Reféns do medo

Presidente da OAB critica violência e impunidade no Brasil

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12 de junho de 2002, 12h02

A Ordem dos Advogados do Brasil divulgou nota à imprensa para criticar o caos que vive a segurança pública no Brasil. O presidente da OAB, Rubens Approbato, citou o assassinato do jornalista da TV Globo, Tim Lopes, para exemplificar o problema da segurança pública.

“Estamos no limiar de um estado de anomia, em que a voz da autoridade não é ouvida, a determinação não é levada a cabo, as leis não são cumpridas e o aparato policial fenece, por desorganização e desintegração dos corpos policiais, entre os quais muitos estão ligados ao próprio aparelho do crime. O Brasil tornou-se refém do medo”, afirmou o presidente da OAB.

Leia a nota divulgada

ALERTA À NAÇÃO

O ASSASSINATO DO JORNALISTA TIM LOPES

O Brasil inteiro tem acompanhado, num misto de assombro e revolta, a angústia dos parentes e amigos em busca dos restos mortais do jornalista Tim Lopes. Como numa guerra, ele foi capturado, julgado e executado por comandantes de um exército de traficantes da Favela da Grota, no Rio de Janeiro. Além da solidariedade aos familiares do jornalista, a barbárie desse caso leva o Conselho Federal da Ordem dos Brasil a lançar um ALERTA À NAÇÃO:

Estamos no limiar de um estado de anomia, em que a voz da autoridade não é ouvida, a determinação não é levada a cabo, as leis não são cumpridas e o aparato policial fenece, por desorganização e desintegração dos corpos policiais, entre os quais muitos estão ligados ao próprio aparelho do crime. O Brasil tornou-se refém do medo. O Brasil está seqüestrado pela violência indiscriminada, que chega a excluir, por ano, do mundo dos vivos, cerca de 40 mil cidadãos.

O ano eleitoral em curso, infelizmente, é também o ano em que o País parece ter chegado ao pico da montanha da violência. O discurso da segurança, por isso mesmo, estará no centro do debate. Ações, estratégias e soluções existem. O que tem faltado é vontade política. Não podemos mais admitir que as autoridades sejam afetadas em sua sensibilidade apenas quando ocorrem crimes de alto impacto como o do jornalista Tim Lopes ou, também recente, do prefeito de Santo André, Celso Daniel. Não mais podemos admitir que os Planos Nacionais de Segurança fiquem apenas na intenção das promessas. O Brasil está a carecer de uma abrangente e densa política de combate à criminalidade, que seja capaz de resgatar a confiança da população na autoridade constituída.

Trata-se de um quadro que, bem o sabemos, não será mudado da noite para o dia. É empreendimento de toda uma geração. Precisamos buscar, ir fundo às raízes da violência, tentar interpretar as razões de seu crescimento. Temos de olhar, com particular atenção, para a juventude, principalmente para os jovens entre 18 e 25 anos, que se desviam de seu natural caminho de crescimento profissional. Haveremos de dar um basta à escalada da violência, sob pena de vermos o nosso País enveredar pela trilha da guerrilha urbana. Temos de brecar o Estado delinqüencial que se sobrepõe ao Estado de direito, ao Estado constituído. O nosso grito, o nosso alerta, o nosso brado, o nosso clamor é pela construção de uma cidadania ativa, esse espírito cívico que vai às ruas exigir mudanças.

De cada 100 crimes violentos que são registrados nas delegacias, a polícia só consegue prender suspeitos em 24 casos. Desses 24, apenas 14 casos conseguem ter provas para submeter os acusados a julgamento. Dos 14, apenas um criminoso cumprirá a pena até o final. É alarmante o dado: de cada 100 crimes violentos, apenas um criminoso fica por trás das grades pelo tempo integral da pena. A palavra chave é, portanto, a IMPUNIDADE. Essa impunidade estimula a violência.

Algumas medidas precisam ser desenvolvidas o quanto antes.

O Poder Judiciário precisa participar efetivamente dessa mobilização acabando com a morosidade. A burocracia faz com que processos de homicídio levem 10 anos para serem concluídos, fomentando o clima da impunidade. Deverá ser dada prioridade à apuração dos crimes violentos e punição rigorosa dos culpados. Para tanto, desnecessário qualquer ato legislativo. Basta se adotar, nos regimentos do Poder Judiciário, a prioridade de instrução e julgamento desses tipos de processo, inclusive em segundo grau. O interesse social há de se sobrepor às pautas de julgamento.

Convém salientar também que não é multiplicando leis que diminuiremos a quantidade de crimes. Pela Lei de Execução Penal, de 1984, cada preso deve ter direito a uma cela individual de 6m², com vaso sanitário e pia. A realidade é outra: as cadeias contam com 30, 40, 50 presos, alguns se amarrando às grades para dormirem em pé. Eis aí mais uma razão para as constantes fugas. Em São Paulo, apenas 10% das 10 mil pessoas presas em um mês permanecem detidas.

Não vemos no endurecimento da pena medida miraculosa para atenuar a violência. Não é a exacerbação da pena que diminui o crime, mas A CERTEZA DA PUNIÇÃO. Dispomos, entre nós, de penas ampliadas para os crimes hediondos, dentre eles os seqüestros. Tais delitos, fortemente punidos na Lei e na execução da pena, ao contrário do que se pretendia, aumentaram, atingindo, com os seqüestros, índices alarmantes. O que precisamos fazer é um combate efetivo ao crime organizado, especialmente o combate ao tráfico de drogas, ao comércio ilegal de armas. É necessário, isso sim, buscar não apenas os que praticam diretamente o crime, mas todos aqueles que se beneficiam com a criminalidade, os receptadores, os proprietários de desmanches, os cartéis de drogas e armamentos. A violência há de ser tratada de maneira sistêmica.

A palavra de ordem é CORAGEM PARA MUDAR. Mudar com a semente de uma nova cultura. Uma cultura que contemple os valores do respeito à ordem e à lei, da ética e da honestidade de propósitos, do combate às práticas ilícitas, sejam quais forem as suas dimensões.

RUBENS APPROBATO MACHADO

Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil

Brasília, 12 de junho de 2002.

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