Insegurança pública

Paulo Sérgio Domingues assume a presidência da Ajufe

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11 de junho de 2002, 19h34

O novo presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Paulo Sérgio Domingues, tomou posse nesta terça-feira (11/6), em Brasília. Domingues assumiu o lugar de Flávio Dino de Castro e Costa. Juízes de todo o país estiveram na solenidade de posse.

Entre os presentes, estavam o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio; o ministro Sepúlveda Pertence; o advogado-geral da União, Gilmar Mendes; dirigentes dos tribunais superiores e dos Tribunais Regionais Federais e o senador Eduardo Suplicy.

O novo presidente da Ajufe defendeu a participação dos juízes de

primeiro grau na escolha do comando dos Tribunais. Domingues também criticou a insegurança pública vivida no país.

“Já para o combate a problemas como o da segurança pública nas grandes cidades, é preciso muito mais que leis. Para amenizar os problemas sociais que criam as condições para a instalação de verdadeiros Estados Paralelos dentro do Estado, é preciso vontade política, disposição e muito investimento”, afirmou.

Leia a íntegra do discurso

Há dois anos participei de solenidade como a de hoje. Naquela oportunidade, o Juiz Tourinho Neto empossava o novo presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Juiz Flávio Dino de Castro e Costa, e a nova diretoria da AJUFE.

Assumi, então, a vice-presidência da AJUFE na Terceira Região, e nestes últimos dois anos tenho tido o grande prazer de trabalhar em conjunto com Flávio Dino e os demais diretores, em prol dos cada vez mais amplos objetivos e valores por que lutamos.

Nesse período, obtivemos inúmeras conquistas na valorização da Magistratura Federal perante a sociedade. Realizamos diversos congressos e seminários, no Brasil e no Exterior, conseguimos inovações legislativas importantes como a dos Juizados Especiais Federais.

A AJUFE tem sua presença consolidada como interlocutora obrigatória nas discussões institucionais que envolvem temas ligados à Justiça, à democracia, à cidadania, ao Estado de Direito; tanto internamente ao Judiciário como perante os demais Poderes da República e a sociedade civil.

No pleito eleitoral do último mês de abril, a Magistratura Federal decidiu, por ampla margem, que o grupo político que dirigia a AJUFE merecia continuar a fazê-lo. Esse resultado representa o apoio dos Juízes Federais ao modo de condução política da Associação que vem sendo exercido, e de uma gestão democrática e aberta à colaboração de todos os Juízes.

Hoje, assumo a presidência da Associação dos Juízes Federais do Brasil, e com isso assumo também o compromisso de manter, pelos próximos dois anos, o trabalho e a linha de atuação que têm levado a AJUFE a um crescimento constante, contínuo, exponencial.

Naturalmente, sei que a AJUFE não atingiu a força que hoje tem apenas como resultado do trabalho realizado nestes últimos dois anos. Ao contrário, sua posição no campo político e institucional tem se consolidado cada vez mais, a cada ano de sua existência.

Por isso, ainda que alguns não estejam fisicamente presentes, posso afirmar que, aqui nesta sala estão desde o primeiro presidente da AJUFE, Costa Lima, até os mais recentes, Vladimir Passos de Freitas, Vilson Darós, Fernando da Costa Tourinho Neto, Flávio Dino de Castro e Costa. Porque a AJUFE de hoje é resultado da soma do trabalho dedicado de todos eles, e de muitos outros Juízes e Juízas Federais, nos trinta anos de sua história.

Trinta anos. A AJUFE consolida-se e atinge a maturidade.

A responsabilidade atual, minha e de meus colegas de diretoria, é a de conduzi-la em direção ao futuro.

Diz a velha máxima que, para vislumbrarmos os caminhos do futuro é necessário olharmos na direção do passado. Ver o que mudou, e o que pode ainda ser modificado. Disse Heráclito que “tudo muda, exceto a mudança”. A história é dinâmica como é a vida de cada ser e de cada instituição.

E olhando para trás, vemos que, como tudo, o Poder Judiciário mudou. Hoje, ele age e fala como um verdadeiro Poder.

Uma das principais críticas que sempre se fez ao Judiciário é a do isolamento, seu e de seus membros. A população tinha os Juízes como semideuses, encastelados em seus gabinetes, isolados da realidade, imunes a críticas ou controles. Seu silêncio era justificado com a preservação de sua imparcialidade, daí a surrada frase: “o juiz só fala nos autos”.

