Execução trabalhista

Dispensa de precatórios em dívidas de pequeno valor é um avanço

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6 de junho de 2002, 12h55

É consenso no meio jurídico que a execução constitui a parte mais morosa e de mais difícil condução no processo do trabalho. Isto acontece porque o legislador tem sido pródigo em efetuar alterações no rito de conhecimento, sem a devida e competente atenção ao procedimento executório.

Recentemente, a instituição do rito sumaríssimo deixou-nos perplexos. Não há alterações positivas na execução correspondentes à celeridade que se pretendeu imprimir aos atos processuais na fase de conhecimento.

A dedicação dos juízes e o zelo pela rapidez na tramitação dos feitos não têm sido suficientes para garantir a efetividade da prestação jurisdicional. É preciso vencer as diversas muralhas que obstaculizam o curso do procedimento executório. A demora do processo corre contra o credor e impõe severa marca negativa na imagem do Poder Judiciário.

Enquanto mudanças legislativas necessárias e urgentes não ocorrem, como a unificação de procedimentos que se poderia alcançar com um Código de Processo do Trabalho, cabe-nos a proposição de medidas de ação imediata. A dispensa de precatório nos pagamentos de dívidas de pequeno valor representa avanço significativo.

Saudamos a oportuna orientação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (23/5). O conselho considera aplicável a Lei dos Juizados Especiais Federais para delimitação das obrigações de pequeno valor que excetuam a regra de expedição de precatório na execução de créditos trabalhistas.

Dispensa de precatório

A Constituição Federal preceitua que os pagamentos de dívidas da Fazenda Pública da União, Estados e Municípios, decorrentes de sentenças judiciais, ocorrerão “exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos” (art. 100, caput).

A Emenda Constitucional nº 30 (13/9/2000), deu nova redação aos parágrafos desse artigo. Estabelece exceção à regra de pagamentos por precatórios, in verbis:

“O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos das obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.”

No âmbito da legislação trabalhista nenhuma norma jurídica foi editada para estabelecer qual limite definiria a expressão “pequeno valor”.

Somente a Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais trouxe a regulamentação desse dispositivo constitucional, nos seguintes termos:

“Art. 17. Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput).”

A redação do art. 3º dessa lei é clara ao estabelecer que as ações da competência dos Juizados Especiais tem limitação em 60 salários mínimos. Este valor define o que é obrigação de pequeno valor para os efeitos do art. 100, § 3º da Magna Carta.

Vale ressaltar, o valor não foi estabelecido para os efeitos da Lei dos Juizados Federais. Ao contrário, fixou o limite para efeitos de dispensa de precatório tal como previsto no preceito constitucional, sendo, agora, desnecessária edição de qualquer outra norma jurídica para disciplinar o tema.

Esse entendimento temos esposado desde que a Lei dos JEFs entrou em vigor. A lei decidiu que há novo rito a ser aplicado nos processos aptos à expedição de precatórios, não mais sujeito à longa espera decorrente da inclusão do valor da dívida em orçamento da União, Estados e Municípios.

Por isso, foi com grande satisfação que tomamos ciência que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho lançou pá de cal sobre quaisquer dúvidas quanto à aplicabilidade da Lei dos JEFs no processo trabalhista.

Eis a íntegra da notícia divulgada na página do Tribunal Superior do Trabalho, na internet:

O Conselho Superior da Justiça do Trabalho fixou hoje (23/05) em 60 salários mínimos o teto dos débitos trabalhistas da União que serão pagos sem necessidade de precatórios. A definição foi feita com base na Lei 10.259/2001 dos Juizados Especiais Federais que estabeleceu esse mesmo valor em relação às dívidas da União, principalmente aquelas da Previdência Social, resultantes das causas julgadas pela Justiça Federal. O pagamento dessas dívidas será feito no prazo de 60 dias, conforme prevê a Lei 10.259/2001.

De acordo com o presidente do Tribunal Superior do Trabalho e também do Conselho, ministro Francisco Fausto, o pagamento desses débitos trabalhistas de pequeno valor, relativos à União, já está assegurado com a inclusão de R$ 12 milhões no orçamento da Justiça do Trabalho.

O Conselho Superior decidiu também que será editada uma resolução para autorizar toda a Justiça do Trabalho a adotar, imediatamente, esse teto. O Conselho decidiu adiar uma definição em relação às dívidas trabalhistas dos Estados e Municípios.

O vice-presidente do TST e do Conselho, ministro Vantuil Abdala, informou que tramita no Congresso Nacional projeto que regulamenta o teto das dívidas do setor público de qualquer natureza que serão pagas sem precatórios, na qual também se adotou o valor de 60 salários mínimos em relação à União. O projeto também prevê um teto para os Estados e Municípios, de acordo com a população.


