE CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – IMPOSSIBILIDADE – VERBA HONORÁRIA – FIXAÇÃO – Inserem-se na abrangência reparatória infortunística as nosologias que, embora de ordem degenerativa, possam ter sofrido a atuação coadjuvante, quando menos para a possibilidade de seu agravamento, da atividade laborativa desenvolvida, em razão das posturas deficitárias em que é realizado o trabalho. Nessa hipótese, é admissível o reconhecimento do liame etiológico, com qualquer dúvida a respeito existente resolvendo-se em benefício do obreiro, com a incidência, então, do princípio do “in dubio pro misero”. Súmulas 178 e 110 do STJ.


O INSS não possui o privilégio da isenção quanto ao pagamento das custas e honorários como reiteradamente decidido pelos Tribunais. Faz-se incontroverso, inclusive nos Tribunais Superiores, que os estipêndios advocatícios, em litígios infortunísticos, devem ser estabelecidos percentualmente, considerado, como base de incidência, apenas o montante das prestações vencidas. Provimento do recurso. (TJRJ – AC 16482/1999 – (04092000) – 15ª C.Cív. – Rel. Des. José Pimentel Marques – J. 19.04.2000)

ACIDENTE DE TRABALHO – NECESSÁRIA CORRELAÇÃO ENTRE CAUSA E EFEITO – DOENÇA PRÉ-EXISTENTE – POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO POR AGRAVAMENTO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO, AMPARO EM PROVAS SUFICIENTES – O acidente de trabalho diz com conseqüência de infortúnio na prática laborativa – Necessária prova suficiente da relação causa e efeito – Possibilidade de agravamento de doença pré-existente, devendo porém ser produzida prova suficiente. Recurso improvido. (TJRS – AC 198019069 – RS – 10ª C.Cív. – Rel. Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana – J. 20.08.1998)

ACIDENTE DE TRABALHO – NEXO CAUSAL – CULPA – Comprovando o conjunto probatório que o trabalhador, já no início de sua admissão na empresa/re apresentava dificuldades auditivas e, mesmo assim, continuou a trabalhar, por longo período em ambiente ruidoso, sem protetor auditivo, impõe-se reconhecer que a atividade laboral contribuiu para o agravamento das lesões, agindo com culpa a empregadora. Apelação provida. (TJRS – AC 197196892 – RS – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Voltaire de Lima Moraes – J. 01.04.1998)

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ACIDENTE DO TRABALHO – EXPOSIÇÃO A AGROTÓXICOS – DOENÇA PRÉ-EXISTENTE – AGRAVAMENTO – Empregado portador de doença respiratória de natureza alérgica, não ocupacional, agravada em conseqüência de contato com agrotóxicos, sem a devida proteção, jus a indenização pelo agravamento. Apelo provido em parte. (TJRS – AC 197162290 – RS – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Ulderico Ceccato – J. 19.03.1998)

ACIDENTE DO TRABALHO – PERÍCIA JUDICIAL ATESTANDO QUE A ATIVIDADE LABORAL NÃO FOI A CAUSA PREPONDERANTE PARA A OCORRÊNCIA DOS MALES APRESENTADOS PELO OBREIRO, MAS QUE CONTRIBUÍRAM PARA O SEU AGRAVAMENTO – CONCAUSA – APOSENTADORIA POR INVALIDEZ ACIDENTÁRIA DEVIDA – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO – “Em sede de acidente do trabalho, a lei especial a ele equipara o evento que, ligado à atividade laborativa, embora não seja a causa única, haja contribuído diretamente para a morte, ou a perda ou a redução da capacidade laborativa” (Des. Nilton Macedo Machado). (TJSC – AC 97.007133-7 – SC – 1ª C.Cív. Rel. Des. Orli Rodrigues – J. 03.03.1998)