O grande problema é que esse silêncio, valendo como regra quase imutável, na verdade acabou por tornar o Judiciário e o Juiz alvos fáceis a todo tipo de ataque, justo ou injusto. E serviu, historicamente, para que se passasse a exigir o silêncio do Judiciário em tudo, impedindo que ele se manifestasse sobre as questões relevantes do país, que ele reclamasse, reivindicasse, se posicionasse no mesmo plano dos demais Poderes.


Hoje, felizmente, constatamos que o Judiciário modificou sua atitude, em todos os níveis e instâncias. Passou a exercer seu papel de Poder Político, passou a se dar a conhecer pela sociedade e pela mídia. O Judiciário se mostra, no que tem de bom e no que tem de defeituoso, e expõe seu intuito de melhorar. E somente assim, sendo conhecido pela sociedade que dele depende e que o sustenta, é possível ao Judiciário legitimar-se, fortalecer-se, aprimorar-se.

É claro que essa maior exposição leva a polêmicas sobre o acerto ou erro de determinadas decisões. Mas isso, ao contrário de pôr em dúvida a autoridade da Justiça, serve para mostrar à sociedade que o Judiciário é composto de homens e mulheres honrados e que dedicam sua vida à causa da distribuição de justiça. São sujeitos a acertos e erros, como todos os seres humanos, mas vestem a toga, em sua esmagadora maioria, com altivez, honestidade e dedicação.

O aumento progressivo da independência e do peso político do Poder Judiciário significa a efetiva afirmação de seu papel como um dos Poderes Políticos da República.

Contudo, não é novidade que isso não tem refletido uma melhora do Poder Judiciário em alguns aspectos fundamentais. Cito dois exemplos: a sua democratização interna e a sua eficiência no que se refere exatamente àquilo para que ele foi criado: dar solução às causas que lhe são apresentadas.

O Judiciário ainda possui uma alta concentração de poder nos seus órgãos de cúpula, e não valoriza como deveria o Magistrado de Primeiro Grau. É imperioso reconhecer que diversos progressos tem sido realizados nesse sentido, mas muito há por ser feito. Como ponto positivo, ressalto a edição de resolução, pelo Conselho da Justiça Federal, dispondo sobre o assento e o direito à manifestação do presidente da AJUFE nas sessões do Conselho. Com isso, democratiza-se a instituição e permite-se que a voz e os anseios da Magistratura de todo o país cheguem com mais força e rapidez ao Conselho da Justiça Federal.

Porém, muitos outros passos ainda são necessários. A Reforma Constitucional do Poder Judiciário, em trâmite há vários anos no Congresso Nacional, é oportunidade que não se pode desperdiçar para aprimorar a Justiça. Para fazer uma reforma tímida, ou que represente retrocesso, melhor será não fazê-la. Nesse campo, a AJUFE continuará firme e atenta, lutando para que o Judiciário não saia da Reforma enfraquecido como Poder de Estado e com ainda menos democracia interna. Agiremos com determinação para que sejam aprovados, na reforma, vários dispositivos que consideramos indispensáveis. Destes, destaco especialmente três:

– a participação dos Juízes de Primeiro Grau na escolha dos juízes que concorrerão à promoção por merecimento aos tribunais;

– a previsão de que os Juízes de Primeiro Grau também votem na eleição dos cargos diretivos dos Tribunais;

– a participação de um Juiz Federal de primeiro grau na composição do Conselho Nacional de Justiça que será criado, escolhido a partir de eleição por seus pares.

No que se refere ao déficit de eficiência do Judiciário no atendimento à demanda de processos que recebe, é preciso, ao olhar para o passado, constatar que o aumento da quantidade de Juízes e de sua produtividade ainda não foram suficientes a otimizar o fluxo das demandas.

Nos últimos dez anos, a Justiça Federal quadruplicou de tamanho. Interiorizou-se, indo mais perto do cidadão que reside distante das capitais. Há mais Varas, mais Juízes. Mas, isso ainda não basta. As Varas e os Tribunais continuam cada vez mais abarrotados de processos, por várias razões – dentre as quais a mais agradável é a descoberta, pela população, de que a Justiça Federal pode e deve ser procurada para garantir seus direitos. Esse incremento no exercício da cidadania leva naturalmente a um crescimento de demanda que o Judiciário precisa atender.