A orientação do Conselho Superior do Judiciário Trabalhista caminha no sentido de agilizar a execução contra a Fazenda Pública. O conselho é sensível à necessidade de modificação eficaz do procedimento executório nos processos que representam os maiores índices de morosidade na efetiva entrega da prestação jurisdicional.

Indispensável esclarecer que o limite de 60 salários mínimos define a dívida trabalhista por reclamante. Assim, nas ações plúrimas ou de substituição processual a dispensa de precatório se dá até esse limite, por reclamante. Essa tem sido a interpretação na Justiça Federal.

Quanto à formalização dos atos, entendemos que o juiz deverá declarar na sentença de liquidação que a obrigação que se executa constitui dívida de pequeno valor, não sujeita a precatório na forma do art. 100, § 3º da CF e art. 17 da Lei dos Juizados Especiais Federais.

Não havendo qualquer recurso pendente, o juiz expedirá ofício-requisitório ao ente público e solicitará por ofício o pagamento do valor integral da dívida, atualizada até a data de expedição do ofício, pelo TRT. É fundamental que conste na planilha enviada ao TRT: a identificação das partes, número do processo, valor da dívida, número da conta bancária e CPF do credor, entre outros dados pertinentes.

A rotina prevista na Lei dos JEFs contempla o pagamento por crédito bancário em Agência da Caixa Econômica Federal mais conveniente ao beneficiário. Assim, economiza-se nesse roteiro vários atos de mero expediente e até mesmo expedição de alvará. A Caixa comunica ao juiz o crédito efetuado e ao correntista a disponibilidade do valor.

Uniformidade de procedimentos quanto aos entes públicos

Decorre da Lei dos Juizados Especiais Federais o limite para dispensa de precatório fixado em 60 salários mínimos. Esse é o valor que se aplica a todos os níveis da administração pública. Não há ressalvas em relação aos Estados, Distrito Federal, Municípios ou entidades da administração indireta que os compõem.

Compreendemos, todavia, que o parágrafo 4º do art. 100 da CF prevê possibilidade de no futuro haver estipulação de valores diversos para as obrigações de pequeno valor em respeito às dificuldades financeiras dos entes públicos.

Vejamos

“A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no parágrafo 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público.”

O legislador constituinte pretendeu criar dispositivo que facultasse o desdobramento da definição monetária das obrigações de pequeno valor ao introduzir esse parágrafo 4º no art. 100 da Carta Constitucional. Assim, os entes federados têm oportunizada discussão de valor-limite adequado às suas finanças para pagamento, independentemente de precatório.

É preciso atentar que o texto em destaque é categórico no sentido de que “a lei poderá fixar valores distintos…”. Se a Lei 10.259/2001 regulamentou o § 3º do art. 100 da CF, entendimento já adotado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, isto significa que a norma ordinária editada não excepcionou Estados e Municípios quanto ao limite monetário das obrigações de pequeno valor.

A regulamentação vinda pela lei dos JEFs contempla o direito dos cidadãos de receberem com maior agilidade seus créditos decorrentes de sentenças condenatórias da Fazenda Pública. É inadmissível que se impusesse a eles injustificável espera por lei outra, em benefício exclusivo da administração pública.

Porém, nada impede que o poder público estadual ou municipal reivindique edição de lei federal ordinária que atenda aos seus interesses. O valor de 60 salários mínimos para pagamento de dívidas trabalhistas poderá ser reduzido diante do permissivo constitucional do parágrafo 4º do art. 100. Enquanto não houver essa alteração legislativa, permanecerá vigente a regra de 60 SM para todos níveis da administração pública.

É importante ressaltar que o direito processual pátrio já estabelece privilégios à Fazenda Pública. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, como também as Fundações e Autarquias, sempre estiveram sob a exigibilidade de pagamento de dívidas por meio de precatório, para qualquer valor.

Regulamentada a dispensa de precatório, deve-se entender a aplicação da norma constitucional e do art. 17 da Lei dos JEFs a todos os entes públicos que antes se sujeitavam ao procedimento mais moroso. Assim, pode-se compreender que o limite de 60 SM aplica-se à administração direta e indireta para pagamento de obrigações de pequeno valor.

Consideramos que a ausência de orientação pelo Egrégio Conselho Superior da Justiça do Trabalho dá ensejo, data venia, a interpretação discriminatória. Cria privilégio não expresso em lei, pela possibilidade de sujeição de todas as dívidas desses entes públicos à expedição de precatórios, o que poderia tornar o preceito constitucional mais favorável em letra morta.


Enquanto não houver nova lei que excepcione Estados, Distrito Federal e Municípios, o limite estabelecido pela Lei 10.259/2001 é válido para todos, sem distinções.