ACIDENTE DO TRABALHO – OSTEOARTROSE CERVICAL, DORSAL E LOMBAR – DOENÇA DEGENERATIVA – POSSIBILIDADE DE AGRAVAMENTO PELAS CONDIÇÕES DO TRABALHO DESENVOLVIDO – RECONHECIMENTO DO LIAME ETIOLÓGICO – MARCO INICIAL DO PAGAMENTO – AUXÍLIO – DOENÇA PREVIDENCIÁRIO – CONVERSÃO NO CONGÊNERE INFORTUNÍSTICO – EVENTO OCORRIDO AO ABRIGO DA LEI Nº 9.032/95 – ASPECTO PRÁTICO INEXISTENTE – RECURSO DO OBREIRO PARCIALMENTE PROVIDO – Mesmo nas nosologias degenerativas, cabível mostra-se a reparação de índole infortunística, acaso não excluída a possibilidade de o trabalho ter contribuído com sua parcela para determinar o resultado lesivo, posto que a lei, para a configuração acidentária, não exige que o trabalho seja a causa única e exclusiva do estado mórbido detectado. As leis de infortunística impõem-se interpretadas sociologicamente, dentro do caráter eminentemente protetivo que têm em face dos obreiros colocados sob a sua égide, resolvendo-se em favor dos segurados as dúvidas existentes, mormente as que pertinem à relação de causa e efeito entre trabalho e quadro mórbido ostentado.

Assim, suficiente é a simples possibilidade de que a moléstia incapacitante, ainda que de etiologia degenerativa, possa ter sido potencializada ou agravada pelo trabalho desempenhado, para que se estabeleça o nexo causal, com a concessão ao segurado do benefício acidentário compatível com o quadro positivado. Delineado o liame causal apenas pela prova pericial levada a efeito no curso da ação, negada qualquer relação entre o acidente típico que gerou anterior concessão ao obreiro do auxílio-doença, não é a partir da cessação deste que começa incidir o benefício do auxílio-acidente.

O marco inicial do benefício, nesse hipótese, inicia sua fluência na data da realização da perícia estabelecedora da respectiva relação de causa e efeito. Inexistem razões de ordem prática para converter-se em acidentário o benefício do auxílio-doença concedido na esfera previdenciária, em se tratando de acidente do trabalho ocorrido já sob a égide da Lei nº 9.032/95. É que, ao contrário dos diplomas infortunísticos precedentes, o diploma legal em referência igualou o auxílio-doença previdenciário e o seu congênere acidentário, passando-o a adotar para ambos um único percentual, o de 91% (noventa e um por cento). (TJSC – AC 98.006951-3 – SC – 1ª C.Cív. Rel. Des. Trindade dos Santos – J. 11.08.1998)


ACIDENTE DE TRABALHO – INDENIZAÇÃO – PSICOPATIA – HIPOACUSIA – MAL DA COLUNA – AGRAVAMENTO – As doenças da infância se agravadas com exercício da atividade laborativa são indenizáveis. (TACRJ – AC 1820/96 – (Reg. 2958-3) – 4ª C. – Rel. Juiz Rudi Loewenkron – J. 20.06.1996)

Na situação dos autos, o autor tinha como instrumento de trabalho microcomputador e respectivo terminal de vídeo. Sendo portador de hipermetropia, embora com pressão intra-ocular normal (fl. 412), apresentou, em 1996, quadro de glaucoma em ambos os olhos.

Conforme atestado à fl. 84, o que corroborado pelo medico do trabalho da ré (fl. 85), foi determinada a mudança de função do autor, para afastar-se definitivamente do uso de terminal de vídeo, iniciando-se o estudo de reabilitação profissional, para realocação funcional. Essa necessidade de afastamento é reiterada pelo atestado de fl. 87.

Todavia, como relata o laudo pericial, sem insurgência específica da parte ré, após ter ficado apenas dois meses de afastamento do uso de terminal de computador, “como houvesse a necessidade de desenvolver o projeto INTRANET o autor foi orientado a retornar ao trabalho sem avaliação do serviço de Saúde Ocupacional. Neste momento agravando uma patologia diagnosticada e para qual o especialista e o médico do trabalho haviam estipulado afastamento do trabalho com terminais de vídeo em caráter definitivo” (fl. 419).