Daí decorre que, neste momento, torna-se absolutamente necessária a aprovação do projeto de Lei ora em trâmite no Congresso Nacional referente à criação de 183 novas Varas Federais em todo o Brasil.

Contudo, de nada adiantará incrementar a prestação jurisdicional da primeira instância, se os Tribunais de segundo grau continuarem congestionados e geograficamente distantes de seus jurisdicionados. Por isso, é fundamental que o Congresso Nacional aprove a Emenda Constitucional que cria novos Tribunais Regionais Federais. Esta já foi aprovada no Senado, e esperamos que também o seja, em breve, na Câmara dos Deputados.

Mas, esse crescimento apenas quantitativo do Poder Judiciário tem se mostrado insuficiente. É preciso buscar também mudanças qualitativas, encontrar novas maneiras de fazer as coisas. E a prova de que isso é possível está nos Juizados Especiais Federais, instalados em janeiro deste ano.


A AJUFE esteve sempre presente, desde a elaboração de um anteprojeto de lei dos Juizados Especiais, até sua instalação, e continua presente no desenvolvimento dessa forma revolucionária de distribuir justiça. Os Juizados Especiais Federais reúnem todas as condições para ser o embrião de um processo moderno, desburocratizado, rápido e eficaz. E principalmente, de garantir o acesso ao Judiciário do cidadão menos favorecido.

Já para o combate a problemas como o da segurança pública nas grandes cidades, é preciso muito mais que leis. Para amenizar os problemas sociais que criam as condições para a instalação de verdadeiros Estados Paralelos dentro do Estado, é preciso vontade política, disposição e muito investimento. Naquilo que pode ser feito no âmbito jurídico, a AJUFE apresentou propostas legislativas de alteração dos Códigos Penal e de Processo Penal, a fim de tornar mais efetivo e eficaz o instrumental à disposição da Justiça para enfrentar as novas realidades que surgem a partir das novas formas de criminalidade e da organização cada vez maior dos grupos criminosos.

Outra medida que reflete a busca do novo está no projeto de lei de informatização do processo judicial, elaborado pela AJUFE. O projeto, que admite a regula a utilização de meios de informática no processo, tanto pelas partes como pelos órgãos jurisdicionais, foi aprovado hoje pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, e esperamos que seja em breve aprovado pelo plenário.

O efetivo fortalecimento e respeito ao Poder Judiciário passa bela boa prestação jurisdicional, sim, mas também pela qualificação e valorização de seus membros. E isso não é possível sem uma remuneração digna aos Juízes.

Há pelo menos cinco anos a AJUFE luta por uma solução que resolva satisfatoriamente o problema dos salários dos Juízes. Desde a edição da Emenda Constitucional no. 19, de 1998, defendemos a fixação do teto salarial do funcionalismo público, como medida moralizadora. O teto, que fixaria os subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, e assim de toda a Magistratura Nacional, infelizmente não veio, por absoluta falta de condições políticas para sua implementação.

Hoje, após sete anos sem reajuste salarial, é preciso louvar a iniciativa do Supremo Tribunal Federal de encaminhar ao Congresso Nacional projeto de lei fixando seus vencimentos. É fundamental que esse projeto seja aprovado com rapidez, para levar os vencimentos dos Juízes Federais a um patamar mais condizente com a responsabilidade do cargo que exercem.

Deixo aqui consignado que os Juízes não estão satisfeitos com os valores alcançados, que não são suficientes a repor a inflação acumulada desde 1995. Mas, reconhecemos que o primeiro grande passo foi dado, e permaneceremos ao lado do Supremo Tribunal Federal até a aprovação do projeto.

O que mais virá no futuro? Esperamos ver, por exemplo, o cumprimento imediato das decisões judiciais por parte da União.

O acatamento das decisões do Judiciário, por qualquer governo, deve ser mais que automático, deve ser ponto de honra.

No último domingo, o Presidente da República esteve em rede nacional de televisão anunciando o início do pagamento, aos trabalhadores, das diferenças de correção monetária do Fundo de Garantia expurgadas anos atrás – mais uma conquista social em que foi fundamental a atuação dos Juízes Federais.

Disse o Sr. Presidente que, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu em favor de alguns trabalhadores, que fariam jus às diferenças, achou que essa decisão deveria valer para todos, e apresentou projeto de lei ao Congresso, visando oferecer acordo para pagamento do FGTS a todos os trabalhadores. Disse ainda que essa é uma dívida de governos anteriores, mas que ele desejava pagá-la.