Lei de Diretrizes Orçamentárias

Atento o Congresso Nacional à regulamentação do art. 100, § 3º, da Constituição Federal pela Lei dos Juizados Especiais Federais, fez constar no texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2002 (LDO, Lei nº 10.266, de 24.07.2001) que haveria dotação específica para pagamento de sentenças relativas às dívidas de pequeno valor, como se pode observar a seguir:

“Art. 7º. A lei orçamentária discriminará em categorias de programação específicas as dotações destinadas:

………

XI – ao cumprimento de sentenças judiciais transitadas em julgado consideradas de pequeno valor, que constarão da programação de trabalho dos respectivos tribunais;”

No art. 23, § 8º, da mesma LDO o legislador explicita o procedimento a ser adotado para requisição dos pagamentos:

“As requisições dos créditos de pequeno valor, de qualquer natureza, nos termos do § 3º, do art. 100 da Constituição Federal, como previsto no art. 7º, XI, serão feitas pelo juiz da execução diretamente ao Tribunal competente, que para a efetivação do pagamento, organizará as requisições em ordem cronológica contendo os valores discriminados por beneficiário e natureza alimentícia e não alimentícia.”

Essa previsão de verba orçamentária já está à disposição dos Tribunais Regionais do Trabalho para pagamento de dívidas da Fazenda Pública Federal, autarquias e fundações, conforme se pode constatar via internet no relatório da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional, aprovado em 27/12/2001.

É importante constatar que a LDO por ter sido publicada em depois da publicação da Lei dos Juizados Especiais Federais, vincula-se à definição de obrigação de pequeno valor como dívidas de até 60 salários mínimos.

Com efeito, ao discriminar a rotina administrativa de pagamento dos valores a partir das dotações disponibilizadas aos TRTs de cada região do país, a Lei de Diretrizes Orçamentárias está evidenciando que nenhuma regulamentação é mais necessária.

Vale destacar que a Lei Orçamentária Anual (Lei 10.407/2002), que fixou as dotações para os Tribunais Regionais e Federais do Trabalho, já autoriza as unidades orçamentárias a efetuarem suplementação das dotações, caso isso se mostre necessário.

Basta, que os juízes trabalhistas promovam as requisições aos tribunais regionais para que seja efetuado pagamento o mais breve possível. Dispensa-se a formação do precatório e agiliza-se a execução, tornando-a adequada às expectativas da sociedade.

Conclusão

A disciplina normativa a respeito das obrigações de pequeno valor e sua aplicação na execução trabalhista promove mudança altamente significativa no processo do trabalho. Os feitos em que é condenada a Fazenda Pública representam o maior índice de demora na tramitação de nossos processos.

Em boa hora, portanto, a regulamentação do § 3º do art. 100 da Constituição Federal vem demarcar um novo momento no rito executório. Grande parte das ações terão desfecho mais célere, com o jurisdicionado percebendo pagamento de seus créditos no prazo máximo de 60 dias após a requisição pelo Juízo.

A natureza alimentícia da maior parte das parcelas pleiteadas nas reclamatórias trabalhistas movidas contra órgãos públicos estava a merecer tratamento diferenciado para evitar a longa demora comum no sistema de precatórios.

O Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ao orientar sobre a aplicabilidade da Lei dos JEFs para pagamento dos créditos no âmbito da Justiça do Trabalho, sinaliza na direção da modernização do processo trabalhista.

Entendemos que o art. 17 fixa o limite aplicável a todos os entes da administração pública, dispensada a formação do precatório. O princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput, CF) restaria malferido se a dispensa de precatório fosse viabilizada apenas aos servidores-credores da Fazenda Federal. Com que fundamento jurídico seriam excluídos os jurisdicionados que tem créditos em haver dos Estados, Distrito Federal e Municípios?

O procedimento estatuído pela Lei do Juizados Especiais Federais prestigia a atuação do Juiz de primeira instância, fortalecendo prerrogativas na execução contra a Fazenda Pública.

Acreditamos que na sentença de liquidação deve ser declarado que a obrigação é considerada como de pequeno valor nos termos do art. 100, § 3º da Constituição Federal e art. 17 da Lei 10.259/2001.

Na Justiça Federal a Lei dos JEFs tem sido interpretada no sentido de que o limite de 60 salários mínimos refere-se aos créditos de cada reclamante e não à integralidade da dívida em execução, o que beneficia, coerentemente, os autores em ações plúrimas ou de substituição processual.

Por fim, é importante registrar que a legislação processual trabalhista tem-se destacado historicamente por ser vanguarda na criação de procedimentos de celeridade e de acesso à justiça. Neste sentido inspirou regras do Código de Defesa do Consumidor e também o rito processual dos pioneiros Juizados de Pequenas Causas e os recentes Juizados Especiais Federais.

Agora, a instrumentalização da dispensa de precatório na execução trabalhista, ao tempo em que revela necessidade de importação do procedimento constante da Lei dos JEFs, instiga o intérprete à retomada da busca de soluções adequadas às peculiaridades do processo trabalhista. Visa atingir o ideal de justiça efetiva, ágil e segura que a Carta Constitucional prescreve e que a sociedade espera que os Juízes diligentemente implementem.

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