Diante disso, conclui o laudo pericial que a patologia do autor não se originou no trabalho com o computador. Todavia, pode ter sido agravada a patologia pré-existente ou desenvolvida durante o pacto labora, em função da permanência no uso do terminal de vídeo. Na resposta ao quesito 7 da ré, confirma, ainda, que o uso de terminal de vídeo é fator de risco para o agravamento da doença ocular em questão. Atesta, ainda, que o autor não pode ser considerado apto para suas atividades laborativas habituais quando da despedida e que o exame demissional não levou em consideração a queixa oftalmológica do autor, não fazendo qualquer referência ao aparelho visual do autor.

À fl. 461, por insistência do autor, reitera, a Sra. Perita que “o uso de terminal de vídeo não causou a patologia do autor. Porém, o autor portador de patologias oculares tinha como contra indicado o uso dos microcomputadores conforme atestado pelo médico do trabalho da reclamada em folhas 85 destes autos. Entendo que a reclamada não obedeceu as orientações do seu médico do trabalho descumprindo a legislação vigente”. À fl. 467 a ré aduz concordar totalmente com o exposto pela perita. Logo após a despedida, conforme atestado à fl. 87, tinha o autor a pressão intraocular aumentada além de persistir com queixa de fotofobia, motivo pelo qual novamente solicitado por médico especialista o afastamento do uso de computador.

Ora, a situação dos autos evidencia que a ré agiu com culpa, no agravamento da situação do autor, que, quando da despedida, estava inapto para suas atividades laborativas habituais, descumprindo a determinação de seu próprio setor médico, ao determinar o retorno do autor à atividade com uso de terminal de vídeo, para a qual estava definitivamente contra indicado.

Embora o autor não tivesse entrado no gozo de benefício previdenciário, tem-se por ilegítima sua despedida em tais condições de saúde. Ao invés de ser o autor encaminhado para perícia médica do INSS, foi despedido arbitrariamente, quando incapacitado para suas atividades laborativas habituais.

Tem-se que o exercício do direito de despedida sem justa causa, em tais condições, caracteriza abuso do direito, considerada a situação concreta em todas as suas características, ainda que não configurados os requisitos do art. 118 da Lei 8.213/91, em face da ausência de afastamento do trabalho por período superior a 15 dias.

A abusividade, aqui, decorre de dois fundamentos. Primeiro, por caracterizada a despedida discriminatória, em violação ao princípio da igualdade insculpido no art. 5o da CF, em relação ao estado de saúde do autor. Segundo, por violar, também, a responsabilidade da empresa perante a consecução dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, preconizada pelo art. 1o, IV, da CF e perante o direito do empregado de proteção em face dos riscos inerentes ao trabalho (CF, art. 7o, XXI) e de respeito à sua dignidade, direitos fundamentais a cuja realização também está vinculada a empresa e não só o poder público.

É notório que o autor, despedido em 31.05.99, o foi juntamente com aproximadamente outros 680 empregados despedidos no mesmo dia, tendo em vista o que a ré denomina de “reestruturação”. Todavia, não havendo a ré em nenhum momento demonstrado que critérios utilizou para a escolha dos despedidos, a escolha do autor, dentre os despedidos, em tais condições de saúde, há de reputar-se discriminatória.


Nos tempos de hoje, já não há mais espaço para deixar de reconhecer que de nada serviriam direitos fundamentais se os entes privados, que cada vez mais detêm parcela do poder na sociedade em que vivemos, estivessem livres para desrespeitá-los através de suas ações ou omissões. Nas palavras de Jörg Neuner, citado por Ingo Wolfgang Sarlet, “resulta evidente que a dignidade da pessoa humana não se encontra sujeita apenas às agressões oriundas do Estado, mas também de particulares, já que, em verdade, pouco importa de quem provém a ‘bota no rosto do ofendido’.”