Muito bom. Tão bom que essa postura deveria ser estendida a todas as outras decisões judiciais definitivas.

Seria ainda melhor, se os governos se dedicassem a cumprir não só esta, mas todas as decisões do Supremo Tribunal Federal que decidissem pela inconstitucionalidade de leis, estendendo seus efeitos a todos.

Se quando o Supremo decidiu pela inconstiucionalidade do empréstimo compulsório sobre combustíveis e veículos, de 1986, ou do Finsocial e PIS de 1988, algum dos governos posteriores tivesse tido a idéia de devolver a todos os contribuintes o que lhes fora cobrado irregularmente, centenas de milhares de ações judiciais teriam sido evitadas.

Quem ganharia com isso não seria apenas o Judiciário, que poderia dirigir seus esforços a outros processos. Ganhariam também os cidadãos e as instituições democráticas, porque todos saberíamos que o Executivo respeita e acolhe as decisões do Poder Judiciário.

Seria ótimo ver, um dia, um governante se dispor a resgatar as dívidas e os prejuízos causados aos cidadãos, pela União, pelo INSS. Seria ótimo que, a partir de então, o indivíduo nem precisasse mais recorrer ao Judiciário. Ele veria respeitada sua cidadania pelo governo que elegeu.


Tenho esperança de ver chegar esse dia. Já é tempo de relegar ao passado o expediente da chamada “mora legal judicializada”, ou seja, utilizar os instrumentos processuais para postergar ao máximo o pagamento de dívidas, de preferência deixando-o a cargo do governo seguinte.

Senhoras e Senhores, a Magistratura Federal nunca deixará de ser corajosa em suas decisões na defesa dos direitos dos cidadãos, e a AJUFE não abandonará jamais sua atuação sempre segura e aguerrida visando a preservar a primazia da ordem jurídica e da justiça.

Aristóteles escreveu que “a ilegalidade aparece, às vezes, sem ser notada, como os mínimos gastos que, sempre renovados, destroem as fortunas”. Feita aos poucos, ilude o espírito e não é sentida, mas seus efeitos podem ser devastadores. Os Juízes Federais, como sempre tem sido, continuarão atentos a toda ilegalidade que venha a ser perpetrada, e darão a necessária resposta a quem vier provocar sua atuação.

Não é apenas por vivermos em uma democracia que podemos deixar de permanecer sempre vigilantes. O mesmo Aristóteles advertia que “todas as armadilhas dos tiranos parecem que cabem na democracia”. A democracia, senhores, somente pode ser vivida e de fato compor o Estado Democrático de Direito que almejamos, se houver constante atenção sobre os governantes eleitos, ainda que com a legitimidade das urnas.

Neste ano haverá eleições gerais no Brasil. Vamos buscar junto aos candidatos compromissos com o respeito à independência do Judiciário, e cobrá-los, depois, dos eleitos. É fundamental que haja um comprometimento efetivo do governante com a Constituição e com o Poder instituído para garantir sua autoridade, que é o Judiciário.

Governos vêm e vão, mas nós ficamos. O compromisso da Justiça e dos Juízes com a Constituição e com o cidadão não tem mandato de quatro anos. É permanente.

A AJUFE, hoje, é mais que uma simples entidade de classe. O foco de defesa intransigente do Poder Judiciário e da Magistratura Federal é complementado pela defesa incessante do Estado Democrático de Direito e do acesso do cidadão à defesa de seus direitos na Justiça.

Nós lutamos sempre, de maneira firme e dura, mas nunca deixamos de dialogar e colaborar com iniciativas positivas para a preservação das instituições democráticas.

Juiz não fala mais apenas nos autos. O Juiz é um ser político, na acepção pura do termo, e deve exercer seu papel político na sociedade. É esse papel que a Associação dos Juízes Federais vai continuar a exercer, em nome dos Magistrados Federais de todas as instâncias, em benefício do País.

Para isso, contamos com um corpo diretivo composto de Magistrados qualificados e dedicados. Alguns, que já compunham a diretoria, e outros que vieram a se agregar ao trabalho ao longo do tempo.

Nós não nos importamos com quantos moinhos teremos que combater. Quando se tem ideais, o tamanho ou a duração das batalhas não importam. Como disse o escritor Friederich Dürrenmatt, “Quixotes devemos ser todos, se temos o coração no lugar certo e um pouco de inteligência dentro do crânio”.

A todos, meu muito obrigado.

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