Essa vinculação direta dos particulares é mais evidente quando se trata dos direitos fundamentais previstos no art. 7o, da CF, cujo obrigado direto é, de regra, o próprio empregador. E em se tratando do contexto nacional, a afirmação de que devida uma tal vinculação ganha contornos de imperativo de bom senso. Precisa o observação de Sarlet, em que:

“Se mesmo em Estados desenvolvidos e que, de fato, assumem (em maior ou menor grau) as feições de um Estado democrático (e social) de Direito já se aceita – inobstante as ressalvas já referidas – que nas relações cunhadas pela desigualdade, o particular mais ‘poderoso’ encontra-se diretamente vinculado aos direitos fundamentais do outro particular (embora ambos sejam titulares de direitos fundamentais), mais ainda tal vinculação deve ser reconhecida na ordem jurídica nacional, onde, quando muito, podemos falar na previsão formal de um Estado Social de Direito, que, de fato, acabou sendo concretizado apenas para uma diminuta parcela da população.”

Vale dizer, então: ainda que não esteja a despedida diretamente vedada pelo art. 118 da Lei 8.213/91 – embora presente o nexo de causalidade entre a lesão e o trabalho -, a despedida, nesta situação concreta, implica em um exercício abusivo de uma faculdade que, prima facie, seria legalmente admitida.

Não cabe aqui reproduzir toda a doutrina dos atos abusivos e périplo histórico de sua constituição como figura autônoma e destacada do ato ilícito, consignando-se apenas que se já nos primórdios do século passado, nem mesmo ao “mais egoísta dos direitos”, o direito de propriedade, se reconhecia esfera de exercício ilimitada, após encerrada a centúria marcada pelas revoluções sociais, pelo dirigismo estatal que soterrou o dogma da autonomia da vontade, o aprimoramento do conhecimento jurídico não mais suporta advogar-se que qualquer direito possa ser exercido, ainda que respeitados seus limites formais, em deturpação dos fins a que foi instituído, em violação de princípios ou diretrizes advindos do sistema ou em lesão desproporcional a um outro direito ou valor juridicamente reconhecido, destacando-se a despedida violadora dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

A respeito da despedida abusiva, bem observam Dallegrave Neto e Vilela Vianna:

“É legítimo o ato do empregador que dispensa sem justa causa o empregado, desde que subjacente um interesse legítimo: econômico ou moral – art. 74 do Código Civil. Todavia, tornar-se-á abusivo, quando houver utilização dissimulada de um suposto direito subjetivo de resilição com o objetivo de ocultar um execrável ato de discriminação ou qualquer outra lesão a direito fundamental do empregado-cidadão.”

Também Ivo Dantas, ressaltando elementar regra hermenêutica pela qual “nenhum artigo, inciso, parágrafo ou alínea poderão ser entendidos de forma isolada”, observa, com precisão que “a despedida arbitrária, além dos ressarcimentos pecuniários previstos no art. 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, passa a ser informada pelos PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS do art. 1o, III e IV, bem como pelo art. 193, ambos da Constituição vigente”.

No âmbito dos doutrinadores brasileiros da atualidade que sustentam a possibilidade de limitação da despedida sem justa causa abusiva, mesmo no ordenamento atual, poder-se-iam, ainda, colacionar, Aryon Sayão Romita, Haddock Lobo, Vantuil Abdala, César P. S. Machado Júnior, Roberto Davis, Aguiar Dias, Sérgio Torres Teixeira, Arthur F. Seixas dos Anjos, Inácio de Carvalho Neto, Weliton Sousa Carvalho

A jurisprudência vem gradativamente acolhendo a noção de despedida abusiva para aquelas que resultem em menosprezo concreto a direitos ou valores constitucionalmente assegurados.

Destaca-se o entendimento paradigmático fixado no julgamento do TRT-PR-RO 13.115/2000, da lavra da Exma. Juíza Rosemarie Diedrichs Pimpão, também em face da ré:

“Importa ponderar que o art. 7o, inciso I, da Lei Maior, expressamente invocado pela ré, vedando a despedida arbitrária, autoriza, em nome do direito potestativo do empregador, a despedida sem justa causa, desde que seja procedido o pagamento daquela indenização, impende seja sopesado, na análise sistemática do texto constitucional, de modo a não apresentar antinomia com os princípios maiores que sustentam número mais abrangente de destinatários e que fundamentam os valores sociais do trabalho (art. 1o, IV, da CF), a promoção do bem de todos, sem preconceito de idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3o, inc. IV, da CF), bem como princípios gerais dispondo que “a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por objetivo assegurar a todos as existência digna, conforme ditames da justiça social” (art. 170, caput, da Carta Política).”

E crescentemente a jurisprudência vem evoluindo para coibir a prática abusiva na despedida, ainda que ausente regra específica que estabeleça vedação da resilição contratual pelo empregador:

“DIREITO POTESTATIVO DE RESILIR O CONTRATO – ABUSO. O exercício pode mostrar-se abusivo. Despedido o empregado face à convicção política que possui, forçoso é concluir pela nulidade do ato e conseqüente reintegração, com o pagamento dos salários e vantagens do período de afastamento. A liberdade política é atributo da cidadania, não passando o ato patronal, pelo crivo da Constituição no que encerra, em torno do tema, garantias mínimas do cidadão.” (TST-AG-E-RR 3.427/85, Ac. SDI 1810/89, Rel. Min Marco Aurélio M. F. Mello. DOU 02.09.89.)

“DESPEDIDA – ABUSO DE DIREITO – Distancia-se do poder discricionário de resilição do contrato de trabalho, adentrando em seara de abuso de direito, o ato da administração pública consistente em despedida de empregado, em ato contínuo à denúncia pelo mesmo de irregularidades praticadas pelo Diretor Presidente. O ato ilícito impõe a reparação do dano causado ao obreiro.” (TRT 9ª R. – RO 5.315/95 – Ac. 3ª T. 9.297/97 – Rel. designada Juiza Wanda Santi Cardoso da Silva – DJPR 25.04.1997)

DEMISSÃO – TRABALHADOR ACOMETIDO POR LER – DESPEDIMENTO INJUSTO – REINTEGRAÇÃO – O despedimento injusto de empregado, acometido por LER, presume-se discriminatório e, como tal, não pode ser tolerado pela ordem jurídica, impondo-se, em conseqüência, sua reintegração (CF, arts. 3º, IV e 7º, XXXI). (TRT 3ª R. – RO 4.281/97 – 2ª T. – Rel. Juiz Antônio Baldino Santos Oliveira – DJMG 25.01.1999)

ACIDENTE DE TRABALHO – NULIDADE DA DISPENSA – Dentre as situações elencadas na legislação previdenciária que asseguram o direito ao auxílio-acidente, em decorrência de acidente de trabalho ou de doença profissional a ele equiparada, como é o caso da lesão por esforço repetitivo (LER), encontra-se aquela que provoca a redução da força e/ou da capacidade funcional da mão, do punho, do antebraço ou de todo o membro superior em grau sofrível ou inferior da classificação de desempenho muscular (tenossinovite), a teor do disposto no Quadro nº 8 do Anexo III do Decreto nº 2.172, de 5/3/97.

Sendo o reclamante considerado inapto para o trabalho, em razão desse problema de saúde, é nulo o ato de dispensa que o impediu de habilitar-se ao benefício previdenciário e, assim, fazer jus à garantia de emprego concedida em lei ao acidentado. Recurso provido, nesse ponto. (TRT 8ª R. – RO 2.897/99 – 3ªT. – Rel. Juiz Walmir Oliveira da Costa – J. 15.09.1999)

Continue a ler a decisão.

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